A Câmara da Marinha Grande é liderada pela primeira vez por um movimento independente. Que avaliação faz da governação do +MPM?
Ainda não se pode fazer uma avaliação objectiva, porque este executivo tem um ano. Segundo a opinião que o presidente deu há pouco tempo em entrevista, tem tentado reestruturar a Câmara da Marinha Grande, a sua orgânica. Agora depende dele. Ele é que sabe o quer e não tenho de comentar. De qualquer maneira, precisava de sentir um bocadinho mais o calor das decisões relativamente ao que é a nossa identidade. Hoje está a decorrer a Conferência Internacional do Vidro. O Ano Internacional do Vidro não terá tido a força que eu penso que se podia ter dado, podia ter sido um bocadinho mais aprofundado, nomeadamente com o recuperar de algumas relações que nós tivemos há 17 anos, quando saí da câmara. Perderam-se algumas relações e conhecimentos. Mesmo assim, penso que se fez alguma coisa de útil e de positivo.
Esta mudança traduz de alguma forma o enfraquecimento dos partidos políticos…
No meu entender, os partidos políticos é que dão nascimento aos movimentos independentes. Há uma atitude legítima de certas pessoas não gostarem de viver a vida partidária. Penso que com algumas razões, porque nem tudo é bonito na vida dos partidos políticos em Portugal. Portanto, aceito que haja cidadãos que queiram fazer de outra maneira. Penso que a passagem do PS pela câmara, depois de eu ter saído, tem culpas no cartório.
Como olha para a dinâmica do PS no concelho?
Na câmara, a seguir a mim veio o PCP e desses quatro anos de [LER_MAIS]interregno não me interessa falar. Mas a seguir veio o PS e não se recuperaram algumas ideias, alguns acções, alguns projectos que estavam na calha e que podiam ter sido recuperados, porque havia conhecimento, havia pessoas que podiam ter feito a ponte. Não o fizeram, penso que intencionalmente. No PS há uma coisa, que eu costumava chamar de guerra de galinheiro, que eu nunca pratiquei. Mas não era caso para desprezarem aquilo que o galo anterior fez.
Ainda assim, mantém-se militante.
Sou militante e serei. Eu sou aquilo que se chama um militante histórico. Não vou deixar o partido, mesmo que o partido me deixe a mim. Quanto às gerações mais jovens, não conheço. Vejo pela actividade que se fizeram asneiras. Uma delas foram as bienais. Para mim, era sagrado manter as bienais, que foram a menina dos olhos do pintor Fernando de Azevedo e do Rui Mário Gonçalves, que foi o maior crítico de arte português do século XX. Ele disse mais do que uma vez que as Bienais da Marinha Grande tinham de continuar e sobreviver para que se continuasse a abrir novos caminhos para a arte em Portugal.
Deixaram morrer?
Não. Mataram. Aquela que devia ter sido designada como a oitava Bienal da Marinha Grande, que foi a última, foi rebatizada de Bienal Internacional da Marinha Grande, não sei a que propósito. Fizeram uma bienal em homenagem a um pintor, entregaram a direcção da bienal a uma galeria de Lisboa, que esteve dentro da bienal a fazer negócios com produtos da sua própria galeria. Assassinaram a bienal.
E que olhar tem sobre a oposição da CDU?
Durante o tempo em que o PS esteve a presidir a câmara, eu conversei de vez em quando com uma vereadora da CDU. Gostava de conversar com ela e ela tinha algumas ideias relativamente àquilo que o PS não estava a fazer e que poderia ter feito. Neste momento, não tenho tido muitos contactos e não faço ideia de como as coisas estão a correr. Não tendo pelouros, são os únicos que têm objectivamente a obrigação de fazer oposição. Penso que as coisas não têm corrido muito mal e que o actual presidente tem tido uma vida relativamente pacífica. À parte da discussão à volta da mudança da estátua.
Que interpretação faz sobre o braço-de-ferro gerado à volta da deslocalização do monumento evocativo do 18 de Janeiro de 1934?
A mudança da estátua é um capricho que é muito comunista. Os comunistas, que são indivíduos que se auto-denominam revolucionários, é a agremiação mais conservadora deste País. Só aquilo que é comunista é que é bom e não há meio de mudar. A ideia dos comunistas, quando encomendaram e pagaram a estátua, foi pô-la no meio da praça. Mas as coisas evoluem. Tudo evolui na vida. E quando evolui no sentido de melhorar, as coisas devem pelo menos ser discutidas. Quando entregámos o projecto do parque ao arquitecto, ele na altura discutiu connosco e ficou logo a ideia de que aquela praça devia conviver com o parque que lhe é adjacente e que havia ali uma questão estética e até de convívio com a própria estátua. Discutiu- se com o autor da estátua e também ele disse que o ideal era retirarem a estátua e colocarem-na voltada para a praça. Se quem faz as comemorações do 18 de Janeiro pretende fazer desse dia um dia de pedagogia, o ideal é que a estátua esteja num sítio onde se possam juntar as pessoas, as crianças, os turistas. No meio da praça, não. O autor da estátua escreveu uma carta dirigida ao presidente de câmara, que na altura era eu. Não sei o que foi feito dessa carta, mas foi escrita. E ele dizia: “pretendo que a estátua seja mudada”. Portanto, respeitando direi-tos de autor e respeitando a ideia de que a estátua está a olhar para as montras de uma loja em vez da praça. Na Praça Rodrigues Lobo também meteram a estátua de Rodrigues Lobo a um canto e não no meio. A ideia de que retirar a estátua do meio da rotunda para a colocar na “meia-lua” é ofender a identidade dos marinhenses e a história do 18 de Janeiro, é uma ideia ridícula. Desde que foi inaugurada em 1934, quantos milhões de pessoas já andaram à volta da estátua do Marquês de Pombal? Quantos desses milhões sabem o que lá está na estátua? Está lá a história da industrialização do País. Tudo o que o Marquês de Pombal fez pela indústria e pelo desenvolvimento económico de Portugal está lá representado. Entre as várias figuras está lá um vidreiro a soprar vidro. Quantas pessoas já terão visto lá o vidreiro dos milhões que lá passam à volta? E da Marinha Grande pouca gente sabe que está lá um vidreiro.
Que situações acreditava que já estivessem resolvidas quase duas décadas depois de ter saído da câmara?
Houve um programa que foi aprova-do, um projecto com a parceria da câmara, da CCDR e do que na altura se chamaria a Direcção-Geral de Estradas. Éramos três parceiros e cada um comparticipava uma parte. Era a ligação da A8, na zona da Amieirinha, à Estrada Atlântica, na zona do Tremelgo. Só se faziam quatro ou cinco quilómetros de traçado novo e o resto seria alargamento da estrada que já existia. Isso retirava centenas de carros do centro da Marinha Grande. Retirar o trânsito tinha vantagens para os operadores das auto-estradas e para a Marinha Grande, que deixava de ter a quantidade de trânsito, que se sente bem no Verão. E outra vantagem. Nós éramos obrigados a aceitar a municipalização da estrada que liga Marinha Grande e São Pedro de Moel. Para nós, não era desvantajoso. Nós que é faríamos a gestão daquela estrada. Era melhor do que estar dependente da Infraestruturas de Portugal.
O Museu Nacional da Floresta foi formalmente constituído quando era presidente, mas também nunca saiu do papel…
A constituição do museu é um erro assumido pela Assembleia da República, que meteu o nariz onde não era chamada, por obra e graça de um deputado que era cabeça-de-lista do CDS pelo distrito de Leiria. Resolveu adiantar-se a toda a gente e demagogicamente meteu o projecto do museu da floresta com sede na Marinha Grande, mas espalhado pelo País inteiro. E não se fez, porque toda a gente embirrou com a coisa. Eu fiz algumas diligências. Houve um ano em que o Dia da Floresta, 21 de Março, estava a ser assinalado no Parque do Engenho. Havia grande acervo museológico à mostra, uma mostra bonita, com as antigas oficinas, as eiras, tudo a funcionar. Na altura, o director regional das Florestas veio a essas comemorações e abordou-me para lhe falar sobre os meus problemas. Um dos meus problemas era o alargamento da zona industrial, que não andava nem desandava.
Mas lá desandou…
Desandou muito pouco em relação aos compromissos que eles assumiram antes. E falei-lhe na construção do museu da floresta, que era tudo aquilo que ele tinha ali à sua volta. Também tínhamos ideia de recuperar o Comboio de Lata, que foi retirado de São Pedro de Moel, onde já estava a estragar-se. Já tínhamos feito contactos com um senhor que tinha trabalhado com aquele tipo de máquinas, eu tinha o orçamento para o recuperar, mas não podia fazer tudo. Quando chegou o dia de me vir embora, ficaram muitas coisas por fazer e uma delas foi essa. O museu da floresta tinha todo o sentido na Marinha Grande, podia ter sido dada continuidade e não se deu. Houve quatro anos de escuridão. Quando os meus colegas chegaram podiam ter aproveitado alguma luz do que restava dos 12 anos anteriores, mas não pegaram.
Foi também durante a sua presidência que se idealizou o projecto de um parque intermodal, que agora voltou à discussão.
O nosso projecto de criação de uma estação multimodal foi entregue na Direcção-Geral de Transportes. Era na zona do “Parque Mobil”. E havia outra coisa que se ia fazer, e que agora não vai ser feita neste projecto da actual câmara, que era um silo de estacionamento. Quando as pessoas ouvem a nossa ideia, dizem que se perdia estacionamento. Não se perdia. Recuperava-se, porque se fazia um silo elevado naquela zona. Iria ser feita uma gare com sete lugares em espinha, que dava para albergar sete autocarros debaixo de telha. E nesse edifício ficaria o escritório da rodoviária, zonas de bilheteira, salas de espera, casas-de-banho. Tudo isso estava previsto e foi entregue à Direcção-Geral dos Transportes Terrestres, com conhecimento da Rodoviária Nacional.
E o mercado municipal? A transferência para o Parque Municipal de Exposições resolveu o problema?
O mercado é uma questão que me dói muito. Quando comprámos a propriedade da antiga fábrica de cerâmica, onde está o Centro Comer-cial Cristal Atrium, a câmara aprovou a compra com o objectivo de ali instalar o mercado municipal. Foi feito segundo moldes modernos, um mercado para todos os dias, uma espécie de multiloja.
Houve aproveitamento político do mercado?
Houve aproveitamento político e muita negação no abstrato. Muita gente que disse que não, sem o conhecer. Um dos argumentos levantados era a entrada para o estacionamento, porque só entrava um camião de cada vez. Então e não conhecem uma coisa que são os semáforos automáticos? Isso existe em todo o lado. Agora, escangalharam aquilo e deram aos notariados. Os notariados, por nós, estavam previstos ficar no Edifício da Resinagem, que tem lá espaço para eles. Ainda lá está. Um elefante branco, que não foi ocupado.
E o recurso ao Parque Municipal de Exposições?
É a cereja em cima do bolo. Não só rejeitaram uma coisa que existia, feita com essa finalidade, como foram conspurcar um espaço que tinha sido feito para outra coisa. Há muitos marinhenses que dizem “para que foi aquela obra, que não serve para nada”. Pois não, se não fizerem lá nada. No meu tempo serviu para muita coisa. E havia uma oposição que dizia que se gastou muito dinheiro. Mas o que ali estava antes das obras era um nojo. Naquele atrium, até o mobiliário era de Siza Vieira. Foram dados passos para dar qualidade àquele espaço expositivo, onde se guardou a ruína de um forno para ficar para a história, onde houve espectáculos de música, conferências, semanas de educação, bienais, salões do vidro. Agora serve para mercado, mas está muito mal.
Esteve presente na Conferência Internacional do Vidro, onde ouviu o professor Jorge Custódio falar sobre o património industrial da Marinha Grande. Do seu ponto de vista, que utilização deve ser dada às antigas instalações da FEIS?
Há uma utilização que não deve ser dada e que o próprio professor referiu. Estão a fazer um restaurante ali atrás. Aproveitar as ruínas, não lhes mexer e pôr lá uma espécie de postiço, para fazer um restaurante colado à biblioteca, é uma vergonha. Há muitos restaurantes aqui à volta, a Marinha Grande não precisava de um ali. Podia haver um espaço qualquer de café, noutro sítio, e não com aquele volume. De resto, as ideias que o professor Jorge Custódio tem para a manutenção e para o desenvolvimento deste espaço, são aquilo que eu penso. É manter isto ligado à actividade museológica, ao ensino, nomeadamente tudo o que possa recuperar para a vida actual a indústria e a história vidreira. Uma escola de design ou algo desse tipo. Até o próprio museu vivo, que fazia parte do programa do Museu do Vidro, deixaram-no instalar do outro lado da estrada. Está lá o mestre Poeiras a fazer vidro, mas não tem relação física com o espaço do museu. Na altura, houve até algum atrito entre mim e o professor Jorge Custódio, quando ele tentou opor-se com alguma objectividade à construção do arquivo. Mas penso que nós não cometemos nenhum crime ao fazer ali aquele arquivo, feito com a ideia de recuperar materiais historicamente marinhenses, como o tijolo de burro, e nessa altura recuperámos também a chaminé. O património Stephens foi-nos dado não como obrigação testamentária, mas também como prémio pelo que estávamos a fazer. Tínhamos o património em regime de comodato e o Estado, no tempo de António Guterres, entendeu que aquilo que estávamos a fazer merecia um prémio. A Marinha Grande merecia um prémio.
E sobre o futuro empresarial do concelho, estão criadas as condições para que a indústria continue a crescer?
Estou agora mais desligado disso, mas há coisas que me ferem. Quando desenvolvemos a nossa actividade, tivemos alguns projectos internacionais e um deles foi o Pacto Territorial para o Emprego, que previa desencadear algumas actividades e acções no campo industrial. Entre outras coisas que faziam parte desse projecto, existia também a Open, a incubadora de empresas. Os projectos foram desenvolvidos por nossa iniciativa, entregues ao arquitecto Vasco Macedo, para haver harmonia na arquitectura entre os edifícios, e foi também criado um centro de formação de vidreiros, que se chamou Crisform. Para meu grande espanto, em 2012 o Crisform desapareceu. De repente aquilo passou a ser o Cencal. Porquê? Isso é que é um aleijão à dignidade da Marinha Grande. Tirarem o nome de Crisform e meterem outra coisa que tem a ver com a cerâmica.
Álvaro Órfão nasceu há 83 anos na Marinha Grande e foi enfermeiro. Estava a fazer uma especialização em enfermagem no trabalho, em Espanha, quando foi convidado por Mário Soares a integrar a comissão nacional na lista dele. Tinham-se conhecido num comício, na Marinha Grande. Álvaro Órfão foi então membro da primeira comissão directiva do PS e membro da comissão nacional, foi escolhido para candidato à Constituinte pelo distrito de Leiria. Integrou a comissão instaladora do Instituto da Segurança Social, mas pediu demissão e foi trabalhar como enfermeiro na Suíça, onde viveu 14 anos. De regresso à Marinha Grande, ganhou a câmara, que presidiu entre 1993 e 2005, pelo PS. Mais recentemente foi apoiante de Costa, aquando das eleições disputadas contra Seguro. Hoje, face aos últimos episódios vividos no PS, no plano nacional, confidencia, “é melhor não ver. Faço de conta que não vejo”.