Mais de 80% dos residentes na região de Leiria, que integra dez municípios, utilizam o automóvel nas deslocações entre casa e o trabalho ou entre a residência e a escola. Os dados são do Censos 2021 e colocam este território como o “pior” do País no que ao uso de transportes públicos diz respeito.
Ora, é precisamente para contrariar esta realidade que a Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria (CIMRL) se prepara para implementar um conjunto de alterações, com um sistema de transportes que, a partir de Janeiro, interligará os dez concelhos que a compõem (Ansião, Alvaiázere, Batalha, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Leiria, Marinha Grande, Pedrógão Grande, Pombal e Porto de Mós).
Entre as novidades, está a criação de uma ligação “rápida” e “directa” entre Leiria e Marinha Grande, a circular através da auto-estrada A8, e outra entre Leiria e Pombal, esta a ser feita pelo IC2.
A instalação de dispositivos com informação em tempo real dos horários das carreiras urbanas e destas duas novas linhas e a criação de um bilhete único para os dez municípios, que abrangerá também os circuitos urbanos Mobilis (Leiria), Tumg (Marinha Grande) e Pombus (Pombal), são outras das novidades.
O novo sistema, apresentado na semana passada, contempla ainda o alargamento do serviço de transporte a pedido – já em funcionamento em Alvaiázere, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande – a todo o território da CIMRL, a começar por Ansião, que será o próximo concelho a dispor desta resposta, assegurada por serviço de táxi, com tarifa reduzida para o utilizador.
Paulo Batista Santos, primeiro secretário executivo da CIMRL, adianta ao JORNAL DE LEIRIA que, nos períodos de vazio, em que os autocarros estão parados, serão criados circuitos para servir os cidadãos seniores ou as pessoas que precisam de “ir ao centro de saúde, ao mercado ou a outros serviços públicos”.
“Se temos o autocarro e o motorista contratualizado, podemos colocá-lo ao serviço dos cidadãos”, defende, adiantando que os circuitos estão ainda a ser definidos. Já fechada, mas com possibilidade de ajuste em função da procura, está a nova linha entre Leiria e Marinha Grande, que será assegurada por quatro autocarros, que ligarão as duas cidades através da A8. “O ponto de partida/chegada serão os estádios municipais, havendo depois interligação com os transportes urbanos municipais [Mobilis e Tumg]”, avança Paulo Batista Santos, revelando que haverá, “ entre oito e 16 ligações por dia”.
No caso do reforço da oferta entre Leiria e Pombal, está será “via IC2” e terá “menos paragens” do que as carreiras “normais”, de forma a reduzir os tempos de viagens. O objectivo principal, frisa o dirigente, “é fazer o link com os estabelecimentos de ensino”.
A par destas alterações – que, segundo anunciou, Pedro Pimpão, vice-presidente da CIMR durante a sessão de apresentação do novo sistema, estarão em “pleno funcionamento” em Janeiro de 2024 -, está também prevista a coloca ção de novos abrigos de passageiros em todos os concelhos no âmbito de uma candidatura apresentada ao Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres.
Também a aguardar financiamento está o projecto apresentado ao Programa de Recuperação e Resiliência (PRR),com parceria com a empresa PRF, para apoio à produção de hidrogénio e outros gases renováveis, e de um posto de abastecimento que pretende descarbonizar os transportes, através da adopção de autocarros sem emissões (eléctricos ou a hidrogénio) e a substituição de combustíveisfósseis no sector dos transportes. A candidatura inclui ainda a aquisição de dois autocarros movidos a hidrogénio. Em termos de tarifário, está prometida uma redução, mas os novos valores ainda não foram divulgados.
“Este é o início do processo da mudança que queremos fazer na região. Hoje, a mobilidade neste território é uma prioridade estratégica”, avançou Paulo Batista Santos, na apresentação do Sistema de Mobilidade da Região de Leiria, cujo serviço será assegurado pela Rodoviária do Lis II (do grupo Rodoviária do Tejo), que tem a concessão por um período de quatro anos, numa operação superior a 25 milhões de euros.
Mais autocarros
O serviço interurbano vai contemplar 115 autocarros – mais dez do que agora – e 210 linhas. A estimativa é que sejam percorridos 3,2 milhões de quilómetros por ano e transportados 2,3 milhões de passageiros anuais. Já o serviço urbano (Mobilis, Tumg e Pombus) contará com 36 viaturas e um fluxo expectável de 1,3 milhões de pessoas transportadas anualmente.
O sistema agora apresentado resulta do Plano de Acção de Mobilidade Urbana Sustentável da Região de Leiria, no qual estão plasmadas as expectativas dos dez municípios. O objectivo é garantir “melhor planeamento, oferta, bilhética e sistema tarifário, e informação”, criando condições para reduzir “significativamente” o uso do transporte privado e aumentar a utilização dos transportes colectivos, frisa Pedro Pimpão.
Para tal, o autarca, que preside à Câmara de Pombal, entende que o Governo deve reforçar os apoios aos municípios, nomeadamente, através do Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes Públicos (PART) e do Programa de Apoio à Densificação e Reforço da Oferta de Transporte Público (PROTransP), apelando a uma melhor distribuição dos valores.
“O nível de comparticipação para a Região de Leiria é de apenas de 1,2% (2,6 milhões de euros), o que compara com 62% para Área Metropolitana de Lisboa (142,5 milhões de euros)”, apontou Pedro Pimpão, considerando que é preciso “olhar para estas diferenças territoriais” e “promover o transporte público a nível nacional”.
“Deve haver um reforço do montante atribuído à CIMRL, para que seja reforçada a verba que temos disponível para fazer face a estas disparidades”, defendeu o vice-presidente da Comunidade Intermunicipal. À margem da cerimónia de apresentação do sistema, Paulo Batista Santos adiantou que a região precisaria “de, pelos menos, cinco a seis milhões, para os próximos dois anos, para o sistema de bilhética, informação, campanhas de sensibilização e carros novos descarbonizados (elétricos ou a hidrogénio)”.
Governo promete rever apoios
Em resposta aos apelos dos representantes da CIMRL, o secretário de Estado da Mobilidade Urbana, Jorge Delgado, reconheceu que a forma como o PART foi criado dá a “sensação de distribuição desigual das suas verbas” e revelou que o Governo está a trabalhar na revisão do modelo.
“Não podemos ignorar onde já existem sistemas, mas temos de ter o cuidado de permitir os territórios onde a utilização de transporte público é muito baixa possam ter uma ajuda adicional para dar um incremento” ao uso do transporte colectivo, disse o governante.
“Adormecemos durante muitos anos e acordámos nas últimas décadas e percebemos que temos um desenvolvimento muito desequilibrado”, assumiu Jorge Delgado, alegando que em áreas como a descarbonização e mobilidade é preciso “agir depressa”, não só por questões ambientais, de combate às alterações climáticas, mas também sociais e económicas. E apontou dados, segundo os quais, os impactos dos constrangimentos de tráfego traduzem-se em perdas correspondentes a 1% do PIB europeu.
“Temos de libertar as pessoas que vivem horas aprisionadas no trânsito. Não é uma sociedade digna aquela em que vivemos hoje. As pessoas passam muito tempo sozinhas aprisionadas no seu automóvel, o que é mais ou menos a imagem que temos de uma cadeia”, afirmou, frisando, contudo, que “as pessoas não vão alterar comportamentos por decreto”.
“Temos de lhes mostrar alternativas que asseguram qualidade, eficiência e que correspondem àquilo que elas têm como objectivo de viagem. Hoje, a região [de Leiria] dá um passo nesse sentido”, concluiu Jorge Delgado.