As palavras ditas em inglês definem a atitude que o maestro pretende extrair da partitura. “Gosto de assumir riscos. Vamos arriscar”. Nicholas Reed é inglês, vem da Alemanha e está em Portugal para dirigir pela primeira vez o ensemble de sopros da Associação de Filarmónicas do Concelho de Leiria.
“Óptimo, óptimo, óptimo. Muito, muito melhor. Obrigado”. Os ensaios no auditório da Junta de Freguesia do Arrabal preparam a estreia de oito obras originais, nunca antes executadas ao vivo. “Música complicada”, concede. Durante três horas, é tempo de esclarecer dúvidas e corrigir imperfeições. São apenas quatro noites de trabalho, antes do concerto de sexta-feira, no Teatro Miguel Franco.
Desenhado para estimular a criação por autores já consagrados e artistas emergentes, o primeiro Festival Leiria Cidade Criativa da Música assinala o centenário do nascimento de José Saramago e inspira-se em poemas (e um conto) do Nobel da Literatura. Reúne 17 obras originais em estreia absoluta, de nomes como Mário Laginha e Anne Victorino de Almeida, incluindo seis compositores da região, que resultam de encomendas e de um concurso realizado também pela primeira vez.
A expectativa da equipa organizadora e do município é que se abram pontes para a internacionalização e que o projecto possa circular no estrangeiro, desde logo, em cidades da rede Unesco, a que Leiria pertence.
Depois do arranque no Teatro José Lúcio da Silva, ontem à noite, com o espectáculo A Maior Flor do Mundo, colaboração do Leirena Teatro com a cantora e compositora Surma, esta quinta-feira, 17 de Novembro, no Teatro Miguel Franco, o septeto jazz da Associação Jazz de Leiria e a cantora Rita Maria vão interpretar temas de Mário Laginha, Pedro Moreira, Bruno Santos, César Cardoso, Pedro Nobre e Paulo Santo, além de outros seleccionados através de concurso, da autoria de João Capinha e Diogo Santos. Amanhã, 18 de Novembro, ainda no Teatro Miguel Franco, a Associação de Filarmónicas do Concelho de Leiria, o maestro Nicholas Reed e a soprano Rita Marques levam a palco peças de música contemporânea escritas por Anne Victorino de Almeida, Carlos Azevedo, Carlos Brito Dias, Nuno Barradas, André Barros, João Santos e, qualificados por concurso, Nélson Jesus e David Teixeira da Silva.
O ensemble é constituído por 13 instrumentistas de sopros e percussão (Carolina Alves, Cristiana Moreira, Francisco Vieira, Gonçalo Pedrosa, Hugo Pedrosa, Miguel Alves, Miguel Meirieles, Nuno Mendes, Paulo Bernardino, Pedro Frazão, Pedro Pereira, Rogério Petinga e Sara Dias) e Nicholas Reed diz-se “muito feliz” por dirigir músicos de qualidade numa cidade “tão vibrante” e num Festival que considera “impressionante”.
“O diálogo entre países torna-se mais e mais importante a nível social e humano. Cada país tem a sua tradição musical e é excelente conhecermo-nos uns aos outros”, comenta o maestro residente em Friburgo. “As primeiras sessões são sempre entusiasmantes porque ambas as partes estão curiosas. Imediatamente nos entendemos”.
Nicholas Reed realça a importância de estrear “música nova” e “trabalhar com compositores que estão vivos”, entre eles, Carlos Brito Dias, pianista português há dez anos a viver e a estudar na Bélgica, que assistiu, no auditório da Junta de Freguesia do Arrabal, à primeira interpretação de sempre da obra que escreveu por convite da Leiria Cidade Criativa da Música Unesco. Um momento de partilha e a prova de fogo das ideias expressas na pauta.
“Adoro Saramago”, refere na conversa com o JORNAL DE LEIRIA. Conhecedor da produção literária do português Nobel da Literatura e detentor de um exemplar do livro Os Poemas Possíveis, Carlos Brito Dias escolheu “Diz tu por mim, silêncio”, em que, como leitor, identifica a “procura interior” dos instantes em que “faltam as palavras” e “se quer dizer muito e não se sabe como”. A peça manifesta “alguma inquietude”, a espelhar o ambiente do poema.
A música de Carlos Brito Dias vai ser tocada, entre outros, pelo percussionista Francisco Vieira, que salienta a “experiência incrível” de “estrear obras escritas especificamente” para o Festival, e logo com um maestro convidado, que traz “maior visibilidade” ao evento. Além de combinar o estado da arte em Portugal com a visão do resto do mundo, a semana de ensaios e a apresentação ao vivo permitem aos músicos evoluírem e, segundo o instrumentista da banda da SAMP, demonstra a capacidade do ensemble de sopros da Associação de Filarmónicas do Concelho de Leiria (AFCL) para “representar o país internacionalmente”.
É precisamente o nível “muito alto” dos músicos que leva o presidente da AFCL a dizer que Leiria “tem de começar a exportar”, também na área da música, enquanto desenvolve condições para “fixar talento”. Para Carlos Lopes, depois de sexta-feira, no Teatro Miguel Franco, o passo seguinte é “fazer circular” o espectáculo.
No primeiro Festival Leiria Cidade Criativa da Música, o município e a Leiria Cidade Criativa da Música Unesco quiseram remunerar novas criações e dar aos compositores do jazz e da música contemporânea a oportunidade (que não é demasiado frequente) de escreverem para fora da gaveta, até ao contacto com o palco e o público.
Ao compositores, foi dada liberdade para elegerem qualquer poema de José Saramago e o resultado é um conjunto em que nenhum título se repete: André Barros, “Fim e recomeço”; Anne Victorino de Almeida, “Não me peçam razões”; Carlos Azevedo, “A ti regresso, mar”; Carlos Brito Dias, “Diz tu por mim, silêncio”; João Santos, “Intimidade”; Nuno Barradas, “Labirinto”; Nelson Jesus, “Disseram que havia sol”; David Teixeira Silva, “Protocanção; Bruno Santos, “Alegria”; César Cardoso, “Nesta esquina do tempo”; Paulo Santo, “Quem diz tempo diz lugar”; Pedro Moreira, “Se não tenho outra voz”; Mário Laginha, “O caminho”; Pedro Nobre, “Dia não”; João Capinha, “Balança”; e Diogo Santos, “Posso?”