Parece uma visão futurista de uma cozinha, mas, na verdade, transformar cascas de fruta e espécies de peixe de baixo valor comercial em bolachas e snacks, confeccionados com recurso a impressoras 3D, é já uma realidade num dos laboratórios do edifício Cetemares, em Peniche.
Filipa Pinto, Joaquina Pinheiro e Sónia Barroso fazem parte do grupo de investigação do Blue Food Research and Innovation, do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente do Politécnico de Leiria, e deram a conhecer ao JL o que de mais recente têm feito no campo da inovação e da sustentabilidade alimentar.
No 3D Nutrient 4 Food, projecto coordenado pela professora Maria Manuel Gil, o objectivo é aproveitar recursos que não utilizamos, como cascas de vegetais ou mesmo vegetais rejeitados, como cenoura ou maçã, para desenvolver uma pasta “como se fosse tinta da impressora”.
Nesta tinta para impressão, explica Filipa Pinto, também estão a ser incluídas macro e micro-algas. E de uma impressora 3D estão já a sair as primeiras bolachinhas.
E o mesmo sucede com os snacks de pescado, que incluem espécies como verdinho, mini-saia e faneca.
As formulações estão a ser testadas, tentando que os produtos possam vir a ser adquiridos já impressos, ou que a massa possa ser comercializada e seja o cliente final, através do mesmo processo, a concluir a confecção em sua casa. O produto terá grande utilidade para pessoas com dificuldade na mastigação, explica Filipa Pinto.
“Temos de resto um painel sensorial semi-treinado, que nos ajuda a escolher a quantidade e a qualidade de algas para as formulações”, prossegue a investigadora.
Também no âmbito do projecto Embalagem do Futuro, o grupo está a iniciar ensaios em dois sub-projectos.
Num deles, está a desenvolver, com o CDRSP, da Marinha Grande, um revestimento interior para uma caixa de cartão, que irá integrar material marinho, e que foi solicitada por uma empresa para o acondicionamento de pescado. Para outra empresa, que produz filmes, o grupo está a estudar a possibilidade de usar plástico reciclado para embalagem de hortícolas.
Em ambos os casos, o grupo está a realizar testes de tempo de vida útil e eventual migração de compostos para os alimentos, contextualiza Filipa Pinto.
Recentemente, ficou concluído o projecto de produção de massas.
“Desenvolvemos três tipos de massa (healthy, kids e sporty), com recursos marinhos, que nutricionalmente foram direccionadas para cada tipo de público, em termos macro e micro-nutrientes. A formulação está já com a empresa”, conta a investigadora.
De forma a produzir algas com maior valor nutricional, o grupo está também a tentar induzir-lhes stress, para conseguir maximizar proteínas, fibras, ácidos gordos essenciais, mas também compostos bioactivos, que têm efeitos benéficos na saúde, como antioxidantes, anti-cancerígenos, anti-inflamatórios, anti-diabéticos, etc.
Finalizados foram já produtos como o hambúrguer de carne com algas, que evitam a utilização de aditivos sintéticos; e o paté de percebe e de amora silvestre, que o grupo está a tentar promover, através de contactos com a autarquia e a restauração local. O artigo utiliza excedentes de percebes, que não podem ser comercializados, e amora silvestre, que também evita o uso de aditivos sintéticos, explica Joaquina Pinheiro.
São artigos que se juntam ao conhecido hambúrguer de peixe, à salsicha de pescado com algas e ao afiambrado de pescado, alguns dos quais disponíveis no mercado e outros com formulações já entregues às empresas. Um dos serviços prestados é a colheita e tratamento de amostras de recursos marinhos na costa portuguesa para posterior análise de materiais radioactivos.
E como o mexilhão é uma das espécies capturadas, para evitar o desperdício das cascas, este grupo está também a desenvolver uma pasta, com recurso à casca de bivalves, convertida em pequenos objectos decorativos e bijuteria, também produzidos com recurso a impressora 3D, expõe Filipa Pinto.