A Confraria de Nossa Senhora da Nazaré tem um novo projecto, a construção de um novo lar de idosos. No que se distinguirá esta resposta social?
Estamos a desenvolver o projecto para a criação de um lar novo. O nosso tem mais de 40 anos e já foi feito numa estrutura mais antiga. Teve três evoluções diferentes, mas foram sempre situações de arranjos e nunca teve uma solução de fundo. Hoje, o que pretendemos é ter uma resposta que seja melhorada, em termos de qualidade, de conforto, mas que também seja inovadora na perspectiva do portefólio dos serviços que queremos oferecer. A inovação passa pelo lar dispor de serviços de fisioterapia, serviços esses que a maior parte dos lares não tem acoplado. E dentro da fisioterapia, a aquaterapia, que para a população idosa é muito facilitadora da mobilidade. E também dois espaços técnicos para tratar as demências, as doenças de Parkinson e Alzheimer. Queremos ter esta oferta incluída nos nossos serviços. O lar terá capacidade para 80 pessoas. Será um investimento de 4 a 5 milhões de euros, que iremos candidatar a apoio do Portugal 2030.
A obra estará pronta quando?
Sendo razoável, entre aprovação, licenciamento, financiamento, talvez a obra inicie em dois anos, para estar concluída daqui a três anos e meio.
Ficam asseguradas todas as respostas sociais ou há valências que escasseiam no concelho?
Há valências que escasseiam. Em termos de lar de idosos, o concelho vai ficar com uma cobertura muito boa – face àquilo que é a média nacional – até porque neste momento o Centro Social da Freguesia de Famalicão também está a começar a edificar um lar para 53 pessoas. E nós ainda não temos definido se a construção desta nova valência levará a uma transferência dos utentes para as novas instalações ou se, além do novo lar, o actual lar se mantém. E se se mantiver, ficaremos com uma resposta alargadíssima para a terceira idade. Ao nível da infância, com esta história da gratuitidade, temos que alargar a creche. É fundamental, porque temos muita procura. Temos que procurar, com a Segurança Social, esse alargamento. Temos espaço na infra-estrutura, mas não temos protocolo. Vai ser outro foco da nossa gestão.
Com as dificuldades que o Serviço Nacional de Saúde atravessa, deve o terceiro sector reforçar o seu apoio?
Neste momento, o terceiro sector tem uma palavra muito forte a dizer nos cuidados de saúde no País. Nós temos acordos com o SNS na nossa unidade de cuidados continuados e noutras valências acopladas, exames complementares e consultas. Quer ao nível da clínica geral, quer ao nível das especialidades, quer ao nível do próprio Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia, onde também estamos implicados, o terceiro sector pode dar uma ajuda, um contributo muito maior.
E o Estado tem reconhecido o valor do trabalho prestado por entidades como a Confraria?
Palavras leva-as o vento. Precisamos é de actos e de decisões. E quando temos um sector, um grupo de parceiros imprescindíveis que queremos manter, tratamo-los bem e acarinhamo-los. Isso não é com palavras, é com acções. Se dizem que é muito bom, mas, por outro lado, continuam a pagar mal, não me parece ser uma boa política. O terceiro sector, de forma geral, está mal reconhecido ao nível da revisão dos acordos, ao nível das comparticipações. Fazemos o mesmo serviço que o Estado faz no serviço público e muito mais barato. E a nossa qualidade, no mínimo, não é inferior à que se presta no serviço público. Mas é infindavelmente inferior nos gastos do erário público em comparação com o serviço público. No entanto, muitas vezes, por preconceito, ou por políticas mais conservadoras, olham para o terceiro sector, para muitas destas instituições que pertencem à Igreja, com alguma resistência e às vezes até com alguma animosidade, e isso leva a que não haja esse reconhecimento.
A Confraria criou a primeira estrutura de acolhimento colectiva de refugiados em Portugal, para receber cidadãos ucranianos. Como se encontram estas pessoas, voltaram ao seu país ou conseguiram habitação e estão integradas?
Criámos duas estruturas. Uma delas já está fechada. Era uma medida peculiar, era incisiva, para dar resposta imediata a uma situação de flagelo que se vivia naquela circunstância. Alguns desses cidadãos regressaram entretanto ao seu país. Outros acabaram por se instalar e refazer a sua vida por cá. Começamos a perceber e a Segurança Social também, que, nos últimos tempos, as pessoas que vinham para esta estrutura já nada tinham a ver com a guerra na Ucrânia. Podiam até passar pela Ucrânia, só para poderem depois encontrar em Portugal e no resto da Europa um acolhimento conforme ao das pessoas que vinham efectivamente a fugir da guerra. Ainda temos uma das estruturas aberta, devem ser das únicas do País. Até porque vivemos um momento muito conturbado em relação à imigração. Há problemas sérios e graves com os quais os governos e as autarquias são confrontados. Aparecem pessoas de todos os lados, que têm de ser alojadas. Tem de se lhe dar resposta. Portanto, esta continua aberta e a dar resposta. É um problema que a tutela vai ter de resolver, se não, torna-se incomportável. Porque todos os dias há notícias de mais pessoas a chegar, mais pessoas desalojadas… Temos também uma estrutura para acolher jovens, menores não acompanhados, que inicialmente era só para receber jovens vindos dos campos de refugiados da Grécia. Neste momento, face ao mesmo problema, com a chegada de muitos jovens a Lisboa, muitos chegados de países africanos, temos também atendido a essas situações de emergência, até que se encontre uma solução.
Há forma de conciliar a grande projecção turística da Nazaré e o aumento do preço do imobiliário, com as necessidades habitacionais dos munícipes?
Não é fácil. Para os jovens é um desafio enorme. Um jovem que hoje tenha um salário líquido de 1.000 euros não consegue sair de casa dos pais e arrendar casa ou pedir um empréstimo ao banco para comprar uma casa. A especulação imobiliária é enormíssima. Se calhar, dos 1.000 euros, ficaria com 400 euros ou 300 euros para o resto das despesas mensais.
De que forma poderia a Confraria ajudar nesta matéria?
A Confraria está disponível e temo-nos sentado com este executivo – as relações com o anterior presidente eram boas e com o novo serão certamente – porque a Confraria tem uma área urbanizável considerável, onde se pode construir habitação a custos controlados. Poderia ser uma oportunidade a oferecer aos jovens, de poderem arrendar ou comprar a custos muito mais controlados e fixá-los na Nazaré.
Estão a agravar-se as dificuldades?
Sim, basta ver as dificuldades de contratação da Confraria e não só. Não há pessoas para trabalhar, porque estão a sair do País. Se a razão é só esta, não lhe sei dizer. Mas é verdade que no País temos hoje um grande défice de mão-de-obra, transversal a todos os sectores, indústria, hotelaria, serviços… As médias e grandes organizações já têm 25% a 30% de trabalhadores estrangeiros no seu quadro de pessoal. E se não os tivessem, não conseguiam captar mais ninguém. Portanto, casa é um grande desafio. Ajuda na fixação de jovens. Os jovens vivem hoje o problema de olhar para o aspecto financeiro e facilmente desanimarem. Pensam: “vou trabalhar para quê?” E isso leva à falta de atitude perante a vida, o ir à luta. O próprio mercado de trabalho, a possibilidade que hoje temos de construir um projecto de vida não é estimulante. Começa-se a fazer contas, a olhar para o curto, médio e longo prazo, e começa-se a perceber que não há grandes perspectivas. E estou a falar daqui. Em Lisboa é muito pior.
Que força mantém o Santuário da Nazaré na fé e na actividade turística da região?
Tem muita força. Mas não há como aferir dos 2,5 milhões de pessoas que antes do Covid-19 vinham ao Sítio, a este espaço – estamos agora a recuperar os números pós-pandemia – o que desses 2,5 milhões era promovido pelo fenómeno da onda, o que era promovido pela marca Nazaré ou promovido pelo Santuário. Acho que é um misto. Muitos dos turistas que vêm à Nazaré, vêm também para conhecer esta zona de turismo religioso muito forte, como é Fátima, Alcobaça e Nazaré. Sendo o Santuário da Nazaré um dos que têm menor dimensão, outros santuários maiores só existem porque antes já existia este, que conta com quase oito séculos e meio de tradição religiosa. Belém do Pará, que é hoje um dos maiores fenómenos de devoção a Nossa Senhora da Nazaré, teve origem aqui e foi levada para o Brasil aquando dos Descobrimentos. Num fim-de-semana, recebe dois ou três milhões de peregrinos. Está a ser refeita a candidatura do culto da Nossa Senhora da Nazaré a património imaterial da humanidade e as investigações foram interessantíssimas. Indicam que daqui saiu o culto da Nossa Senhora para mais de 400 lugares do mundo, tem uma força enorme.
Que expectativas tem sobre as futuras obras da Agência Portuguesa do Ambiente no promontório?
As minhas perspectivas são muito boas. São de que nunca se cheguem a fazer. Nós fomos claramente contra aquilo que estava a ser proposto. Não somos contra nenhum projecto que vise melhorar a segurança. O que dissemos à APA e à autarquia foi que discutissem o projecto e encontrassemos uma solução arquitectónica que respeitasse os oito séculos e meio de tradição e de história neste lugar. E que se construa sem estarmos limitados a um parecer de um arquitecto em Lisboa ou de uma visão de alguém que nada tem a ver com o meio e nem conhece a profundidade deste espaço e do que ele representa. E graças a Deus o projecto não vai interferir aqui no Bico da Memória. Acabou por falta de financiamento. Toda a verba ficou esgotada na obra do elevador. Nós temos aqui a defensora dos direitos religiosos, que é a Virgem Maria. Portanto, as expectativas são de que as obras não decorram e se vierem a decorrer, que tenha uma abordagem diferente daquela que houve agora.
A política não o seduz?
Tenho resistido sempre. E, neste momento, tenho de resistir ainda mais. A pressão é muita em qualquer sítio que vá e por parte de diferentes partidos. Mas não acho a política sedutora, como está concebida nos dias de hoje. A causa pública perde-se no meio disto. A política está formatada para oportunismo e para clientelismo, e quem pensar que – e eu ingenuamente acreditei que era possível fazer as coisas mudar – quem acreditar que pode entrar nisso sem ser comido pelo sistema, está enganado. E acho que não quero experimentar sequer. Se gostava de fazer coisas pela Nazaré, a outro nível? Gostava. Se sinto que tenho capacidades? Sinto. Mas se é preciso ser político para isso, então não.
Paixão pelo desporto