Completou-se, esta segundafeira, um ano sobre as últimas eleições autárquicas que ditaram a substituição de metade dos presidentes da câmara do distrito, uns por força dos resultados, outros por vontade própria e outros por imposição a lei de limitação de mandatos.
Volvido um ano, o JORNAL DE LEIRIA foi perceber o que andam a fazer esses ex-presidentes, constatando que abraçaram projectos bem diferentes das lides autárquicas, dos negócios de fruta, à concepção de projectos e gestão de obras, passando pela administração de colégios privados e de meios de comunicação, até à consultoria jurídica e à formação na área do mar. Há também quem esteja a “gozar” a reforma.
Paulo Batista Santos, ex-presidente da Câmara Municipal da Batalha, é o único que se mantém, profissionalmente, em funções públicas, como primeiro secretário executivo da Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria.
No testemunho partilhado com o JORNAL DE LEIRIA, alguns dos antigos presidentes assumem ter “saudades” do contacto com os munícipes, mas reconhecem que a cessação de funções lhes trouxe “qualidade de vida” e disponibilidade para a família e para os hobbies que ficaram em pousio durante o período em que exerceram funções autárquicas a tempo inteiro.
“Vou agora mais vezes ao cinema numa semana do que durante os 16 anos em que estive na câmara”, constata Humberto Marques, que, nas últimas autárquicas, deixou a liderança do Município de Óbidos. Podendo concorrer a mais um mandato, depois de cumpridos dois como presidente e três como vereador, o engenheiro agrónomo decidiu sair pelo seu próprio pé.
“Mais do que saber entrar [na política], é preciso saber sair”, afirma o ex-autarca, alegando que não se recandidatou por uma questão de “honestidade intelectual”. Por um lado, porque entendia que já tinha dado o seu contributo à causa pública. Por outro, por considerar que são “necessárias pessoas novas” à frente dos destinos da autarquia, com “novas ideias e prioridades”.
Depois de deixar a câmara, Humberto Marques, hoje com 50 anos, assumiu funções na Granfer, empresa com sede em Óbidos que se dedica à produção, conservação e comercialização de fruta, cultivada em cerca de 550 hectares espalhados pelo País.
O antigo autarca é director de operações, fazendo a ponte entre a administração e a componente operacional da empresa. Entre as suas incumbências está a “captação de auto-financiamento” e o apoio ao desenvolvimento de novos projectos de inovação e desenvolvimento.
“Regressei a uma área que foi a minha primeira paixão e com a qual nunca deixei de contactar”, alega o engenheiro agrónomo, recordando que era neste sector que trabalhava antes de iniciar o seu percurso na política.
Reconhecendo que “em 16 anos muita coisa mudou” e que precisou de se actualizar para voltar à sua base profissional, Humberto Marques garante que “não houve arrependimentos” e que está “muito feliz” com a decisão que tomou. “Não só por mim, mas também pela população. O Filipe [Daniel, novo presidente] trouxe um novo empowerment ao concelho, dando atenção a áreas que, se calhar, antes não foram prioridade e que também precisavam de o ser”, realça o ex-autarca, assumindo “algum saudosismo”. “O bichinho está sempre lá. Nunca deixamos de estar atentos e de ter ideias e sonhos para o território.
Sem saudades das agendas preenchidas Quem também regressou à actividade profissional que tinha antes de entrar na política foi Célia Marques, que esteve 12 anos na Câmara de Alvaiázere, os primeiros seis como vereadora e os restantes como presidente. Ainda com possibilidade legal de concorrer a um terceiro mandato, optou por sair e voltar ao seu gabinete de arquitectura, actividade que desenvolve em paralelo com as funções de gestão na empresa de construção da família, que tem também negócios no ramo do imobiliário.
“Faço ainda acompanhamento de obras”, revela a arquitecta, de 44 anos, contando que a decisão de deixar a política se deveu essencialmente à necessidade de “dar continuidade” à actividade empresarial da família. “Era o momento de sair para poder contar com o apoio do meu pai na transição. Por outro lado, sempre tive consciência de que a vida autárquica é efémera e que, mais cedo ou mais tarde, o regresso à vida profissional tinha de acontecer”, sublinha Célia Marques, que da política diz ter “saudades das pessoas”, sobretudo daquelas com quem tinha contactos mais próximos e que, por força da mudança de vida, não são hoje tão frequentes.
Do que não tem saudades é da agenda preenchida, que lhe deixava pouco tempo para a família. “Não acompanhei muitas das actividades da minha filha. Hoje, ganhei proximidade à família”, constata Célia Marques. Só ainda não conseguiu retomar alguns hobbies, porque, entretanto, se inscreveu “numa série de formações para recuperar” o que perdeu, em termos profissionais, durante os 12 anos em que esteve afastada.
“Muita coisa mudou. Há novos métodos construtivos e novos processos. A gestão e acompanhamento de empreitadas numa autarquia é muito diferente”, salienta a ex-autarca, reconhecendo que a experiência na câmara lhe trouxe “crescimento pessoal”. “Aprendi muito. Trouxe-me maturidade para lidar com os problemas e para nos moldarmos às situações.”
Regresso após 25 anos de autarquia
Também Fernando Tinta Ferreira, que, no ano passado, perdeu as eleições em Caldas da Rainha, está de volta às funções que tinha quando, há 25 anos, entrou para o município, primeiro como adjunto do presidente Fernando Costa, depois como vereador e, finalmente, como presidente, cargo que ocupou entre 2013 e 2021.
Formado em Direito, Tinta Ferreira retomou actividade no ForMar – Centro de Formação para a Área do Mar, onde é quadro superior, desempenhando funções na delegação de Peniche. “Trabalho na área da promoção, desenvolvimento e coordenação de acções de formação”, explica, reconhecendo que, ao longo dos 25 anos em que esteve fora, “houve mudanças, do ponto de vista tecnológico e de processos”, mas “o objectivo final e a missão” do For- Mar mantém-se “semelhante”. Pelo que, a adaptação “não foi difícil”, diz o ex-líder do Município de Caldas da Rainha, que se mantém ligado à autarquia, agora na oposição, como vereador sem pelouros.
Na mesma situação está Alda Correia, antiga presidente da Câmara de Castanheira de Pera, também derrotada nas últimas autárquicas. Com um percurso de 37 anos na banca, optou por não regressar ao sector, retomando antes a sua ligação às empresas da família, com negócios nas áreas das escolas de condução, centros de inspecções e da comunicação social.
Com a morte do pai, em Março último, a empresária assumiu a gestão do jornal Ribeira de Pera, da Rádio São Miguel (Penela) e da Rádio Pampilhosa. Reconhecendo que a tarefa “não tem sido fácil”, porque era uma área que “não dominava”, Alda Correia diz-se “empenhada” em levar a tarefa por diante, com o objectivo de dar continuidade ao “projecto de vida” do pai, Fernando Correia Bernardo.
Parco em palavras sobre o seu percurso pós-autárquico, Paulo Inácio, que liderou a Câmara de Alcobaça durante 12 anos, adianta que retomou actividade num escritório de advogados, onde trabalha na área da consultoria jurídica.
Por seu lado, Diogo Mateus, que nas últimas eleições não tentou, por “vontade própria”, um terceiro mandato como presidente do Município de Pombal, mantém-se como presidente do conselho de administração da Fomento e da SOCEI, entidades que têm quatro colégios privados na região de Lisboa e em Gaia, cargo que começou a exercer em Julho do ano passado, razão pela qual deixou de desempenhar a liderança da câmara em regime de exclusividade. “Não tenho nenhuma saudade da política”, limitou-se a dizer o ex-autarca, de 52 anos, que somou 28 anos de actividade política, como presidente da Junta e da Câmara de Pombal e como vereador.
Valdemar Alves e Cidália Ferreira, que nas últimas eleições deixaram as lideranças das Câmaras de Pedrógão Grande e de Marinha Grande – o primeiro não concorreu e a segunda foi derrotada nas urnas – encontram-se aposentados.