Nos primeiros dias de Setembro, Alexandre Domingues vai pegar nas trouxas e viajar para Santa Maria, nos Açores. Na mala leva a inseparável bicicleta, mas não se conjecture que vai aproveitar o que a natureza tem para oferecer numas férias inesquecíveis. Ou num desafio aos próprios limites em trilhos de muito desnível acumulado. Bem pelo contrário.
O que este cidadão dos Marrazes, Leiria, vai fazer à primeira ilha a ser achada pelos portugueses é trabalho. Do duro. Ele vai passar da teoria à prática e levar a cabo um dos projectos que tem consumido grande parte dos seus últimos dois anos. Chegou o momento de tornar palpáveis tantos estudos, análises, conferências, videoconferências e quilómetros sem fim em cima de uma bicicleta, fosse à chuva, ao vento, ao sol, a subir ou a descer.
Após ter colaborado na organização das primeiras edições da Azores Mountain Bike Marathon, o Governo Regional dos Açores convidou a empresa de Alexandre Domingues para implementar centros de BTT em todas as nove ilhas. Com experiência na organização de provas e na construção de trilhos e pistas de cross country olímpico, como Marrazes, Jamor ou Paredes de Coura, o antigo director da Federação Portuguesa de Ciclismo meteu mãos à obra.
Da serra até à praia a partir dos Marrazes
Alexandre é natural dos Marrazes, cresceu a brincar na Mata dos Marrazes e é com sensações mistas que olha para a pista de cross country olímpico que construiu. Se por um lado tem “orgulho” no circuito que delineou, o primeiro permanente do País, por outro aguarda que a intervenção, naquela área para limpeza, que está a durar “demasiado tempo”, seja concluída. Neste momento, a paisagem é “desoladora”
Assim sendo, pediu uma reunião com a Câmara Municipal de Leiria e com a União das Freguesias de Marrazes e Barosa para se tratar da manutenção do espaço e fazer crescer o projecto no âmito da candidatura de Leiria a Cidade Europeia do Desporto.
Quer apresentar uma proposta para fazer avançar o Centro Cyclyn de Leiria, “tirando partido da pista, e dos balneários e zona de lavagem de bicicletas lá instalados. “Só falta criar a rede de percursos permanentes”, sublinha. “Podemos ir dos Marrazes à praia ou à serra. Estamos num ponto provilegiado, encostados à cidade e já existe uma infra-estrutura que pode ser rentabilizada com um investimento só na definição e marcação dos percursos. Três quartos do
Em 2018, avançou com um projecto de raiz, o Centro Cyclin’Azores, num “investimento regional de dois a três milhões de euros”. “A primeira fase foi analisar o potencial de todas as ilhas para a criação de percursos permanentes com capacidade para serem produtos turísticos com bicicleta nas várias vertentes do ciclismo: estrada, cross country, enduro e gravel bike.”
A análise demorou seis meses e o potencial está lá, em absoluto, explica Alexandre Domingues. “Percorremos todas as ilhas, andámos muito de bicicleta e com o conhecimento perfeito do terreno podemos dizer que vamos aproveitar as ilhas completas e não apenas partes.”
Naquela altura, tiveram de provar à Direcção-Regional de Turismo que havia um potencial imenso naquele território para tornar os desportos ligados às bicicletas num importante factor turístico. “Fomos mais arrojados e apresentámos um protótipo que já apresenta em 90% o que será a obra.”
Só faltarão alguns desvios, para se passar em determinados pontos de interesse ou para fugir ao conflito com outros tipos de utilizadores. “Um dos desafios que temos é tentar ser criativos e encontrar soluções para desviar de alguns percursos sensíveis e, em última análise, admitir que não há hipótese.”[LER_MAIS]
Com o protótipo do Cyclin’Azores, com 500 páginas, “foi fácil perceber que o trabalho estava muito adiantado” e agora, em Setembro, com, as malas às costas, vai iniciar-se a segunda fase, a implementação do projecto em Santa Maria. “Pelo menos da parte essencial: os edifícios, os portais, a marcação dos percursos, pelo menos os verdes e azuis e já algum marketing.”
Stocks de bicicletas acabaram nas lojas
Apesar de os próximos tempos serem passados nos Açores, Alexandre Domingues vai continuar a viajar pelo País. A sua empresa, a Vertente Magenta, tem em mãos uma série de outros projectos que o obrigarão a constantes deslocações. De Paredes de Coura, já em fase de aperfeiçoamento, passando por Albufeira, Vale de Cambra e Sever do Vouga, trabalho não falta. “Estamos a ser consultados para muitos outros locais”, esclarece, ciente de que a bicicleta está de regresso às preferências dos portugueses.
“Com a pandemia notamos uma procura cada vez maior pelo exercício físico, de preferência outdoor e a bicicleta voltou a entrar na corrente sanguínea de muita gente. As lojas escoaram os stocks, até coisas que estavam encalhadas há dez anos, foi tudo vendido. As pessoas querem andar soltas, por isso não acredito que este entusiasmo esmoreça depressa, até porque não sabemos quanto tempo este problema vai durar.”
Com as pessoas a sentirem “necessidade de fugir das zonas de férias normais”, a procura de alternativas é uma constante. “A bicicleta acaba por estar numa situação invejável. Pratica-se actividade física, conhecem-se zonas bonitas e, ao mesmo tempo, é um meio de transporte.”
A necessidade imediata é confirmar a rede e acertar as intervenções com os serviços florestais e o Parque Natural da ilha. Falar com a Câmara Municipal e com as juntas de freguesia, analisar a localização do portal e do edifício com balneários, lavagens de bicicleta, casa de banho e reparação. Dar formação e “começar a puxar as pessoas, a vê-lo como seu”. “São eles que vão ter de ficar a olhar por aquilo, por isso têm de perceber a utilidade e o retorno que traz.”
Só em Santa Maria, os percursos, incluindo estrada, gravel bike e BTT ultrapassam os 300 quilómetros. “Embora seja uma ilha pequena tem coisas únicas. Quando se estaria a espera que tivesse o que as outras têm, apresenta o Barreiro do Faneca, que parece uma pump track com o piso cor de laranja, ou o Poço da Pedreira. São sítios incríveis.”
A preocupação de quem constrói esta rede de caminhos é, inevitavelmente, “cruzar os melhores trilhos com pontos de interesse e passagens comerciais”. “Sem criar retorno económico, se não for bom também para os locais, estes projectos não têm qualquer lógica”.
Dá um exemplo. Enquanto director da Federação Portuguesa de Ciclismo fez a auditoria e a verificação de bicicleta dos vários centros existentes no País. Constatou que havia “falhas graves”.
“Estava a chegar a uma aldeia, queria beber um café, até se vê um café ao fundo, mas somos desviados para um caminho de forma a contornar a aldeia. Ora, uma passagem de 500 metros de asfalto não prejudicaria o percurso e ajudaria o local. Não é usar o território e deixar nada. É, acima de tudo, um projecto comercial e se assim não fosse nenhuma câmara teria interesse, ainda por cima a maior parte dos investimentos são públicos.”