Ver sem mexer. Uma tecnologia nunca antes utilizada para os fragmentos de carvão provenientes da Guimarota, em Leiria, revelou novos fósseis de animais com 150 milhões de anos, semelhantes a outros, já conhecidos desde a década de 50 do século XX, que transformaram a mina numa referência para a paleontologia.
A equipa constituída por Bruno Camilo Silva, Vítor Carvalho e Edgar Mulder, do Centro de Investigação em Paleobiologia e Paleoecologia da Sociedade de História Natural de Torres Vedras, identificou dentes e escamas de peixes, ossos indeterminados, elementos de tartarugas e crocodilomorfos (antepassados dos crocodilos actuais) e o provável úmero de um mamífero.
Pela primeira vez, os resultados foram apresentados ao público não especializado, sábado, 25 de Novembro, no Museu de Leiria, no contexto do programa preparado pela instituição para celebrar o Dia Nacional da Cultura Científica.
Os fósseis estudados por Bruno Camilo Silva, Vítor Carvalho e Edgar Mulder entre 2021 e 2022 são os únicos, provenientes da mina da Guimarota, à guarda do Museu de Leiria, já que os restantes se encontram na Alemanha ou no Museu Geológico em Lisboa.
Para expor toda a informação preservada nos 19 fragmentos de carvão, os investigadores recorreram a microtomografia computorizada de alta resolução, uma técnica não destrutiva nunca antes aplicada no caso da mina da Guimarota. O scanner micro-CT de raios X permite analisar o interior de um objecto e criar modelos para visualização a três dimensões.
“Conseguimos retirar virtualmente o carvão e ter em 3D os fósseis da Guimarota” para “mostrar digitalmente o que está lá dentro”, explica Bruno Camilo Silva, presidente da Sociedade de História Natural de Torres Vedras. “E podemos, se quisermos, imprimir em 3D”.
Alemanha deve devolver fósseis a Leiria?
Bruno Camilo Silva considera, entretanto, que os fósseis que ainda estão na Alemanha, oriundos de campanhas em Leiria entre as décadas de 50 e 80 do século XX, devem ser devolvidos a Portugal, na totalidade. O paleontólogo defende que os achados são “património nacional” e que o acordo previa “a obrigatoriedade de os materiais voltarem”, o que tem acontecido, gradualmente, porque “a comunidade científica portuguesa começou a bater pé”.
A exploração da mina da Guimarota com a finalidade de extrair carvão decorreu entre 1920 e 1960. Em 1959, o alemão Walter Kühne, da Universidade de Berlim, “pôs a Guimarota no mundo em termos científicos”, com a descoberta, a 5 de Outubro, do esqueleto de um mamífero, lembrou a geóloga Anabela Veiga, durante a conferência de sábado. “Foi descobrindo e foi levando para a Alemanha um conjunto grande de restos” – incluindo dentes de tubarões e de dinossauros – “que tornaram a mina, já naquela altura, o lugar do mundo mais rico em mamíferos do Jurássico”, sublinhou a docente do Politécnico de Leiria.
Os trabalhos de campo prosseguiram em 1971 e, depois, de 1973 a 1982, orientados por Bernard Krebs e Siegfried Henkel, discípulos de Walter Kühne, com financiamento do estado alemão equivalente a 500 mil euros.
Até hoje, os achados da Guimarota mais famosos são o Henkelotherium guimarotae, ancestral dos mamíferos modernos; o Machimosaurus hugiio, o crocodilo mais comprido do Jurássico, com 10 metros; e a Portugalophis lignites, considerada a segunda ou terceira cobra mais antiga do mundo.
Há 150 milhões de anos, a região seria um pântano costeiro onde pontualmente entraria água salgada, com clima tropical e vegetação exuberante.
A conferência de sábado juntou também antigos trabalhadores da mina (e familiares) e terminou com Vânia Carvalho, coordenadora do Museu de Leiria, a apelar ao contributo da população para ajudar a reconstituir a história da Guimarota e a enriquecer uma futura exposição.