Quando em 2014, pela primeira vez, A Porta se abriu no centro histórico de Leiria, Miguel Ferraz, então com 22 anos e a estudar em Lisboa, “nem sequer sabia da existência” do projecto, que só começou a acompanhar mais tarde. Hoje, é ele, a par com Mariana Lois, que lidera a equipa responsável por programar e produzir o festival.
A passagem de testemunho acontece sem se perder a essência: comunidade e pensamento do espaço público. “Não ser um festival ocupa, que chega, monta e vai embora”. Pelo contrário, ser “um festival onde cabe toda a gente”, que procura o “diálogo”, “de todos para todos”.
A nova geração no comando do colectivo que organiza A Porta constitui um exemplo raro, em Leiria, de novos protagonistas que asseguram a continuidade, na sequência de uma transição gradual acelerada em 2022 com a saída do director artístico Gui Garrido, actualmente responsável pelo Nascentes, na aldeia de Fontes, também no concelho de Leiria, e de António Pedro Lopes, entretanto envolvido na candidatura de Ponta Delgada a Capital Europeia da Cultura, funções que manteve até ao último mês de Abril.
Pelo meio, no ano passado, a coordenação de João Rino garantiu a ponte entre lideranças.
“Logo na primeira edição compreendeu-se que ia ser especial”, comenta Mariana Lois, 27 anos, que se juntou à Porta como voluntária, ainda adolescente.
Nos bastidores de 2023, com vários elementos da equipa na faixa etária dos 20 e dos 30, alguns temas ganham ainda maior relevância: a acessibilidade, a presença do movimento LGBTQIA+ e a sustentabilidade, em parceria com os SMAS e, o que é inédito, com o grupo Music Declares Emergency, que trabalha para reduzir o impacto das actividades da cultura e do entretenimento no ambiente.
“São questões pertinentes e de futuro”, assinala. “Mesmo o programa musical reflecte essa diferença”. Palco para artistas locais – “que nós achamos que vão ser a nova geração de músicos de Leiria” – e sonoridades que espelham uma estratégia: “pensar o que normalmente não viria a Leiria”. Por exemplo, em 2022, Titica. “Foi incrível. Trouxe um público que se calhar não conhecia o festival”.
Início a 11 de Junho
A um mês do arranque, o objectivo é “voltar à essência do festival” e “estar na rua”, avança Miguel Ferraz, com a Rua Direita, onde A Porta, em 2014, originalmente se manifestou, de novo como cenário principal. O público está convidado para a missão prioritária de 2023, denominada “A rua que se quer”.
“Temos andado muito na rua, a ouvir a vontade de comerciantes, e não só”, para que partilhem “o que esperam que aquela rua um dia possa ser”, explica Miguel Ferraz . “Uma recolha que calmamente e lentamente temos feito no terreno”. Opinião recorrente é que “o trânsito não faz sentido ali”. Ou, “existindo, pode haver regras”, para favorecer os peões e o comércio, logo, gerar mais economia. “Vamos a outra cidade e o que acontece na Rua Direita não existe”. Daí o mote, com debate aberto durante o festival. “O nosso foco passou a ser a rua”, conclui. “Todos juntos, pensarmos que rua é que queremos”.
Além de “perceber vontades”, A Porta “também pretende ter acção política”. Quer tornar a Rua Direita um lugar para se estar, observar e reflectir e revelar o que se esconde nas ruelas em redor, onde bate o coração de Leiria. Com intervenções permanentes e outras, temporárias, que pretendem mostrar novas possibilidades e perspectivas. E quatro super heróis: Palhas e Esfregona e os novos agentes secretos, Luvas e Fitas.
No mesmo espírito, está previsto o envolvimento de moradores e frequentadores do centro histórico em acções de limpeza e preparação. “É importante que estejamos juntos”, diz Miguel Ferraz. Que as pessoas “sintam que o festival é delas” e “abrir-lhes as portas a participar”.
Regresso à Vala Real
Em 2023, não deverá existir a habitual Casa Plástica, para as artes visuais, que no ano passado se acomodou na antiga Pousada de Juventude de Leiria e, em edições anteriores, por exemplo, nas ex-instalações da EDP na Ponte Hintze Ribeiro. “Este ano esse edifício não surgiu”, confirma Miguel Ferraz. “Não encontrámos um espaço indicado para receber a Casa Plástica”.
Na oitava edição, no último dia, A Porta vai trocar o tradicional domingo no Parque do Avião pelo Jardim da Vala Real, com a Portinha e as 1001 Portas, numa jornada vocacionada para famílias e crianças.
No Centro Cívico, deixam de acontecer concertos e passa a encontrar- se uma zona lounge. Por outro lado, na Rua Direita, “de domingo a sábado”, em cada dia haverá alguma iniciativa.
“O nosso objectivo este ano”, realça Miguel Ferraz, “foi convidar pessoas que de alguma forma já participaram no festival” para “que possam ser os artistas desta rua” e gerar “impacto positivo”.
Primeiras confirmações
Entre 11 e 18 de Junho, estão anunciados concertos de Cave Story e Unsafe Space Garden. Outras actuações já divulgadas incluem A Sul, equinocio, nëss, bbb hairdryer, Femme Falafel, Soluna, Cookie Jane e DJ Set O Baile Todo b2b Alex D’Alva.
Num programa com música, instalações, jantares temáticos e performances, a Feira Bandida realiza-se a 17 e 18 de Junho nas transversais da Rua Direita e no Jardim da Vala Real.
Ainda com outras propostas por revelar, o desafio da equipa que dirige A Porta é o mesmo da primeira hora: encorajar a criação artística e a participação cívica, em todas as idades.