Vendas de dez milhões de euros no comércio, mais receitas na hotelaria e na restauração, investimento em novas unidades… o balanço da visita do Papa Francisco a Fátima ultrapassou as expectativas?
Não diria que ultrapassou, mas sim que encaixou nas melhores expectativas que tínhamos. Todos os hoteleiros esperavam que a taxa de ocupação fosse máxima. Ao contrário do que foi afirmado, não houve especulação generalizada dos preços na hotelaria. Do ponto de vista desta, diria mesmo que o impacto foi limitado, na medida em que todos os anos, no 12 de Maio, a hotelaria esgota. Para 2018, nessa data, também estará completa, o mesmo se esperando para 2019 e 2020. Nesta data, Fátima recebe pelo menos 100 mil pessoas e há apenas 15 mil camas, em toda a cidade e considerando todo o tipo de alojamento. O grande impacto positivo deu-se na organização, que foi impecável, todas as entidades responderam à altura. A experiência é reverberada positivamente e o efeito mediático e de afirmação de Fátima como destino de qualidade para o turismo religioso será fantástico, a médio e longo prazo.
É de esperar um aumento sustentável do número de visitantes a Fátima nos próximos anos?
Sim. Claro que não são apenas dois dias de exposição mediática que fazem com que Fátima se transforme automaticamente num destino sustentável. Há que trabalhar, e esse trabalho passa muito por o governo português aceitar que Fátima é uma grande âncora turística nacional, que tem um impacto positivo muito forte no País; passa por a Região de Turismo assumir Fátima como principal âncora turística de toda a região, sem qualquer tipo de comparação estatística com outro destino do Centro; passa por o município assumir o turismo como a grande actividade do concelho; e passa pelos empresários, que têm de se movimentar, visitar os seus clientes, promover as suas unidades. Cada um deles, ao fazer isto, está na verdade a promover o destino.
É administrador do Fátima Hotels Group, que faz a gestão comercial de dez unidades hoteleiras da cidade. Qual a vantagem de pertencer a esta marca?
A vantagem acontece ao nível da promoção internacional, já que 85% dos hóspedes da hotelaria de Fátima são estrangeiros. Também fazemos promoção interna, mas estamos permanentemente em viagens ao estrangeiro, em feiras… Uma das grandes forças é a capacidade de promoção, que seria impossível para um hotel isolado. Temos uma central de reservas que funciona em horários alargados, com pessoal especializado e qualificado, com sistemas informáticos e tecnologias em que investimos nos últimos anos. A maioria das unidades hoteleiras não poderia ter um departamento de reservas com estes meios. Este tipo de investimento só é possível quando há escala. Outra das vantagens prende-se com as sinergias possíveis pelo facto de se conhecer o stock de todas as unidades hoteleiras agregadas. Se alguém contactar a Fátima Hotels com um pedido para a unidade A e se esta estiver completa, dispomos imediatamente da unidade B ou da C para apresentar. Um operador que nos contacte à procura de uma solução em Fátima faz apenas um contacto e nós apresentamos dez soluções. Isto numa altura em que não há tempo, em que os operadores têm de desenhar operações em tempo recorde, é uma vantagem. Por outro lado, temos desde hotéis mais concorrenciais até unidades mais up scale e até unidades para nichos. Esta amplitude e versatilidade da nossa oferta faz com que muitos operadores olhem para nós como a solução em Fátima.
Na cidade há várias dezenas de hotéis. Por que é que não há mais no grupo?
A Fátima Hotels Group é uma empresa detida pelos hotéis, que são ao mesmo tempo sócios e clientes. Foi crescendo de forma orgânica, naturalmente. Começou com duas unidades, juntaram-se-lhe mais tarde outras duas e de forma muito natural foram-se adicionando unidades. Não fazemos um esforço de vendas para captar mais hotéis. Por outro lado, é preciso ter uma cultura muito aberta para pertencer ao grupo. Tem de haver um nível de confiança muito grande e por forma a que isso aconteça temos sistemas informáticos que permitem que cada uma das administrações dos hotéis fiscalize a actividade do grupo e dos outros hotéis. Portanto, de alguma forma, as unidades estão a abrir os seus livros. Não a forma de operar, que continua a ser independente, nem a sua filosofia de trabalho, na qual não nos imiscuímos – cada hoteleiro manda na sua casa – mas a parte comercial é comum e visível a todos. Nesse sentido, é preciso ter uma visão muito aberta, que não é comum em Portugal, sequer. Por isso esta solução não é facilmente replicável.
Fátima é o 'Altar do Mundo', como a Igreja diz, mas é também um enorme centro de negócios…
[LER_MAIS] Obviamente que a actividade em Fátima tem um impacto económico brutal, aqui e em toda a região. É geradora de emprego e cria riqueza, isso não pode ser negado. Da mesma forma que outros destinos turísticos em Portugal. Há que sublinhar que a maioria das empresas de Fátima são pequenas e familiares. O negócio de artigos religiosos é um exemplo. São normalmente as famílias detentoras das lojas que nelas trabalham. Se não o fizessem estariam a trabalhar na agricultura ou teriam emigrado. Fátima permitiu fixar população, salvou esta região da desertificação. Deu às pessoas um futuro, mas não o futuro megalómano que às vezes se quer fazer acreditar. Sem dúvida que é criada riqueza em Fátima, mas há uma grande distribuição dessa riqueza, por centenas e centenas de famílias, que têm os seus pequenos negócios. Não são propriamente pessoas que vivem em palácios.
A falta de mão-de-obra, qualificada e não só, continua a ser um problema na hotelaria em Fátima?
Na hotelaria em Fátima não há desemprego e sente-se dificuldade em encontrar pessoas qualificadas. A Escola de Hotelaria tem sido extraordinária e tem dado um apoio fortíssimo às empresas. Existem constrangimentos que têm a ver com o facto de não haver população, de haver um boom turístico que não é apenas local, o que faz com que muitos dos que se formam ou trabalham cá encontrem oportunidades de ir para fora, onde porventura as ofertas salariais serão melhores. Essa dificuldade de captar população sem ser pela via do trabalho prende-se com o facto de ainda haver muito a fazer ao nível da qualidade de vida. Fátima não tem dimensão para exigir determinados equipamentos, mas também não é tão pequena que possa não os ter.
Além das unidades hoteleiras privadas, há em Fátima muita oferta de alojamento por parte de instituições religiosas. São concorrentes directos, parceiros, ofertas complementares?
São ofertas complementares. A hotelaria tem vindo a apostar na qualidade do seu alojamento. Oferece um nível de serviço que não tem nada a ver com a oferta de camas da maioria das instituições, que são casas que fazem retiros e que também aceitam reservas para pessoas que pernoitam em Fátima, mas que têm um nível de serviço diferente, alojamento mais austero, com refeições mais frugais. Mais do que não concorrerem directamente com os hotéis, são extremamente úteis, porque Fátima não é um destino de turismo baseado meramente na visita ao património ou à arquitectura. O que faz as pessoas meterem- se num avião e fazer viagens de 20 horas até Fátima é a fé. Não é o trabalho da Câmara Municipal, da Aciso ou do Turismo do Centro ou do próprio Governo que promove verdadeiramente Fátima. O que o faz é a fé e a forma como a imagem de Nossa Senhora é percebida por todos os católicos que acreditam em Fátima por esse mundo fora. Essas casas trabalham essencialmente com estas pessoas, que são a alma de Fátima. Os hotéis também trabalham com peregrinos, mas igualmente com muitas pessoas de um turismo religioso que se aproxima muito do cultural. Pessoas que vêm a Fátima porque há uma espiritualidade forte, mas que não são peregrinos no sentido mais puro do termo. Fátima tem sempre de preservar a alma e as condições que devem ser oferecidas aos peregrinos puros, que eventualmente tenham menos capacidade financeira para pernoitar, que fiquem mais noites para fazer retiros, para viver Fátima com uma intensidade espiritual que não é comum a toda a gente. Se essa dimensão espiritual for retirada, Fátima passa a ser apenas mais um destino com uma arquitectura distinta.
A taxa de ocupação em quase todo o território é um desastre
Quem visita Fátima nem sempre fica na região mais do que um ou dois dias. O que fazer para fazer subir a taxa de ocupação?
Ela tem vindo a subir e acredito que em 2017 seja na ordem dos 50%. Em 2015 estava abaixo dos 30%. Mas existem de facto problemas graves, que passam por duas questões. A primeira é a taxa de conversão. Fátima tem seis milhões de visitantes por ano, mas é preciso que estas visitas se transformem em dormidas. Os sete milhões deste ano vão gerar cerca de um milhão de noites de dormida. Ou seja, 10% das pessoas ficam, uma ou mais noites. Sobram seis milhões que visitam Fátima mas não ficam cá. Temos de fazer um esforço para que fiquem. Para isso é precisa uma comunicação forte, que se deve centrar num evento regional muito forte, que é a procissão das velas. É um evento diário, impactante, que não tem nenhum custo para o contribuinte, e que não é promovido. Depois, há que tentar promover eventos, em Fátima ou na região, que criem qualquer coisa para fazer. Os eventos nocturnos são fundamentais para transformar a visita em estadia. Há também que trabalhar no aumento da estadia média, que é de 1.7. Aumentá- la só se consegue através da comunicação da escala do destino. Ou seja, não se pode comunicar apenas Fátima, é preciso comunicar toda a região. É um absurdo pensar que só Batalha, ou só Alcobaça ou só Leiria conseguem fazer com que as pessoas fiquem mais do que uma noite. Ficarão se tiverem algo que fazer na região que as obrigue a ficar. Mas não se podem desperdiçar recursos e cada um comunicar a sua cidade. Arriscamos a que não seja eficiente, por falta de escala. É preciso que as entidades percebam que é necessário comunicar em conjunto os eventos e a escala patrimonial da região, para que se perceba que este é um destino com densidade turística que justifica que as visitas se transformem em noites dormidas e que as estadias mais curtas se transformem em mais longas.
A sazonalidade é outro problema…
Tem vindo a melhorar. Não é um problema só de Fátima. Tanto a taxa de ocupação de Fátima, que tem sido na ordem dos 30%, como os níveis de sazonalidade, têm sido muito comuns a todo o território, excluindo Lisboa, Porto e Algarve. Quando dizemos que a taxa de ocupação em Fátima é um desastre estamos a ser pouco precisos. A taxa de ocupação hoteleira em quase todo o território nacional é um desastre. Temos uma coisa extraordinária que nos permite reduzir a sazonalidade, que é o facto de a maioria dos clientes do destino Fátima serem internacionais. Temos 1200 milhões de católicos em todo o mundo que são o nosso target. É um número impressionante de potenciais clientes, espalhados por zonas de elevadíssimo crescimento económico.
Olhando para alguns dos materiais de promoção de entidades com responsabilidades na área do turismo é possível perceber que nem sempre Leiria tem o mesmo destaque que outras localidades da região Centro. Como comenta?
Não há muitas marcas com capacidade para se imporem de forma isolada no mundo. Na nossa região, Fátima é muito forte, mas apenas no mundo católico. Tem um impacto internacional extraordinário. Depois temos o património da UNESCO, que do ponto de vista turístico é mais comercializável precisamente devido a esse selo. Têm de ser escolhidas âncoras com força para serem apresentadas, e essas são as marcas com força para serem reconhecidas. É impossível comunicar 100 municípios lá fora. Mas comunicar mais pequeno perde escala. É um problema que não é de simples resolução. Claro que pode haver destinos importantes de promover de per si. Mas as âncoras são as âncoras.
Da banca de investimento à gestão hoteleira
Alexandre Marto Pereira nasceu em Fevereiro de 1974 no seio de uma família de pequenos hoteleiros de Fátima. Licenciado em gestão pela Universidade Católica Portuguesa, iniciou a carreira em Lisboa em 1997, no banco de investimento Alves Ribeiro. Há oito anos regressou a Fátima e aos negócios familiares.
Com dois hotéis, a família percebeu que investir em mais unidades não fazia sentido – “há um excesso de oferta em Fátima, que leva a que as taxas de ocupação sejam historicamente baixas” – mas que era preciso requalificar e estabelecer parcerias para criar sinergias. Nascia assim aquele que viria a ser o Fátima Hotels Group, de que é administrador.
Alexandre Marto Pereira é ainda vice-presidente da Aciso, membro da direcção da Agência Regional de Promoção Turística do Centro de Portugal e membro do conselho de marketing da Turismo Centro de Portugal. Reconhece que o facto de os nomes das entidades serem muito parecidos, e de o presidente ser o mesmo (Pedro Machado), “gera confusão”, até porque há pontos em que a actividade de ambas se toca.