“Junto a uma estação de purificação de água que tínhamos numa vila, um menino, o Paulo, ia buscar água com uma garrafinha de meio de litro que estava rota. Tentei tirar-lhe a garrafa e ele agarrou-se a ela como se fosse a última coisa do mundo, porque não tinha mais nada para beber água.”
Carlos Guerra, comandante distrital operacional de Leiria, integrou a missão humanitária portuguesa da Protecção Civil em Moçambique, para ajudar a população que sofreu com a passagem do ciclone Idaí. E foram as pequenas histórias que mais o marcaram.
Inicialmente como adjunto de Pedro Nunes,Carlos Guerra assumiu o comando da missão, após a partida do comandante, durante oito dias. A falta de água foi uma das situações que mais o impressionou, até porque constatou crianças a beberem a água suja de poças à beira da estrada e de rios.
“Por mais que estejamos habituados a estas situações ninguém fica indiferente a ver estas necessidades e a pobreza extrema. Há, sobretudo, um sentimento de impotência. Perguntamo- nos: o que posso fazer mais para ajudar?”, constata o comandante, revelando que o principal perigo que enfrentaram foi a epidemiologia relacionada com a malária e com a cólera.
Antes de partirem os quase 100 elementos que constituíram a Força Operacional Conjunta levavam consigo a informação do que iriam encontrar, tendo em conta também o histórico de outras cheias em Moçambique.
“Havia uma grande necessidade de socorro, nomeadamente, [LER_MAIS] de levar até aos pontos mais recônditos alguns víveres de primeira necessidade e também medicamentos. Uma situação que nos foi colocada logo dentro da própria cidade da Beira foi a necessidade de desobstrução das principais vias, causada pela queda de árvores de grande porte.”
Depois de perceberem junto das autoridades locais qual a maior necessidade, iniciaram as missões de transporte por via marítima para levar medicamentos e a alimentação aos locais indicados pelas autoridades moçambicanas. A falta de comunicações e de combustível foram problemas que enfrentaram à chegada.
“Tínhamos dificuldade nos contactos, por falta de rede de comunicações móvel, quer GSM quer de rádio. Tivemos de montar a nossa própria rede de comunicações e ultrapassámos o problema dos combustíveis com o apoio de uma empresa portuguesa”, relata Carlos Guerra, elogiando a ajuda “inexcedível” da comunidade nacional residente na Beira, que disponibilizou recursos materiais e humanos à missão portuguesa.
O comandante realça a “resiliência do povo moçambicano”, que no dia seguinte pôs “mãos à obra”. “O lema era: vamos enterrar os mortos e cuidar dos vivos.”
Vida ligada à Protecção Civil
Carlos Guerra, 60 anos, é licenciado em Proteção Civil III, tendo no seu percurso várias formações ligadas aos bombeiros e protecção civil.
Foi adjunto de Operações Nacional, segundo comandante operacional distrital de Leiria, comandante do Corpo de Bombeiros da Benedita, entre outros cargos ligados aos bombeiros.
Anteriormente, tinha integrado uma missão a Moçambique para a criação de um corpo de bombeiros, no âmbito da Liga dos Bombeiros Portugueses, e à Ilha do Fogo, em Cabo Verde, quando o vulcão entrou em erupção.
“Mas neste caso foi para entrega de ambulâncias. Agora, esta missão quer em termos de duração e de impacto com a população teve outro impacto.”