Num dia era presidente, horas depois passou a ser o chefe da secretaria. Ainda não eram 8:30 horas e Paulo Vicente já estava a passar os portões da sede do Agrupamento de Escolas de Vieira de Leiria. A entrada ao serviço é só às 9 horas. “Não quis chegar atrasado ou enganar-me na hora de entrada”, diz, em jeito de brincadeira.
No dia anterior, ainda tinha prestado declarações à comunicação social criticando a inacção do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. À noite, passou a pasta a Cidália Ferreira, que assumiu a presidência da Câmara Municipal da Marinha Grande.
Com uma diferença de pouco mais de dez horas, o senhor presidente passou a ser “apenas” Paulo Vicente, responsável pelos serviços da Administração Escolar. “Não sinto nada a falta de ser tratado por presidente. O Paulo sempre foi mais “importante” que o presidente da Câmara. Nunca confundi a função com a minha pessoa. Entrei de consciência tranquila e saí de consciência tranquilíssima”, revela no primeiro dia de regresso à vida civil.
Para o ex-presidente, “não são os lugares que fazem as pessoas, mas as pessoas que fazem os lugares”. “Por isso, quando exerci a função de vereador ou de presidente procurei ser sempre o mesmo”, sublinha.
À medida que chegam as colegas, sucedem-se os abraços, os beijinhos e muitos cumprimentos. Os elogios são rasgados. Numa secretária ainda com poucos papéis, Paulo Vicente volta a sentar-se na cadeira que tinha deixado vazia há oito anos.
Enquanto presidente da Junta de Freguesia de Vieira de Leiria nunca deixou a escola, o que acabou por suceder em 2009, quando o PS, encabeçado por Álvaro Pereira, venceu as eleições. O mandato foi renovado e Paulo Vicente manteve-se como vice-presidente, sendo surpreendido com o título de presidente meses depois, quando o autarca eleito renunciou ao cargo.
“Os cargos são transitórios. Não me candidatei e regresso às origens, ao meu posto de trabalho. Simples”, garante Paulo Vicente, afirmando que não sente falta do que deixou para trás. “Quando estou a exercer determinada função faço-o de alma e coração, a tempo inteiro. Esta função ficou em suspenso e agora regresso.”
[LER_MAIS] É uma reentrada sem passar por quaisquer dias de férias ou pausas. “Não tive férias este ano e já passaram. Hoje era para me apresentar ao serviço e cá estou eu”, afirma.
A recepção foi a “normal”, até porque nunca cortou os “laços umbilicais” que o ligam ao Agrupamento da Vieira de Leiria. “Apesar de não dar a atenção devida, porque a função em que estava absorvia-me por completo”, lamenta.
Paulo Vicente espera ter agora uma “vida mais calma”, embora admita que não vai deixar de “estar atento” ao que se passa à sua volta. Continua militante do PS e vai manter-se activo, mas sem qualquer objectivo de regressar à política. “Saio sem mágoas. Não me candidatei porque não quis. Espero e desejo que este mandato seja melhor do que aquilo que tive nestes quatro anos para bem dos munícipes”, frisa.
“Os últimos tempos não foram fáceis e nem tive tempo para pensar no que ia fazer a seguir. As pessoas não acreditavam que ia regressar ao meu posto na Secretaria, parece uma coisa estranha. Tenho os mesmos direitos e deveres dos outros funcionários públicos e se quisesse reformar-me teria as penalizações como qualquer outra pessoa de 62 anos”, revela.
Assume que é “novo demais” para se aposentar, apesar dos 46 anos de descontos. “Tenho vontade de continuar a trabalhar. Não vim aqui só para passar o tempo. Onde estou exerço a função com todo o profissionalismo e paixão”, reforça, ao informar que chegou à Escola Secundária José Loureiro Botas em 1986, entrando por concurso público.
Os anos absorventes que teve no executivo do Município da Marinha Grande fez Paulo Vicente “desligar” por completo da escola. “Mas sempre tive a convicção de que regressaria um dia.”
Com oito anos de autarquia e 28 anos de causa pública, o ex-presidente admite que poderá não voltar aos holofotes da política. “Não saí com mágoas ou com ressentimentos, mas com a observação que vou ter dos interesses e alguns – até inconfessáveis – que irão surgir ao longo deste mandato”, reforça.
Vida autárquica chega ao fim
Paulo Vicente, natural de Vieira de Leiria, tem 63 anos, 20 dos quais ligados à vida autárquica. Com o Curso Complementar dos liceus e formador do Ministério da Educação, foi vereador, vice-presidente e presidente da Câmara da Marinha Grande (2013/2017); presidente do Conselho de Administração da empresa municipal TUMG – Transportes Urbanos da Marinha Grande (2013/2017). No mandato anterior tinha estado também como vereador e vice-presidente da Câmara. Foi secretário da Junta de Freguesia de Vieira de Leiria (1990/1997) e presidente da Junta de Freguesia de Vieira de Leiria (1998/2009). Desde 1986 que é chefe de Serviços da Administração Escolar do Agrupamento de Vieira de Leiria.