O jovem natural da Batalha suspeito de planear um ataque terrorista à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa começa hoje a ser julgado no Campus da Justiça.
Detido em Fevereiro deste ano, João, 19 anos, está acusado de dois crimes de terrorismo, um dos quais na forma tentada, e um crime de detenção de arma proibida.
Segundo a acusação do Ministério Público de Lisboa a que o JORNAL DE LEIRIA teve acesso, o jovem pretendia “matar pessoas” na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e “de seguida tirar a própria vida, esfaqueando-se na barriga e no peito, à semelhança do que leu no ataque descrito no Manga Dead Tube” (banda desenhada japonesa).
O arguido está em prisão preventiva desde 11 de Fevereiro, por o MP considerar a existência “forte perigo de continuação da actividade criminosa e um intenso perigo de perturbação da tranquilidade e da ordem públicas”. A medida de coacção foi substituída por internamento preventivo no Hospital Prisional de Caxias, onde permanece.
À data da prática dos factos, o jovem “encontrava-se afecto das anomalias psíquicas de perturbação do espetro do autismo, sem perturbação do desenvolvimento intelectual e com nulo a ligeiro défice na linguagem funcional, e de episódio depressivo, sem sintomas psicóticos, o qual terá surgido no último trimestre de 2021, persistindo no tempo em 2022”, refere o despacho de acusação.
No entanto não se apurou a “existência desintomatologia psicótica (ideias delirantes ou alterações de percepção, como alucinações ou ilusões”.
O MP defende que a capacidade do arguido, no momento dos factos, “estava globalmente mantida, não existindo, pressupostos médico-legais para ser considerando inimputável”.
De acordo com a acusação, o arguido “delineou e decidiu executar um plano que visava praticar um ataque homicida-suicida”, com os objectivos de “matar indiscriminadamente várias pessoas e espalhar o terror na comunidade escolar”.
Para o MP, o jovem “ambicionava ser o protagonista de uma situação de terrorismo e mostrar ao País e ao mundo que este fenómeno criminal também ocorre em Portugal e não apenas nos Estados Unidos”.
O “plano de ataque pretendia copiar” os animes, lê-se ainda no despacho, “face ao fascínio que sentia, permitindo-lhe replicar e representar a personagem que vai para a escola com uma mala e que depois vai à casa de banho, prepara-se com as armas e engenhos explosivos e incendiários e depois concretiza o ataque”.
A Procuradora da República da Comarca de Lisboa refere que o jovem “começou a pensar no dia em que iria cometer o atentado na universidade quando iniciou isolamento profiláctico da Covid-19, entre 15 a 18 de Janeiro de 2022, altura em que leu um Manga denominado Dead Tube”.
Desde a altura em que tinha “14/15 anos” o jovem “ganhou um fascínio e uma obsessão por conteúdos sobre violência, morte, assassinos e assassinatos em massa, tiroteios em escolas, tiroteios em massa, atiradores activos e armas de fogo”.
No entanto, o seu interesse pelos assassinos em massa, adianta o MP, “remonta ao ano de 2012, quando tinha apenas 9 anos e visualizou notícias sobre o atirador Adam Lanza de Newtown, Connecticut, Estados Unidos, um jovem de 20 anos que concretizou um ataque na escola primária dessa cidade e que vitimou 20 crianças”.
“Este fascínio foi sendo alimentado pelo consumo de Mangá e Animes, banda desenhada japonesa e desenhos animados japoneses, respectivamente, ambos de natureza de violência extrema e gratuita”, realça a acusação.
Essa “obsessão” era alimentada, “através de fóruns de conversação em redes sociais” e passou a fazer parte da ‘comunidade’ True Crime Community, na qual os utilizadores partilham conteúdos sobre assassinos em massa mais conhecidos”.
O MP refere que “uma das publicações que maior fascínio exerceu sobre o arguido, descrevia os actos praticados por um jovem de 18 anos” que “entrou na sua universidade e matou 21 pessoas com uma espingarda e bombas, suicidando-se em seguida”.
Em 2020, o arguido começou também a fazer visualizações e publicações num subgrupo sobre Assassinos em Massa.
“O fascínio e a obsessão do arguido por estas temáticas criou no mesmo, desde pelo menos final de Setembro de 2021, uma vontade profunda de replicar e copiar tais actos violentos, executar um ataque/assassinato em massa e de suicidar-se ou vir a ser morto em seguida”, lê-se na acusação.
No planeamento do alegado ataque, o arguido analisou as condições de segurança da universidade e “calculou que um ataque de cinco minutos, com arma de fogo, poderia causar um elevado número de vítimas”.
O jovem contactou um utilizador no Discord e “manifestou-lhe o seu grande desejo em exercer violência e matar pessoas, falando da vontade que teve de esmagar as cabeças de uma mulher e de uma criança no interior de uma loja, após ver que ali se encontrava um martelo”.
“Entre Janeiro e 10 de Fevereiro de 2022, o arguido muniu-se com todas as armas e artigos que escolheu para utilizar no ataque homicida/suicida” e definiu os locais de preparação e onde realizaria o alegado ataque.
Através de mensagens enviadas a um utilizador, o acusado “manifestou dominar os conhecimentos adquiridos”, explicando “ao pormenor como a poderia matar rapidamente e sem dor com faca, designadamente que teria de cortar a veia jugular por ser aquela que fornece oxigénio ao cérebro”.
O arguido definiu o dia 11 de Fevereiro de 2022, como o dia da prática dos factos, ataque que teria início no bloco 3, às 13:20 horas, data em que naquele bloco, além de “albergar uma grande quantidade de alunos”, “as cadeiras eram fixas ao chão”, pelo que “não conseguiriam obstar à prossecução do seu plano e impedir a execução do mesmo, arremessando essas cadeiras contra o próprio”, adianta a acusação.
Para a execução do alegado ataque, “o arguido redigiu um plano, de forma rigorosa e pormenorizada, em Inglês e Português, para aumentar as possibilidades de sucesso, e afixou-o numa das paredes do seu quarto de dormir”, terminando a lista com o “Final Day”.
Uma semana antes, o jovem “efectuou publicações, relatando que nos próximos dias levaria a cabo um assassinato em massa”.
No dia 2 de Fevereiro de 2022, após ter “conhecimento do teor de publicações efectuadas” pelo arguido “relacionadas com a sua intenção de praticar um ataque homicida-suicida”, efectuou “uma denuncia via mail para o Federal Bureau of Investigation (FBI), que veio a ser transmitida à Policia Judiciária, o que permitiu a realização de diligências que conduziram à posterior identificação, localização e detenção do arguido em flagrante delito”.
O MP acredita que o jovem “apenas não logrou concretizar e finalizar o plano”, porque “as autoridades o abordaram e evitaram desta forma a consumação das mortes, ofensas à integridade física, incêndio e explosões que ocorreria no dia seguinte”.