É um homem da Marinha. Portugal tem sabido aproveitar a sua proximidade com o mar?
Sou, de facto, um marinheiro, mas, neste cargo, sou ao mesmo tempo soldado e aviador. Procuro ser um chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas que trata os três ramos por igual e com grande equidade e respeito institucional. O facto de ser marinheiro facilita-me alguma coisa, pelo conhecimento que tenho das questões do mar, mas não é isso que dá relevância àquilo que digo sobre a importância do mar para Portugal. Desde muito jovem que decidi fazer também carreira académica, o que me permitiu desenvolver investigações e trabalhos que enriqueceram o conhecimento que tenho do mar e da sua relevância para o País. Por outro lado, estive 11 anos no Instituto Hidrográfico, o que me deu uma visão científica do mar. Depois, fui para o Estado- Maior [da Armada], experiência que me proporcionou a visão estratégica do mar. As muitas intervenções sociais que tenho feito têm-me proporcionado a compreensão da economia do mar, das questões culturais e ambientais relativas ao mar e das questões políticas das fronteiras marítimas.
Há muito que se fala da importância de nos virarmos para o mar, mas ainda não estamos suficientemente conscientes e despertos para o relevo que o mar pode ter na economia e na vida do País.
Sem dúvida. Afastámo-nos muito do mar. Após o 25 de Abril, ficámos fascinados pelos recursos financeiros vindos da Europa e tornámo-nos míopes em relação à importância do mar para Portugal. É preciso afastar essa miopia e voltar a debater o mar, mas de forma ampla e não apenas sectorialmente. Era fundamental criar nas nossas universidades um curso de estudos marítimos, mas na óptica das ciências sociais, porque estas dão-nos o entendimento global do mar. Além disso, é preciso começar a ensinar o mar às crianças, desde a escola primária, e explicar aos portugueses a necessidade e utilidade que eles têm do mar. Temos de criar uma mentalidade marítima, que falta hoje aos portugueses.
Mas dizemos que somos um povo marítimo…
Pois, dizemos. Estamos, à beira-mar, mas não temos mentalidade marítima. Ela esbateu-se muito com o fascínio pela Europa. O nosso País progrediu muito depois do 25 de Abril, fruto desta ligação à Europa. Todavia, ela não implica que nos afastemos do mar. É preciso voltar a juntar o mar à Europa. E, para isso, devemos começar desenvolver em Portugal uma cultura e uma mentalidade marítimas, sem as quais nem sequer entendemos o mar nem a utilidade dele. [LER_MAIS] Devemos transpor o projecto que D. Dinis delineou no século XIV para tornar o País numa grande potência marítima. É seguir esse exemplo e adaptá- lo à realidade do século XXI. Se fizermos isso, o mar vai transformar- se novamente num factor de desenvolvimento e de segurança para o País. Se o não fizermos, continuaremos a adiar o nosso futuro, porque é no mar que estão os recursos estratégicos que Portugal não tem em terra. Por outro, é pelo mar que virão as ameaças e os desafios que afectarão a nossa segurança.
"Nunca tive outra vocação que não fosse a de ser oficial da Marinha"
O seu avô materno, foi sargento da Marinha. Que influência teve ele na escolha de seguir a carreira militar?
Teve uma influência verdadeiramente decisiva. Entre a escola primária e a casa dos meus pais ficava a linha de comboio. Para eu não atravessar tantas vezes a linha, ia almoçar a casa dos meus avós, que viviam na vila [elevação de Pombal a cidade só aconteceu em 1991]. O meu avô era uma pessoa muito formal e austera, mas os almoços com ele eram verdadeiras lições de vida e de história. Falava-me também da Marinha e das experiências dele a bordo dos navios. Por outro lado, a casa dele era um pequeno museu, cheia de quadros e de outras peças e recordações que trouxe das comissões e viagens que fez. Tudo isto gerou em mim um fascínio enorme, que me fez vir para a Marinha. Nunca tive outra vocação que não fosse a de ser oficial da Marinha. Isso não me impediu de, em paralelo, ter desenvolvido uma carreira académica. Tenho uma mente inquieta. Estou sempre à procura de outras coisas, de saber mais, de aprofundar os conhecimentos.
Que recordações guarda da infância vivida em Pombal?
Recordo uma vila rural, muito tranquila, onde as pessoas se conheciam todas. Havia uma convivência muito fraterna e sã entre os habitantes. Tive uma infância extremamente feliz também por causa disso. Recordo com especial carinho as escolas que frequentei, a começar pelo jardim-escola, a Casa da Criança. Tive três professoras fantásticas. Foi aí que aprendi a ler e a escrever. Já tínhamos professora de música e piscina. A educação que recebi nos primeiros anos, na Casa da Criança, foram as fundações da minha vida.
Seguiu depois para a escola primária, onde entrou directamente para a segunda classe.
É verdade. O professor Vitorino, um docente com grandes qualidades pedagógicas, criou condições para reconhecer que eu sabia ler e escrever. Feita a instrução primária, fui para o colégio do Doutor Saul.
Vai com regularidade a Pombal?
Não tanto como desejaria. Aproveito as minhas deslocações para o Norte para parar em Pombal, onde ainda tenho meu pai, que vai a caminho dos 90 anos. Páro para almoçar ou jantar com ele. É o tempo que tenho para ir a Pombal. Tenho saudades da minha terra e dos meus amigos.