Aceleram pela pista, desafiam as rampas que fazem levantar voo e fintam curvas que podem terminar em despiste. As passagens na boxe para afinações e abastecimento são aceleradas pela vontade de vencer onde a combustão é a adrenalina da competição.
Naquela que é conhecida como ‘o Mónaco da Fórmula 1’, a pista de todo o terreno à escala 1:8 com um túnel, os pilotos aceleram com um comando e os pequenos carros fazem-se enormes para disputar o campeonato nacional de modelismo.
“Os carrinhos são iguais aos carros de dimensão real, têm discos de travões, pneus, amortecedores, componente eléctrica, são movidos a combustão e podem chegar aos 70 quilómetros por hora”, explica Artur Noé, de 58 anos, que sempre foi apaixonado pelos pequenos aviões mas desde cedo se rendeu aos carrinhos. “Porque é indiscutível que os carros mexem com os homens”, acrescenta entre risos, sobre “a brincadeira que acabou por se tornar bastante séria”.
Piloto, foi presidente da federação de radio-modelismo automóvel durante 12 anos e agora regressou à presidência da associação que fundou, a Modelis, o Clube de Modelismo de Leiria, para apostar na dinamização da pista portuguesa de modelismo mais antiga em activo, instalada na Ortigosa, no concelho de Leiria. É por lá que habitualmente se encontram pilotos de todo o País que treinam e competem enquanto cruzam histórias à volta da modalidade.
Ponto de encontro de famílias
Tomás Mendonça tinha apenas dois anos quando começou a acompanhar o pai nas provas de radio-modelismo. “Estava sempre a mexer, montava, desmontava e era apaixonado pelas rodas”.[LER_MAIS]
Pouco depois estreou-se como piloto para um troféu de juniores e hoje, uma década depois, troca os papéis ao assumir o comando da competição enquanto conta com o apoio mecânico do pai, Joel Mendonça, de 38 anos, da Figueira da Foz.
Tímido, rapidamente sobe ao palanque e perde a vergonha à medida que acelera pela pista e passa pelos adultos que fazem isto há muitos anos. “Isto é muito fixe e eu gosto de fazer isto porque parece que estou a conduzir um carro”, atira sem tirar os olhos do carro.
Em baixo, a caminho da boxe de apoio, o pai confessa que “o bichinho dos carrinhos foi transmitido entre gerações” e fala na “sensação única de conduzir nesta modalidade com a adrenalina e emoção de uma competição à escala real”.
Junto à bancada de reparações, transformada numa autêntica oficina de pequenos carros com ferramentas e muitas peças, o Hugo e a Laura Prata, de 44 e 43 anos, mostram que são “uma equipa em tudo”.
Vieram de Gaia para uma prova do calendário nacional, tal como já correram muitas cidades e outros países ‘à boleia’ do modelismo. Tudo começou há uns seis anos, quando ele andava de mota e foi desafiado a experimentar os carrinhos.
“Só aguentei aquele nível de competição com os amigos três meses, depois comprei um carro destes e no ano seguinte já estávamos a competir”, recorda Hugo que agora conta com a companheira para “tratar da parte mecânica, a preparação do carro, a adaptação na boxe, ir buscar comida e tudo o que é preciso”. “A última coisa que se pode pensar é que isto é uma brincadeira de meninos, investe-se aqui muito dinheiro, tempo, há muita dedicação e é difícil ver aqui meninos”, acrescenta o piloto defensor que “nos carrinhos só muda a escala”.
“O bichinho dos carrinhos”
À volta da pista, nas zonas de apoio e até junto ao televisor que mostra a classificação parece unânime que algo parece ser contagioso no modelismo. “Isto é uma modalidade difícil e desafiante, é uma brincadeira muito séria com mecânica, electrónica e um sem fim de afinações”, explica o piloto Paulo Almeida, de 54 anos.
Natural de Coimbra e residente em Leiria, perde-se frequentemente neste espaço para treinar para as competições em que começou a apostar há cerca de três anos, por causa do “bichinho dos carrinhos” que ficou quando experimentou a modalidade pela primeira vez na juventude.
O colega piloto Rodrigo Luís, de 41 anos, concorda: “Quando eu era pequenito apareceu este bichito, comprei um carrinho a pilhas e foi até agora”.
Vem frequentemente de Lisboa para competir e treinar na pista leiriense, “porque tem um espírito mais familiar”, e garante que “não há nada como este espírito da competição”. Com perto de três décadas dedicadas à modalidade lamenta apenas existirem “poucas pistas homologadas como esta a nível nacional”.
“Isto é uma brincadeira de graúdos que nos faz sentir meninos”, conclui.
Conquistar mais pilotos A Modelis foi fundada em 1991 por um grupo de amigos que gostavam de ralis, alguns já praticavam aeromodelismo e decidiram dedicar-se aos carrinhos e construir a ‘Pista dos Carvalhais’ dedicada ao todo o terreno 1:8 para carros a combustão e eléctricos.
A aposta chegou a mobilizar cerca de uma centena de sócios, dos 10 aos 60 anos, e passou a ser palco para provas locais e regionais do calendário nacional da federação.
No entanto, “a crise económica”, “a diversidade da oferta de modalidades” e “as novas tecnologias que roubam a atenção das crianças e jovens” traduziram-se numa quebra abrupta de associados.
“A modalidade sendo automóvel tem custos, um carro de iniciação, RTR ‘Ready to run’ (pronto para correr), pode custar 600 euros e um bem equipado ronda os dois mil euros, mas não há valor limite porque depende dos propósitos e investimentos dos pilotos”, acrescenta o presidente da associação revelando que “a maioria das pessoas também gosta da vertente lúdica de montar o carro às peças”.
“Quem tem o bicho da competição é como na escala real, tem de trabalhar, aprender, mexer nas suspensões, nos travões, aligeirar o carro, melhorar a potência, tudo. Isto é uma réplica dos carros da escala real com todos os pormenores”, acrescenta o piloto Paulo Coelho, de 57 anos.
Proprietário da pista construída no terreno do sogro, conta que a associação que actualmente tem 33 sócios “investiu recentemente na pista e na estrutura dos pilotos, pretende colocar iluminação para que as equipas possam treinar e usar o espaço à noite e até apostar na dinâmica junto das escolas para promover a modalidade junto dos mais pequenos”.
Um investimento fundamental para a pista “reconhecida pelos pilotos por ter grandes condições”, sublinha o presidente da junta da União de Freguesias de Souto da Carpalhosa e Ortigosa, Sandro Ferreira, de 42 anos, assumindo ser “muito importante” contar com este projecto na região que “atrai pessoas de todo o País”.