Como foi que surgiu a sua paixão pelo ambiente?
Como foi que se começou a interessar pelo mundo natural que o rodeia? Fui sempre muito interessado pelo ambiente e em perceber por que razão certas coisas aconteciam com os animais. Porque é que os coelhos estão a deixar de existir? Porque se fazem batidas às raposas, porque apareceram animais exóticos em Portugal? O meu foco foi sempre entender. Depois fui, gradualmente, passando de espectro em espectro. Primeiro, comecei pelos animais; as aves que estão mais perto e são mais fáceis de observar, depois, os predadores maiores, que são mais visíveis. A seguir, apareceram as borboletas, porque um dia estava a tirar uma fotografia a um pássaro e passou “aquela” borboleta especial… e até que se encontra um insecto ainda mais brilhante. São coisas sucessivas que se vão embrulhando até chegar à ecologia. São coisas que me levaram durante anos até chegar a este conhecimento.
O facto de ser de Pombal ajudou?
Eu não sou de Pombal. Vivo no concelho há 25 anos, mas sou natural do Baixo Mondego e as diferenças são muito grandes, em especial, na avifauna. Junto ao Mondego, temos uma série de aves limícolas que não existem aqui, e isso foi uma das coisas que, quando vim para Pombal, me fazia confusão. Ainda hoje, quando quero ver determinadas aves, vou à Figueira da Foz, vou à Morraceira ou a Montemor. Naquela zona, proporcionalmente, existem muito mais aves, mesmo assim, Pombal tem coisas muito mais bonitas… e outras que não são tão bonitas. Por exemplo, a fl?ora da zona da Sicó Atlântica é deslumbrante. Dá-se um pontapé e encontramos uma espécie rara ou excepcionalmente bonita. São caso disso as orquídeas que existem por todo o lado no Bioparque de Pombal, ou então, basta dar duas voltas na Sicó e encontramos quatro ou cinco espécies de orquídeas. Mas também há coisas muito feias. É o caso da monocultura de eucalipto em tudo quanto é sítio e mesmo perto de aglomerados populacionais.
“Sou muito mais do equilíbrio do que do radicalismo”
Emanuel Rocha tem 45 anos, nasceu na Figueira da Foz, mas foi viver para Granja do Ulmeiro, também conhecida por “estação de Alfarelos”.
Após terminar o secundário, mudou-se para Pombal. Hoje é técnico de telecomunicações, ligado à área alimentar, onde faz controlo metrológico em áreas de conservação de produtos perecíveis, como carne e peixe.
“Sou entusiasta das aves e sou mais observador do que fotógrafo, mas, às vezes, lá sai uma coisa engraçada. A fotografia também foi o que me espoletou a curiosidade pelo ambiente. Sou um cidadão preocupado com o que se passa à minha volta. Não me considero um ambientalista, sou um ecologista. Sou muito mais do equilíbrio do que do radicalismo. Sou uma pessoa que não gosta de se pôr em bicos dos pés e que gosta de olhar para as coisas e saber de onde venho, antes de questionar. Acho que, hoje, as pessoas confrontam tudo e mais alguma coisa só porque sim. Sou um pai interessado, que se importa e gosta de acompanhar os filhos. Basicamente, sou um homem de família tranquilo.”
Na Serra de Sicó pode encontrar-se uma paisagem em mosaico, com carvalhos, sobreiros, medronheiros, prados, olivais, agricultura e até eucalipto.
Sim. Aí não há tanto eucaliptal. É uma zona que ainda não tem a protecção que deveria. Já teve muitos recuos e avanços. Já esteve para ser a Área Protegida de Sicó, agora desistiram e vai passar a ser um geoparque, no entanto, ninguém sabe bem em que termos e quais os meios. São apenas ideias. Andamos sempre nesta coisa de alguém dizer “vamos fazer assim”, depois vem outro e diz que não. Que será de outra forma.
O grande fogo do ano passado na Serra de Sicó irá abrir a porta a ainda mais monocultura?
Acho que não. Primeiro, tem de haver um trabalho para explicar às pessoas o rendimento ou a falta dele no eucalipto. Actualmente, tudo é para hoje, queremos as coisas com muita velocidade e o mais rápido possível, com o maior lucro possível. E não pensamos a longo prazo e enquanto não explicarmos às pessoas que esse longo prazo é mais rentável do que o curto prazo, elas vão continuar a seguir a opção mais fácil de rentabilizar. Isto é evidente em todo o Pinhal Interior. Se passarmos agora em Figueiró dos Vinhos, está tudo exactamente como estava em 2017, porque aquilo não é rentável, porque lá puseram eucalipto. A questão do Pinhal Interior tem muito que ver com a rentabilidade da floresta. Se ao menos tivéssemos lá plantado, como os franceses fizeram no seu país, carvalho robur, carvalho alvarinho, azinheira ou cerejeira, madeiras nobres que, em 60 a 70 anos, têm um valor absolutamente exponencial em relação ao eucalipto. O eucalipto, em dez anos, dá-nos pouco mais de 30 euros a tonelada, mas, neste momento, apenas um metro cúbico de carvalho para mobiliário está acima dos quatro mil euros. A diferença é que o eucalipto dá, por exemplo, em dez anos no primeiro corte, 1500 euros, e o carvalho precisa de 60 anos para dar lucro.
Quer dizer que, numa exploração de carvalho ou madeiras nobres, se for bem estruturada, de modo a permitir um corte a cada dez anos e nova replantação, a mais-valia é excepcionalmente elevada em comparação com a do eucalipto?
Exactamente! Ou seja, a rentabilidade a 60 anos é quase dez vezes maior do que uma plantação de eucalipto, com o mesmo tempo. O problema é que o eucalipto tem rentabilidade quase imediata, embora pequena. No entanto, aquilo que os proprietários recebem dilui-se no dia-a-dia. Isto é, a primeira rotação dá 1500 euros, a segunda mais 1500, a seguinte outra vez 1500 e, no final, é preciso gastar cinco ou seis mil euros para arrancar as raízes, remover as árvores velhas e resíduos florestais e voltar a fazer replantação. O que aconteceu no Pinhal Interior, foi exactamente isso: o que se plantou nos anos 70 e início de 80, neste momento não tem rentabilidade, porque é preciso novo investimento.
É preciso arrancar?
Ou então aquilo fica ao abandono e pode lá passar o fogo a cada dez anos porque nesse período cria-se combustível suficiente para arder. O eucalipto não precisa sequer que se intervenha, pois ele recupera rapidamente após o fogo. O eucalipto é um problema que tem muito a ver com a falta de explicação e de informação às pessoas de que aquilo é rentável, mas pouco.
Há especialistas que dizem que o problema é não apenas económico, mas também ambiental. É uma espécie que promove, progressivamente, o empobrecimento e desertificação do solo e o desaparecimento dos aquíferos. Economicamente, há regiões onde as plantações arderam tantas vezes que nunca se tirou qualquer rentabilidade nos 30 anos.
[LER_MAIS]É verdade. O eucalipto tem as características que todos conhecemos. É uma espécie de crescimento rápido como o choupo, que tem algumas restrições junto a linhas de água, tal como eucalipto, porque tem também a particularidade de crescer de forma muito rápida consumindo muita água. Quanto mais água consumir, mais depressa cresce. Já as culturas de carvalhos e de outros quercus, como os sobreiros e azinheiras, acabam por criar um coberto vegetal, pois são plantas de folha perene e o manto que fica no solo, por baixo das folhas é uma plantação de água, uma esponja que vai absorvendo água.
Nas zonas onde existe floresta autóctone é menos provável que as linhas da água estejam secas. Porque esta funciona como uma esponja que vai libertando a água ao longo do ano. Nas zonas onde essa floresta não existe, a água corre directamente para os ribeiros e depois para o mar, potenciando e agravando as secas?
A maior parte das pessoas, e isto é uma questão que vai até ao Governo, não sabe que há rios que não vemos. Só nos preocupamos com aquilo que vemos. Olhar para o rio Arunca e ver que ele, em Maio, já tem o caudal que deveria ter apenas em Agosto é algo que nos preocupa a todos. Mas perceber que as nascentes do rio estão secas, já não preocupa ninguém porque o que lá está debaixo da terra não vemos e não nos preocupamos, porque queremos continuar a criar eucaliptal e outras culturas. Queremos regar, sem controlo, grandes quantidades de espaços agrícolas com furos artesianos que tiram milhares e milhares e milhares de litros água que não vemos. A taxa de recursos hídricos custa 80 euros e depois pode-se gastar água à vontade. Isto tem de preocupar as autoridades.
Falta, provavelmente, trabalho pedagógico. O agricultor que faz isso, se calhar, não entende a razão de pagar uma taxa. Até deve acreditar que a água é, como o ar, e não tem dono.
É um bem-comum. É de todos nós e é precisamente por ser de todos é que a água deve ser poupada. A ideia de que, se é de todos é meu, tem de ser vista de uma forma civilizada. Deveria ser: “a água é de todos e não é só minha!”.
Se o território for bem a administrado e organizado, se as espécies florestais mais indicadas forem colocadas nos sítios certos produzirão mais-valias de ganhos superiores e um ambiente melhor?
Temos o exemplo dos franceses que são muito bons nestas coisas. As pipas, a tanoaria feita para os brandies e whiskies é toda feita de carvalho vermelho francês. Os produtores têm esta tradição: o whisky para ser bom tem de ser envelhecido naquele carvalho especial até pela coloração que depois ele transmite à bebida. Nos últimos anos, contudo, no sul de França, houve a ideia pioneira de começar a plantar eucaliptos e, no ano passado, tivemos a França com problemas muito graves e incêndios dantescos. Não temos de inventar nada na natureza. As coisas estão inventadas e o equilíbrio foi feito em milhões de anos, nós é que tentamos desequilibrar a natureza para retirar daí lucro fácil e imediato. Este ano, em Portugal, na preparação da época de incêndios e não estou a falar ainda do combate, temos um investimento, em meios e na preparação, de 63 milhões de euros. Se traduzíssemos isso em eucalipto, seria muito eucalipto. São contas que têm de ser feitas!
Como foi que Os Amigos do Arunca apareceram na sua vida?
Os Amigos que não são sequer uma associação, são um movimento de pessoas e nós somos amigos e temos mais um amigo que é o rio Arunca. O grupo criou-se porque havia pessoas em Pombal que se estavam a organizar para que se fizesse alguma pressão política para que as coisas mudassem no concelho em relação ao rio. Na semana em que estavam a decorrer algumas conversas, vi uma publicação no Facebook da Graça Lopes, que é, hoje, um dos membros do grupo. Ela tinha encontrado no espaço de uma semana, duas lontras mortas no rio. Vi aquilo e, como até tenho alguma proximidade com a GNR, reportei o caso. Perguntei à Graça, que eu não conhecia, onde é que tinha sido e onde tinha deixado a lontra. Ela já estava no grupo que acabaria por se tornar nos Amigos do Arunca e sugeriu que me convidassem. Era um grupo de Facebook e eu não conhecia praticamente ninguém. Eram pessoas que se interessavam pelo ambiente, algumas até com ligações políticas e começámos a conversar. No princípio, tive muitas dúvidas se isto tinha pernas para andar. Parecia-me que, assim que houvesse eleições, se desvaneceria. Depois, percebi que, tal como eu que não tenho partido político assumido, há a Lucília Ribeiro e outros, que tinham realmente boas intenções e, para lá do combate político, havia mesmo ali condições para isto funcionar. Pelo meio, meteu-se a Covid-19 e houve muita disponibilidade de tempo para criar documentos e produzir projectos. No grupo, há pessoas com muitos conhecimentos em determinadas áreas. Especialmente na flora, temos lá duas ou três pessoas que são muito boas e conseguem identicar muita coisa. Eu comecei a escrever textos a fazer as publicações e pronto…
Os Amigos do Arunca continua a ser um grupo informal com pessoas com responsabilidade transversal?
Não temos presidente, não temos secretário, não temos tesoureiro, não temos nada. Temos amigos. E também é democrático, porque temos o Miguel Martins, que foi candidato à junta pelo CDS-PP, temos o Rui Pinhão, que faz parte dos órgãos sociais do PS. Temos a Célia Cavalheiro, que foi candidata à Assembleia Municipal pelo Bloco de Esquerda. É um grupo sem grande “administração”, mas que consegue cumprir sempre as suas obrigações. Quando assumimos um compromisso com uma escola, há sempre alguém que consegue trocar um turno ou tirar um dia de férias.
O que fazem nas escolas?
No ano passado, começámos um projecto que já esteve em sete ou oito escolas, a falar sobre as espécies invasoras. Ensinamos os meninos a perceberem o que é nosso, o que não é e como cá veio ter. Que impactos essas invasoras têm em nós, nos animais e nas outras plantas autóctones. Ajudamo-los a identicar e a marcar essas espécies em algumas plataformas como a inaturalist.org ou a invasoras.pt, e nalgumas escolas também já criaram projectos de inaturalist, onde fazem a sua identfiicação num projecto próprio e, no final do ano, fazem um caderninho com todas as que encontraram. No ano seguinte, a mesma professora que vai ter outra turma ou a mesma turma conseguem saber se o que tinham do ano passado nessa lista aumentou ou diminuiu. Já fizemos outras acções com empresas, por exemplo, com a PMU Gest fizemos uma formação com todos os funcionários sobre as linhas da água e as asneiras que se fazem na limpeza dessas linhas de água. Porque, muitas vezes, os cadernos de encargos municípios dizem apenas: “Limpe-se! Limpe-se de qualquer forma!”. Nós tentamos explicar que há coisas que, se andarmos a limpar na altura errada, não sabemos que elas existem. O Bioparque de Pombal é um bom exemplo disso. Só sabemos que temos orquídeas aqui, porque o parque não foi limpo em Abril ou Maio. Não conseguíamos perceber que há, no espaço, muitas orquídeas. Pedimos para não cortarem nada porque nós tínhamos tido aqui imensas descobertas anormais. Por exemplo, há aqui Arnica Montana e ninguém fazia ideia… uma planta raríssima usada na dermatologia.
Qual foi o papel dos Amigos do Arunca na criação do Bioparque de Pombal?
Foi mais um acaso, mas os acasos acontecem, porque as pessoas também se dedicam às coisas. No meio de umas fotografias de algumas plantas que havia lá, encontrámos plantas carnívoras. Despertou logo um alerta e um biólogo foi lá connosco. Quando chegou, disse, “não fazem ideia do que aqui está. Isto é um biótipo brutal para fazermos aqui um centro de educação ambiental. Está cá tudo. Têm aqui tudo o que há numa turfeira do Sul da Europa!” Está tudo concentrado naquele cantinho. Depois, começou-se a mapear, e, em cada canto, há sempre coisas interessantes.
Também houve apoio do poder local.
Já tive mais essa ideia do que agora. Um dos aspectos que fez com que houvesse uma forte dedicação dos Amigos do Arunca foi termos a ideia de que, com a chegada do Pedro Pimpão e da sua equipa à autarquia, haveria uma viragem para estas questões. O Pedro foi impulsionador de muito do que fizemos. Teve um papel importante na motivação. Criou-nos a expectativa de que íamos conseguir fazer coisas bem feitas. Passados dois anos e pouco, tenho já muitas dúvidas. Dá-me ideia de que o Município de Pombal entrou, na área ambiental, num processo de autogestão e nada anda para a frente, nada se faz, nada se decide. Não estou a falar das outras áreas. Afinal, o “Pombal verde e mais sustentável”, com mais bem-estar é bonito, mas era na campanha política. Não temos reunido com o município, como gostávamos e quando reunimos é sempre a correr. Não há nenhum projecto capaz, pronto a iniciar. O PERLA-Plano Estratégico de Reabilitação de Linhas de Água não está implementado e penso que só está preparado o caderno de encargos. Leiria apresentou, há um mês, 400 quilómetros de linhas de água para reabilitar, mas Pombal ainda não o tem feito e vai agora para caderno de encargos. Ou seja, não têm ninguém no município para o fazer e vai-se contratar alguém e, como sabemos, com a contratação pública vai demorar imenso tempo e provavelmente vamos chegar ao fim deste mandato, sem o PERLA. É um projecto que era de charneira. Quanto ao Bioparque, entregámos uma série de projectos ao município e alguns até com estrutura preparada para que se faça a classi?cação deste espaço, pois vai haver uma revisão do PDM e nem como jardim ele está classificado… Está como uma “área florestal”. Portanto, o município tem este espaço há vários anos e ainda nem sequer está na revisão do PDM. Na próxima revisão do PDM, vai manter-se como área florestal. O Bioparque só pode ser candidato à Rede Nacional de Áreas Protegidas (RNAP)/ICNF quando o município o classificar como área de protecção de especial…. a denominação não é importante, pode ser qualquer coisa! Estando na RENAP, há uma série de financiamentos e uma série de coisas que se poderiam fazer. Poderia ser um centro de sensibilização ambiental fantástico, porque a infra-estrutura está feita. Está tudo criado! Faltam umas correcções, aqui e ali, ou uns arruamentos. No município, sei que há técnicos que são muito capazes, têm muito conhecimento, têm muita vontade, mas não sei se é um problema político, de estrutura ou se implica outros departamentos que não estão sensíveis a estas coisas.