O transporte, dia sim, dia também, chega às oito e meia em ponto à porta do Casulo, onde Anna Sutherland está instalada.
Ela entra no veículo, que segue viagem para o Racket Sports Club de Leiria (RSCL), no Azabucho, Pousos. Aquele pedaço de paraíso forrado a campos de ténis é o local de trabalho diário para rapariga e de lá apenas sairá ao final da tarde, para descansar e ter aulas online.
Poder oferecer este tipo de serviços em Leiria é um sonho antigo de André Lopes.
Aquele que foi a maior promessa do ténis da cidade, medalha de prata no Festival Olímpico da Juventude Europeia, esteve nos últimos anos no Qatar como treinador de ténis e há coisa de um ano, quando regressou ao País, decidiu avançar com um projecto que fizesse de Leiria um destino para atletas de competição.
A academia internacional nasceu, por lá já passaram tenistas estrangeiros em estágio, até que há coisa de seis meses a miúda com ascendência na Escócia e em Taiwan decidiu assentar arraiais e beneficiar dos serviços oferecidos pela estrutura. Tornou-se, assim, na primeira atleta a tempo inteiro.
“Já conheço o André e a esposa Ekaterina há algum tempo. Conhecemo-nos no Qatar quando tinha 11 anos. Precisava de um novo lugar para treinar, pois o meu ambiente de treino não era saudável. Vimos que estavam a abrir a academia em Leiria, entrámos em contacto e ficaram felizes por me receber”, conta Anna Sutherland.
A tenista de 17 anos está em Leiria sozinha. “Moro longe da minha família desde os 12 anos, por isso estou acostumada. Ensinou-me a ser independente e a amadurecer. Os meus pais confiam muito em mim e é por isso que me deixam vir. Lembram-me sempre que me amam, me apoiam e que posso ir para casa sempre que precisar”, explica a tenista. Admite, porém, que a pandemia tornou “mais difícil” poder estar com entes queridos e às vezes sente-se “solitária”.
“Mas esta é a vida que escolhi e, tenho certeza, será solitária muitas mais vezes.”
Vida de profissional
“Tentamos que a academia internacional ofereça produtos diferentes”, atira André Lopes, treinador de Rui Machado quando, em 2011, este chegou a número 59 do ranking ATP. Para tal, criou um pacote onde constam os treinos de ténis e físico, acesso a fisioterapeuta e nutricionista, e também tem a opção de incluir alojamento e alimentação. “Um pai, que está longe, fica mais descansado e não tem de se preocupar com nada”, enfatiza o responsável pelo RSCL.
Anna treina ténis das nove às onze, depois físico até ao meio-dia. Almoça, descansa e arranca novamente para novo período de treino das duas às quatro e físico das quatro às cinco. Chega ao Casulo, onde tem “o seu grau de independência”, e “às seis está a meter-se online para estudar”.
[LER_MAIS]Ela e Júnior Ribeiro, o outro tenista a tempo inteiro na academia internacional, “fazem vida de profissionais”.
“É a tal possibilidade de ter algo deste género numa cidade pequena como Leiria que sempre acreditei que era possível e agora se confirma”, diz o treinador, ciente de que este caminho exige esforço e investimento dos mais novos e suas famílias.
“É um trabalho árduo e não tenho uma vida como a de uma adolescente normal, mas sabia que teria de me sacrificar se quisesse ser uma jogador de ténis profissional”, completa Anna Sutherland.
Inspiração
Não é menina para grandes saídas, até porque conhece poucas pessoas em Leiria, mas a cidade agrada-lhe sobremaneira. Gosta da tranquilidade e da segurança, de tudo ser próximo, mesmo assim prefere ficar em casa a assistir a filmes ou a ligar para as amigas.
“Sinto que está cómoda no dia-a-dia”, diz o ex-técnico nacional de Portugal e do Qatar, confiante de que a pupila está no bom caminho.
“Quer ser profissional, ver até onde consegue ir, e por isso está muito focada. Uma das mais valias que temos é a equipa técnica. Somos ex-jogadores que passaram o que eles agora passam e treinámos outros atletas que tiveram as mesmas dificuldades. Conhecemos o circuito, conhecemos as dificuldades que existem e as barreiras que existem. Poupamos tempo se eles não tiverem de fazer todos os erros que é suposto. Sabemos o que é preciso, não damos muitas abébias na qualidade do treino e no que têm de fazer se querem mesmo ser profissionais.”
É o facto de ser um clube “não ser gigante” que o torna tão atractivo e permite que “cada atleta tenha um tratamento individualizado consoante as qualidade e as necessidades que apresente”. “Agradeço muito o quão pequeno é”, sublinha Anna, se sente a “evoluir muito” e até já pensa em conseguir em 2022 o primeiro ponto para o ranking mundial e, no futuro, ser uma jogadora do top 50 mundial.
E quero inspirar as pessoas. Esse tem sido o meu sonho desde garota. Acho que o ténis pode dar a oportunidade de fazer isso.”