Esta quinta-feira, 5 de Outubro, no Centro Cultural de São Gens (antiga escola primária de Pinhel, no número 155 da Rua da Escola), em Ourém, celebram-se dois anos de actividade da associação cultural Albardeira.
O arraial abre ao meio-dia, pelas 16 horas há música ao vivo (concertos de Rui Rosa e Bernardo Branco) e o set do DJ Pompier começa às 17:30 horas.
O acesso é gratuito, mas exclusivo para sócios com as quotas regularizadas. Inclui o almoço. Novos sócios e regularização de quotas são aceites à entrada.
O presidente da associação, Pedro Oliveira, respondeu por escrito a três perguntas do JORNAL DE LEIRIA.
Fala do contributo da Albardeira para o “encontro” e “a mediação com agentes culturais e profissionais dos audiovisuais”, lembra que o colectivo está a promover “sentimento de pertença”, salienta que “se uma cidade não mexe, não tem coisas a acontecer, torna-se aborrecida e pouco atractiva para viver e trabalhar” e aponta para a ambição de continuar a contrariar a “falha de oferta cultural” que identificaram em Ourém há alguns anos. “Fomos buscar a Neuza a Londres para vir fazer uma residência a Ourém, de onde é natural”. O dirigente explica que a Albardeira tem por objectivo, antes de tudo o resto, “trabalhar para que se crie esse “lugar” de encontro, com quem as pessoas podem contar para agitar as suas vidas” e começa já a pensar e a discutir “uma espécie de profissionalização”. Uma das próximas iniciativas da associação vai ser o festival Cordofonia para celebrar cordofones do mundo tendo como figura central e impulsionadora da ideia o guitarrista de fado Fernando Alvim.
Qual tem sido o principal contributo da Albardeira para o concelho de Ourém?
Bem, é uma pergunta difícil de responder estando tão envolvido no projecto, ter uma visão clara e que faça jus à realidade, nós também somos vários e aqui vai ficar reflectida só a minha opinião, que será bastante redutora da realidade e da visão do colectivo. Mas gosto de pensar que tem sido muito o encontro, o fazer as pazes com a sua população e a mediação com agentes culturais e profissionais dos audiovisuais. Claro que há sempre o mais óbvio que é a promoção do concelho e colocar o nome de Ourém na boca das pessoas, mas acho que mesmo que o façamos, há outras associações e instituições que já o fazem há mais tempo e melhor que nós. E nós também o fazemos, mas talvez num circuito mais alternativo da cultura. Mas o que realmente sentimos, e do feedback que vamos tendo dos amigos e do público, é o sentimento de pertença que se tem vindo a criar.
Quando éramos mais novos na altura do secundário, há uns nove anos, vá, o acesso à cultura no concelho era muito complicado, muito sucintamente tinhas duas opções – ou discoteca ou para o clássico bar com bandas de covers. Se isto em 2014 era assim, então para as gerações anteriores só pode ter sido pior. Ver concertos exigia uma deslocação no mínimo a Leiria, que para pessoas menores sem carta não era algo simples. Se uma cidade não mexe, não tem coisas a acontecer, torna-se aborrecida e pouco atrativa para viver e trabalhar. Na hora de um jovem ou adulto pensar onde gostaria de viver ou trabalhar são logo pontos a favor que se perdem. A cultura tem esse poder, de criar uma relação de pertença e de compromisso entre a cidade e os seus habitantes. Acho que foi neste ponto que nós entrámos, talvez um pouco sem o perceber ao início, porque era mais o “ok vamos fazer coisas aqui na terra onde crescemos porque há aqui esta falha de oferta cultural, e nós precisamos disto porque gostamos de viver aqui e precisamos disto para viver bem”, mas na realidade estávamos a ir em busca desse reforço de sentimento de pertença. Posto isto, e após divagar imenso, acho que o queria dizer é: o principal contributo não foi para o concelho em si como entidade, mas para a sua população, que é para quem trabalhamos sempre.
É um projecto em que as pessoas se revêm, em que nos vão agradecendo por fazer, e que as ajuda, aos poucos, a fazer as pazes com o lugar onde cresceram ou a dar-lhes razões para continuarem por cá para ver o que vamos inventar a seguir. Temos amigos que vivem pelo país, e até alguns fora dele, que nos vão dizendo que têm muita pena de não estar por cá para participarem mais nas actividades. Até mesmo nos sócios se reflecte essa realidade, temos muitos sócios que nem são de cá ou que estão emigrados, mas inscrevem-se para apoiar da forma que podem. Acho que então o melhor contributo é esse, o trabalhar para que se crie esse “lugar” de encontro, com quem as pessoas podem contar para agitar as suas vidas e da cidade onde a cultura é exposta em todas as suas formas.
Através disto começamos também a conseguir fazer uma mediação entre as necessidades de audiovisuais de empresas e os profissionais locais, uma vez que começamos a ser vistos como uma entidade ligada à cultura e a conteúdos audiovisuais, já começa a acontecer contactarem-nos porque precisam de “x” serviço e nós sermos capazes de indicar nomes ou até se formarem grupos de trabalho para colmatar essa necessidade. E todos ganhamos, ajudamos a fixar jovem talento em Ourém e fortalece o sentido de comunidade, entreajuda e pertença. Apenas deixar uma menção ao Teatro Municipal de Ourém que também trabalha imenso estes aspectos, e foi a sua abertura, em 2021, que também nos inspirou a querer fazer mais e melhor.
Que visão têm para o futuro da associação e que projectos querem concretizar?
Temos percebido que não conseguimos chegar a todo o lado, e que há alguns projectos que não conseguimos tirar da gaveta porque não temos força ou pessoas para os materializarem e arrancarem com eles. E por isso ao longo deste ano começamos já a pensar e a discutir uma espécie de profissionalização da associação, e cada vez mais essa ideia faz sentido. Estamos a chegar a um ponto em que temos simplesmente demasiadas coisas que queremos fazer para não termos ninguém a full time, a orientá-las ou pelo menos a garantir que alguém está a trabalhar para isso. Isto acaba por resultar numa fraca execução de alguns projectos, em que se vai deixando muito para a última e começa tudo a atrasar. Por isso para o futuro o objectivo é mesmo começar o processo de profissionalização da associação, o ideal será ter alguém empregado e começar a pagar às pessoas que desempenham funções chave por projecto.
Isto começou porque muitos dos sócios que vão ajudando nos projectos muitas vezes estão a fazer funções que são a sua profissão, e parece-nos injusto esse trabalho não ser remunerado, esse e qualquer que seja. Queremos, portanto, combater muito essa ideia de “ah, és uma associação tem de ser tudo a voluntariado” quando isso é completamente descabido e não há nada na lei a que isso obrigue. Pegando na mesma ideia de há pouco, o pagar às pessoas pelo seu trabalho é uma forma de promover a sua fixação em Ourém, isto torna-se ainda mais relevante quando somos uma associação jovem e a grande maioria das pessoas que trabalham nos projectos são jovens.
A par disto, temos de começar a reduzir a quantidade de ambição para os projectos durante o ano, e começar a fazer menos e melhor. Esta visão para o futuro está muito ligada aos futuros projectos e aos que ainda estão por acabar ou concretizar. Temos um projecto que eu acho que tem muito valor que era para ter acontecido este ano, mas fruto do que expliquei anteriormente não conseguimos executá-lo em tempo útil, mas resumidamente será uma espécie de “festival” a acontecer na aldeia de Seiça, pelo nome de Cordofonia, que pretende celebrar os cordofones do mundo tendo como figura central e impulsionadora da ideia o Fernando Alvim, famoso guitarrista de fado cuja família era de Seiça e que está sepultado na respectiva.
Acho que também seria muito bom fazer a segunda edição do Participa, mas este tem de ser discutido até ao fim do ano. E depois temos alguns projectos que tenho muita pena de ainda não terem saído do papel, como a recolha de registos de vídeo da população, dos seus costumes, do fabrico do artesanato local. Ou até, a gravação de um álbum com a nossa infame cantora Lelita.
Há muito talento ainda por descobrir em Ourém no sector da cultura?
Se há coisa que temos vindo a descobrir é que essa resposta é um grande sim. Estamos constantemente a receber contactos de artistas das diversas áreas. A maioria, lá está, vai embora para a faculdade e não volta, e basta haver alguns anos de diferença que a malta já não se conhece e perde-se esse contacto. Mas se há algo que esta associação tem servido é para isso, ao longo destes dois anos as pessoas ao irem partilhando nas redes sociais as nossas coisas e ao percebem que está a acontecer em Ourém, deixa-as intrigadas e curiosas por saber mais, como e porquê? E muitas vezes é assim que chegam até nós, temos inclusive um post que de vez em quando fazemos mesmo para incentivar os artistas a contactarem-nos. E vamos sempre tendo surpresas e a descobrir pessoas incríveis. O Ciclo Albardeira de 27 de abril foi uma boa prova disso, fomos buscar a Neuza a Londres para vir fazer uma residência a Ourém, de onde é natural. Só fico com pena de não conseguirmos envolver as pessoas que nos contactam tão rapidamente como gostaríamos.
Ainda agora, a semana passada, recebemos em Ourém, através do Teatro Municipal, o projecto da Omnichord – A Música Dá Trabalho – e queríamos muito ter pessoas que estudaram nas escolas a fazer os concertos, e conseguimos. No caso do CEF (Fátima) e da EBSO (Ourém), foi mais fácil porque já conhecíamos artistas que tivessem estudado lá, mas para o Colégio São Miguel (Fátima) não tínhamos ninguém, e depois de uns telefonemas lá descobrimos um rapaz do jazz que está por Lisboa, e lá veio ele tocar na escola onde cresceu. Acho que há primeira vista parece que não, mesmo nós achávamos isso, mas depois de se procurar um pouco nunca mais nos paramos de surpreender.
Também é importante referir o trabalho realizado pelas escolas de música e dança e as filarmónicas que têm puxado por esse talento não desaparecer, incluindo muitos de nós na associação.