A construção da Linha de Alta Velocidade (LAV) entre Lisboa e Porto provocará alterações significativas nos mercados de trabalho, do imobiliário e do turismo das regiões abrangidas. De tal forma, que as actuais duas áreas metropolitanas do País poderão fundir-se numa só, a Atlântica, que abarcará também Leiria, Coimbra e Aveiro.
A convicção é de Manuel Tão, especialista em transportes e planeamento regional, e foi expressa na intervenção que fez no VIII Fórum da Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria (CIMRL), organizado pelo JORNAL DE LEIRIA, no qual ficou patente a divisão de opiniões em torno das soluções que estão em cima da mesa para a estação que servirá a alta velocidade em Leiria: construir uma nova estrutura, na Barosa, ou adaptar a actual à alta velocidade.
Certo é que ambas terão vantagens e inconvenientes, concordaram os intervenientes no debate, que também foram unânimes em considerar que este é um investimento estrutural para o País e para a região.
Investigador na Universidade do Algarve, Manuel Tão acredita que a LAV, que colocará Lisboa e Porto a menos de 80 minutos de viagem (sem paragens) ou a 1:35 horas com quatro paragens (Leiria, Coimbra, Aveiro e Gaia), representará uma oportunidade para “termos um território novo, uma área metropolitana Atlântica”, com uma “revolução grande” nos mercados de trabalho, imobiliário e turismo.
Também o arquitecto Pedro Trindade está convicto que este tipo de investimento será impactante no território. “Auguro o melhor futuro para Leiria. Acredito convictamente que, em torno da LAV, se afirmará uma rede de cidades medianas muito forte e capaz de polarizar investimento”, em que cada uma “desempenhará o seu papel”, perspectivou, sublinhando ainda o “potencial agregador e multiplicador” da instalação de uma estação para a alta velocidade em Leiria.
A esse propósito, Pedro Trindade defendeu o aproveitamento da estação actual, “não só por questões ambientais”, mas também por proporcionar a “reconversão do que já existe” em vez de “arrasar” a zona florestal da Barosa onde se prevê a construção da estação.
Mais cidade ou mais região?
O presidente da Câmara de Leiria, Gonçalo Lopes, confessou sentir-se “dividido”, antevendo que a ‘solução Barosa’ servirá melhor a região, enquanto a opção Leiria-Gare beneficiará mais a cidade. “A questão é se queremos mais cidade ou mais região”, alegou.
Já o presidente da Câmara da Marinha Grande, Aurélio Ferreira, assumiu que para o seu concelho a localização da estação é mais ou menos indiferente. “Tão depressa chegamos a Leiria ou à Barosa, desde que tenhamos acessibilidades e ligações que hoje não temos”, sustentou o autarca, que lamentou o facto de o município ainda não ter sido chamado a pronunciar-se sobre o projecto da alta velocidade.
Quem já se pronunciou sobre o processo foi a União de Freguesias de Marrazes e Barosa, que, num parecer emitido há alguns meses, defendeu a construção de uma nova estação na Barosa. No entanto, no VIII Fórum CIMRL o presidente da junta, Paulo Clemente, não foi tão peremptório. “Não devemos deixar de estudar as duas opções. Temos de ter uma estação em Leiria e aguardar pelos pareceres e pelo Estudo de Impacto Ambiental.”
Sem ter uma posição fechada em relação à localização da estação para servir a alta velocidade, João Pedro Silva, docente do Politécnico de Leiria especialista em mobilidade, frisou que a paragem na Barosa implicará “uma perda de tempo de cinco minutos”, enquanto com a ‘solução cidade’ a viagem demorará “mais 13 minutos”.
“Estes oito minutos de diferença podem implicar que haja menos comboios a parar se a opção for pela actual estação”, advertiu aquele investigador, convicto que, independentemente, da localização da estação, a LAV “vai mudar a mobilidade” e ter reflexos, não só no mercado imobiliário, mas também no turismo.
Visão diferente tem Pedro Trindade, que considera que os preços das viagens no comboio de alta velocidade “não darão para ter um regime pendular” de viver em Leiria e trabalhar em Lisboa, “mesmo com o teletrabalho”. “Terá impacto em determinados segmentos, mas não creio que venham a inverter a dinâmica imobiliária”, disse.
Exemplos em Espanha
A partir da comparação com a LAV entre Madrid e Barcelona, que tem vários modelos de estação – umas dedicadas apenas à alta velocidade e outras em que há partilha com a ferrovia tradicional, umas dentro e outras fora da cidade – Manuel Tão admitiu que a solução adoptada em Lérida se poderia ajustar a Leiria. “Tem uma linha para a alta velocidade ao largo da cidade para os comboios que não páram e outra que vai à cidade [onde fica a estação] em partilha com a ferrovia convencional”, explicou.
Segundo este especialista em transportes, “pegar” na actual estação tem vantagens de “sustentabilidade” no uso do solo, porque se intervém numa zona já ocupada. Em contrapartida, tem impactos negativos associados à construção de ramais de acesso para servir a LAV.
Para ilustrar a ‘solução Barosa’, Manuel Tão referiu o exemplo de Camp de Terregona. Aqui, a opção foi construir a estação para a alta velocidade em meio rural, entre duas cidades, que serve também a ferrovia convencional, em redor da qual “ainda não existe qualquer estrutura empresarial”.
“É uma solução idêntica à que se defende para a Barosa, que poderá potenciar a criação de um parque de empresas, uma nova centralidade e novos padrões de mobilidade”, referiu o investigador, que defendeu também a necessidade uma “transversal” entre as linhas do Oeste e do Norte, entre Caldas da Rainha e Entroncamento, com ligação à alta velocidade. Caldas da Rainha ficaria, respectivamente, a 40, 45 e 60 minutos de Abrantes e de Coimbra, de Lisboa e do Porto.