Um homem acusado de 16 crimes de violação agravados, dois consumados e 14 tentados, e de um crime de violência doméstica agravado foi ontem absolvido pelo Tribunal Judicial de Leiria, que considerou existir uma “dúvida insanável”.
O presidente do colectivo de juízes afirmou que o tribunal considerou totalmente improcedente o despacho de acusação, assim como o pedido de indemnização contra o arguido, de 74 anos.
Ao conhecer a absolvição, o arguido afirmou que “Deus fez justiça”.
O tribunal deu como provado que, no início de 2020, a alegada vítima, a residir no estrangeiro, conheceu o arguido através da rede social Facebook e, à medida que o tempo foi passando, ganharam mais confiança, pelo que cerca de três ou quatro meses depois iniciaram um relacionamento de namoro.
Passados alguns meses, acordaram que ela viria para Portugal, disponibilizando-se o arguido a pagar a respectiva passagem aérea.
Em Novembro de 2021, em Leiria, “passaram os dois a viver juntos, embora dormissem em quartos separados”, a pedido da mulher.
Um mês depois, ambos discutiram e o arguido terá dito àquela que era “uma golpista”.
O arguido tornou a chamá-la de “golpista” noutra ocasião, quando a abordou em Leiria, exigindo ainda que lhe devolvesse o dinheiro da viagem, o que aquela disse que faria.
Em Março de 2022, a alegada vítima regressou a casa do arguido.
No 12 de Abril do mesmo ano, a patroa da alegada vítima reparou que esta tinha marcas no corpo e após ser confrontada, numa fase inicial, disse que foi “mordida por um cão”, mas “acabou por confirmar que aquelas marcas eram resultantes da força do arguido, por este querer manter relações sexuais com ela à força”.
Nesse dia, saiu de casa do suspeito e foi viver para uma casa-abrigo.
O tribunal, ponderando a prova produzida em audiência e constante dos autos, referiu que as declarações da ofendida “foram bastante exaustivas, mas aqui e ali eivadas de algumas contradições e, sobretudo, contraditórias com outros meios de prova”.
Para os juízes, existe um “gritante contraste” entre as declarações para memória futura e as que prestou em julgamento, notando que o arguido “negou a prática dos factos, mas tal não seria de estranhar, até porque o mesmo nem se encontra adstrito ao dever de falar com verdade”.
“Como é óbvio, o tribunal não desconhece que muitos dos alegados factos supra descritos, a ocorrerem, terão sido em casa do arguido e onde vivia (…), apenas estando presentes estes, pelo que apenas podemos contar com as versões contraditórias” de ambos, segundo o acórdão consultado pela agência Lusa.
Para o tribunal, “sucede, assim, que não só não existem outros meios de prova que corroborem a versão” da vítima, “como alguns até a contradizem ou, pelo menos, introduzem uma dúvida insanável sobre como se terão passado as coisas”.
“Ora, o tribunal até configura como possível que algo tenha acontecido entre o arguido e (…), tendo-se até dado como provados alguns dos factos constantes da acusação, quando coincidentes aos depoimentos de ambos, mas desde logo fica a dúvida sobre o que concretamente ocorreu e quando”, adiantou o acórdão.
Para o tribunal colectivo, “se é verdade que tal não conduz a que o tribunal conclua que nada se terá passado, também não é possível formar a convicção de que os factos ocorreram como relatado pela (…) e vertidos na acusação”, adiantou o coletivo de juízes.
O Ministério Público fez saber que vai recorrer.