Acabada a prova, Paulo Reis olhou para o pódio com um sorriso orgulhoso. Muito mais do que pelos dois primeiros lugares nos Campeonatos de Portugal em pista coberta, pelas marcas alcançadas pelas suas duas atletas. Há uma revolução a decorrer no lançamento do peso feminino em Portugal e ele tem dois dedos nisso.
Naturalizada portuguesa há pouco mais de quatro meses, Auriol Dongmo já fez o máximo nacional avançar em três ocasiões. E Eliana Bandeira, a colega de treino, mais nova, provou ser a rival a ter em conta para o futuro.
“Foi a melhor prova de sempre em Portugal”, atira, orgulhoso, o treinador. A primeira, finalista olímpica em 2016, venceu com 18,37 metros, novo recorde português. A segunda alcançou a medalha de prata, com 17,39 metros, está qualificada para o Europeu e esmagou por 35 centímetros o anterior máximo pessoal, sendo já a terceira portuguesa de sempre.
A verdade é que nem uma nem outra são de Leiria, apesar de residirem na cidade. Auriol nasceu nos Camarões há 29 anos e Eliana no Brasil há 23, mas encontraram nas margens do Lis o local perfeito para crescer enquanto atletas, sob o planeamento do técnico nacional do sector dos lançamentos.
É no Centro Nacional de Lançamentos que encontram “as condições ideais” para evoluir: a infra-estrutura, o treinador e a existência de um grupo de treino de nível.
“Da minha parte é muito simples: tento prepará-las para poderem continuar a evoluir e em prova dou as indicações que entendo para corrigir aquilo que considero ser necessário”
Talvez por isso, Sporting e Benfica não têm quaisquer problemas em aceitar tê-las a trabalhar em conjunto. Apesar de ser incomum, acontece. Neste caso, a campeã representa os leões e a vice-campeã as águias, mas a sã convivência mantém-se.
“Da minha parte é muito simples: tento prepará-las para poderem continuar a evoluir e em prova dou as indicações que entendo para corrigir aquilo que considero ser necessário”, assegura Paulo Reis.
“Para mim não é estranho”, sublinha Auriol Dongmo, preocupada, isso sim, em treinar bem para chegar aos 18,50 metros e, assim, “fazer os mínimos” que garantam a qualificação directa para os Jogos Olímpicos de Tóquio, apesar de a presença estar dependente de uma autorização da federação internacional (IAAF) devido à recente naturalização.
Eliana vê Auriol como uma “referência” e sabe que poder treinar com ela “ajuda na evolução”. As duas até criaram uma espécie de regra procedimental para os diversos ambientes em que estão juntas. “Em treino, somos duas amigas. Em ambiente competitivo já não falamos muito, por respeito ao espaço e forma de estar de cada uma.”
De qualquer forma, são atletas com características “diferentes a todos os níveis”. “Uma é muito forte, lança em translacção, a outra é mais tecnicista e lança em rotação. Os índices de força não têm nada que ver e os planos de treino são completamente diferentes. Umas vezes treinam juntas, outras em separado intencionalmente.”
Paulo Reis considera que ter no mesmo grupo de treino as duas atletas é bom para ambas, até porque rivalidade não é sinónimo de hostildiade. “Ajudar, ajuda! Ao fim e ao cabo são rivais. Às vezes picam-se e tenho de se pôr um bocado de travão. A Eliana vai atrás e quer aproximar-se. A Auriol vai à frente, não tem em Portugal quem lhe faça frente e quer manter as distâncias”, sublinha o treinador.
Mas não é precisamente esse ambiente competitivo que ajuda à superação das lançadoras? Ganha a leoa e a águia também.