O que o levou a aceitar o convite do Bloco de Esquerda (BE) para ser candidato à Câmara de Leiria?
Começou com um processo desenvolvido pelo BE de convidar pessoas de várias áreas profissionais e sem filiação partidária, para discutir uma espécie de programa de cidadãos para a Câmara. Fiz parte do grupo da cultura, onde se criaram dinâmicas muito interessantes. A estratégia do BE para as autárquicas passa por integrar independentes nas suas listas. Foi assim que surgiu o convite que me fizeram. Não foi fácil decidir. Mas depois pensei: porque não?
Afirmou, durante a apresentação da candidatura, que pretende dar novos contributos para “fazer de Leiria um sítio melhor para viver”. Do que precisa Leiria para ser um sítio melhor?
Não me estou a referir a coisas materiais. Falo mais da falta de participação activa das pessoas na construção do seu ambiente material e não só. É necessária uma maior democratização da governação, com um grande envolvimento dos jovens. Esta envolvência proporciona um fervilhar de ideias, mais ou menos disparatadas, mais ou menos sonhadoras. O ser 'melhor' não implica mais uma obra ou a construção de um outro equipamento. O melhoramento físico é evidente e óbvio. Falta uma melhor vivência “espiritual” da cidade.
A falta de participação é culpa das pessoas, do poder ou de ambas as partes?
É um problema complexo e não é exclusivo de Leiria ou de Portugal. Há um afastamento notório dos jovens. Sendo culpa das pessoas, com a adopção de uma postura do “quero lá saber”, a autarquia também não incentiva o debate e o envolvimento. Leiria está cheia de eventos e de iniciativas promovidas por associações, mas falta um envolvimento geral das pessoas. Uma das funções da Câmara é proporcionar o debate, por exemplo, em torno da política cultural e da estratégia de envolvimento, nomeadamente, dos jovens. Leiria tem cerca de dez mil estudantes do ensino superior. É um potencial incrível. Por que é que eles não participam na vida da cidade, além da ida aos bares? Muitos vivem agarrados a uma realidade virtual, mas também porque a realidade real não tem muito para lhes propor. Uma câmara devia ter uma estratégia de envolvimento.
Que nota dá ao trabalho da equipa liderada por Raul Castro?
Detesto dar notas. É a pior parte do meu trabalho como professor. A avaliação é positiva. Seria desonesto da minha parte dizer o contrário. Há uma coisa que me desagrada muito, embora este executivo não seja do pior, que é o transformar a câmara numa gestora financeira, que usa o pragmatismo como álibi. Considero-me uma pessoa pragmática, mas o pragmatismo sem sonho e sem visão é uma seca, como diriam os meus alunos. É vital haver uma dose de loucura saudável. A gestão de uma câmara tem de ser criativa. Tem de ter visão e coragem, sair da caixa. A componente financeira é importante, mas não pode ser uma obsessão. Uma Câmara não é um banco ou uma empresa. É a expressão máxima de uma vontade colectiva, não do voto, mas de onde e como queremos viver. A este executivo falta a saudável dose de loucura, associada ao ter sonho e visão.
E na área da cultura, aquela onde tem feito carreira, como avalia a política da Câmara?
Não tenho problema em reconhecer que, comparando com o passado, está melhor. Há agora uma tentativa de fazer coisas. Nunca se falou tanto de cultura como agora. O tema já entrou no imaginário e no discurso político. Isso é positivo, mas ainda não é ter uma política cultural.
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O que falta para se poder falar em política cultural?
Tal como na política em si, quando falamos em política cultural não é para um ou dois anos nem mesmo para um mandato. Trata-se de ter uma estratégia a longo prazo. Política cultural não é só a criação de eventos nem de espaços físicos. Ao nível de instalações, Leiria até está bem equipada. O problema está em dar alma a esses equipamentos, não com um evento, mas com actividade contínua. Fazer uma residência artística é bom. Mas, e depois? Uma política cultural implica uma estratégia de longo prazo, que não se esgota num mandato nem em decisões camarárias. Temos de envolver toda a sociedade. Para isso, temos de criar 'escolas de espectadores', de criação de públicos. Mais uma vez, os jovens têm uma importância fulcral. A cultura é algo que vive da expressão, do debate.
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