As lesões no surf são frequentes e são mais graves, quando se fala de big wave riders, como os que desafiam a “onda gigante da Nazaré”.
Quando isso acontece, são as mãos sábias de fisioterapeutas como Hugo Lauro quem trata da saúde a estes surfistas. O especialista compara as lesões do big wave surfing às vistas no judo.
“Em termos de preparação física, é muito parecido, pois também mobiliza todo o corpo e obriga a muita exigência nos membros inferiores, tronco e membros superiores. Um judoca também dá muitas quedas por projecção, com lesões lombares e de ombros. No surf, vemos coisas semelhantes na cervical devido às quedas na água e à remada. Uma onda grande tem muitas toneladas de água e a queda é como se fosse em cima de cimento.”
Hugo é o guardião do bem-estar musculoesquelético dos atletas da equipa Red Bull Justine Dupont e Lucas Chumbo, de Dino Carmo, praticante de bodyboard e de jet ski, e ainda do recordista dos prémios XXL EDP pela Maior Onda Remada, Tony Laureano. Laureano “cavalgou” uma muralha de água que teria 30,9 metros, a altura equivalente a um prédio de dez andares… com ainda 90 centímetros de sobra.
Com tal altura as consequências de “um malho” são óbvias.
[LER_MAIS]Há alguns anos, a francesa Justine Dupont, especialista em big wave surfing, deixou Bordéus e escolheu a Nazaré para residir, embora continue a participar em campeonatos.
Foi Hugo, na High Performance Clinic (HP), uma das valências do ginásio High Performance, de Leiria, quem a ajudou a ultrapassar as mazelas causadas por uma queda, no ano passado, durante o Challenge da Nazaré, onde partiu o pé direito.
Com 31 anos, venceu, em 2022, duas categorias dos prémios anuais de ondas gigantes da Liga Mundial de Surf (WSL); a melhor onda do ano e a maior em tow in. Na HP, o trabalho preventivo é global, visando as zonas do corpo mais solicitadas em cima de uma prancha – joelhos, pernas, lombar, pescoço ou braços e ombros para remar.
A atleta passou os últimos meses de Setembro, Outubro e Novembro a preparar-se intensamente para a temporada no canhão da Nazaré, que agora decorre.
“O surf, em especial o de ondas grandes, é exigente para o corpo mas também para a cabeça… uso sempre capacete e colete”, brinca Justine, sublinhando a necessidade de manter a mente forte e sã.
“É como um músculo! É preciso exercitá-la!”
O papel do fisioterapeuta, que também é surfista e amante da comunhão com o mar, é igualmente importante porque aconselha os atletas a parar, quando tal se mostra necessário.
“Há momentos onde temos de ouvir aquilo que o corpo nos diz. E se ele diz que é tempo de descansar, é mesmo tempo de o fazer. Não há volta a dar”, reforça Hugo Lauro. Foi Dino Carmo, primeiro paciente de Hugo na HP Clinic, quem levou Tony Laureano de 20 anos, às mãos do fisioterapeuta.
“Venho cá quando tenho queixas musculares, ou seja, todas as semanas. As ondas deixam marcas no corpo. As ondas da Nazaré exigem uma preparação física do outro mundo.”
Foi o pai, Ramon, quem o apresentou às ondas grandes, quando tinha apenas 12 anos.
Foi uma caminhada por etapas até ao salto final para a crista de uma onda gigante. A primeira vez que o fez, foi há dois anos. O sucesso veio logo de seguida e, com apenas 18 anos, na edição de 2020 dos Prémios XXL EDP Mar Sem Fim, Laureano tornou-se, até ao momento, no atleta mais jovem de sempre a vencer o Prémio Maior Onda Remada, em cima de uma “bomba” com 30,9 metros, segundo a FHM, que a mediu.
Natural da Praia Grande, Sintra, e radicado na Nazaré, desde há cinco anos, representa a Yuki Brand, a Polen Surf Boards e a Fonte Viva, encontrando-se a recuperar de uma manobra que lhe provocou uma lesão parcial dos ligamentos no joelho.
“Está há um mês a recuperar connosco e vem duas vezes por semana. Já está na fase final e quase pronto. Na próxima semana, poderá voltar para a água”, prevê Hugo Lauro, salientando que uma lesão, embora seja um episódio negativo, serve para reflectir naquilo que está mal e é preciso mudar.
Dino Carmo, 30 anos, cresceu na Nazaré e, quando chegava o Inverno, a mãe e o avô escondiam-lhe o equipamento para que não se aventurasse nas ondas.
A praia era como se fosse a praça central da vila, onde os miúdos se juntavam para jogar à bola e experimentar a vertigem das ondas.
“Os pais sabiam que estávamos lá e estavam tranquilos.” “O meu desporto é o bodyboard e sinto muito impacto nos ombros e nas costas, durante as manobras. Tal como o surf, também sofremos com a remada, pois estamos sempre nessa posição, nunca nos pomos de pé e podemos descansar.”
A mais grave lesão pela qual teve de recorrer aos cuidados de Hugo, sofreu-a no Chile, quando ficou com um pé preso num buraco de uma rocha e o corpo rodou sobre o joelho. Hugo tratou dele durante quase três meses. Um ferimento semelhante voltaria a acontecer no outro joelho e foram as mãos do fisioterapeuta que lhe valeram. “Ele tem as costas mais rijas que se pode tratar! Transpiramos!”, confidencia João Paraíso, estudante de Medicina e fisioterapeuta na HP.
A primeira prova onde participou, com 17 anos, foi oNazaré Special Edition, ainda antes de Garrett McNamara ter conhecido a onda gigante da Praia do Norte. A mãe teve de assinar uma autorização para que participasse. Ficou em antepenúltimo lugar.
“Foi um dos maiores dias que tinha surfado. Aprendi muito nesse dia. Ficar naquele lugar, deixou-me um amargo na boca, por estar a competir em casa.” Começou aventurar-se quando o mar estava maior e ganhou confiança.
Dois anos depois, quando a prova regressou, chegou à final. Sentiu que tinha sido feita justiça.
“Aqui é a minha segunda casa”
“Aqui é a minha segunda casa”, brinca. “Passo o dia no mar, treino o mais possível, durante todas as estações do ano. Quando fico muito tempo sem ir ao mar, faço apenas tratamento para a manutenção da forma física. Quando não há ondas, treino no ginásio três vezes por semana. O meu corpo ficou muito mais forte”, afirma.
“Este ano, quero ver se consigo uma grande onda. Na semana passada, no Havai, por pouco não apanhei uma perfeita. Mas, mais importante, é a segurança. Os meus patrocinadores não me fazem pressão, eu é que quero fazer sempre melhor.”