Faz agora 17 anos que surgiu uma nova dupla de arbitragem nos campeonatos distritais de andebol. A estreia, num encontro de iniciadas femininas, até nem foi má de todo, mas ficou marcada pelo facto de um dos elementos se ter desequilibrado e caído de costas numa altura em que acompanhava uma jogada.
Foi um fartote, mas também um teste prematuro à resiliência dos dois rapazes. E eles sabiam bem o que procuravam.
A evolução foi brutal e passados seis anos já estavam a dirigir partidas da elite das elites. Na próxima semana, mais concretamente no dia 21, Eurico Nicolau e Ivan Caçador comemoram o 11.º aniversário da estreia na Liga dos Campeões masculina, num jogo entre o Bregenz e o Valladolid que terminou com um pouco comum empate a 35.
O número foi crescendo, crescendo e na semana passada chegaram a um redondo: 30 jogos. A partida, disputada na Polónia, entre o Wisla Plock e o FC Barcelona, fica como um marco, mas a dupla da Marinha Grande não pára e foi nomeada para mais um desafio na mais relevante e espectacular competição de andebol do planeta.
Já esta quinta-feira, dia 12, ao fim da tarde, vão dirigir dois nomes grandes da modalidade: os alemães do Rhein-Neckar Löwen e os croatas do Zagreb.
Abalo, Narcisse, Omeyer, Cupic, Vori, Rutenka, Lazarov, Sorhaindo, Jicha, Sigurdsson, Saric. Ao longo destes 11 anos, os Ronaldos, os Messis e os Buffons do andebol foram dirigidos pela dupla da Associação de Andebol de Leiria.
São momentos especiais na modalidade que os apaixona. Eurico e Ivan ficam naturalmente “deliciados” com as roscas de 90 graus, com os remates a mais de 100 quilómetros por hora e com as defesas em espargata. Muitas vezes até comentam pelo intercomunicador os momentos únicos que acabam de assistir “em plano privilegiado”.
Espectáculo
Pela qualidade dos jogadores, dos treinadores, pelo espectáculo dentro e fora do recinto, pelo próprio conhecimento que todos os agentes demonstram ter, fazer parte integrante da Liga dos Campeões é uma “honra”.
O último jogo que apitaram, entre o Wisla e o Barcelona, foi o espelho. “Com alguma diferença no marcador, mas o público, que enchia o pavilhão, sempre a puxar pela equipa, do princípio ao fim. É a verdadeira cultura desportiva”, nota Eurico Nicolau.
[LER_MAIS] É algo que, de resto, lhes “facilita o trabalho”. “O árbitro é mais um atleta em campo”, diz Ivan Caçador. “O nível de concentração não baixa. O público não atrapalha em nada, por estar exclusivamente concentrado em puxar pela equipa.” Também jogadores e treinadores “entendem melhor o erro, porque sabem que ele vai sempre existir”.
O trabalho de casa tem de estar feito, utilizando as ferramentas tecnológicas que têm ao dispor. “É fundamental conhecer os sistemas defensivo e ofensivo das equipas, a postura dos treinadores, identificar os jogadores problemáticos, os líderes, aqueles com quem temos de ter maior contacto visual para poder acalmar o resto do grupo, e até as estrelas. Pela postura, linguagem corporal e a maneira de os abordar em qualquer tipo de decisão que tomemos, ganhamos credibilidade na decisão e o jogo vai fluir.”
É para quem pode
O que é facto é que para chegarem onde chegaram tiveram – e têm – de “abdicar de muita coisa”, a nível pessoal, familiar e profissional. “Esta vida não é para quem quer, é para quem pode. Eu próprio já fiz a pergunta: como é possível dois miúdos da Marinha Grande, de um País onde o andebol não tem, infelizmente, uma expressão por aí além, estarem a liderar um jogo cheio de estrelas?”
Ivan Caçador lança a pergunta e dá a resposta. “Há quem diga que tivemos sorte, mas a sorte é a conjugação de dois factores: oportunidade e preparação. A oportunidade apareceu e nós estávamos preparados.”
O parceiro completa. “Foi estarmos no sítio certo, à hora certa, e agarrar as chances. Sempre que fomos a algum curso ou formação demos sempre o nosso melhor.” Orgulhosos do percurso dentro e fora das fronteiras, olham para o futuro com optimismo. “Queremos continuar onde estamos, no topo do andebol europeu.”