Deram os seus primeiros passos na política quando o próprio País aprendia a respirar em liberdade. A propósito do Dia Internacional da Democracia, que se assinalou esta quarta-feira, o JORNAL DE LEIRIA foi ao encontro de alguns históricos do poder local da região que, ao longo de décadas, têm servido a causa pública nas câmaras, juntas e assembleias municipais. Partilham memórias felizes, vitórias alcançadas, mas também mágoas e desilusões.
Tem 71 anos, 40 dos quais vividos como autarca, conta Fernando Vitorino, deputado na Assembleia Municipal de Alcobaça pelo PSD. Depois de regressar do Ultramar, sentia-se revoltado com o rumo que do País tomara e que tinha atirado para a sepultura tantos homens que com ele haviam combatido. Por outro lado, depois de ter conhecido Lourenço Marques, uma cidade que parecia ter sido “desenhada a régua e esquadro”, sentia vontade de transformar o lugar onde nascera, Martingança-Gare, numa zona igualmente bonita.
Em 1976, já fazia parte das comissões de moradores, que posteriormente viriam a resultar nas assembleias de freguesia. E, em 1981, como tesoureiro na Junta de Pataias, em substituição do presidente, começou a participar nas sessões da Assembleia Municipal (AM). “Desde então, só não estive na assembleia durante o primeiro mandato de Gonçalves Sapinho. Foi no período em que fui o número sete na câmara.”
Recusa ser apelidado de “dinossauro da política”, porque nunca se serviu dela. “É precisamente ao contrário. Geria 22 trabalhadores numa empresa de mármores e, no meio de tanta responsabilidade, fazia 50 quilómetros no meu carro para ir e vir das sessões da assembleia.”
“Numa altura em que a Martingança não tinha quase nada, a ambição era acabar com a terra batida, ter luz, água e saneamento”, conta. Ensino, educação ou desporto foram áreas onde a localidade se desenvolveu. Mas não o suficiente para travar um problema que persiste: a saída dos jovens para centros urbanos.
Mágoas? Sim. Lutou nos anos 80 pela constituição da Junta da Martingança que, em 2013, “[Miguel] Relvas embrulhou em Pataias, com a criação da União de Freguesias”, lamenta Fernando Vitorino, que este ano não se recandidata, porque, defende, é preciso dar oportunidades aos jovens.
Aprender todos os dias
São 42 anos de vida autárquica, contabiliza Saul Fragata, natural de Vieira de Leiria e deputado da CDU na AM da Marinha Grande. “Fui deputado pela primeira vez em 1979. Só deixei de o ser entre 2013 e 2017, quando estive na Assembleia de Freguesia de Vieira de Leiria. Aí, não fui eleito, mas estive quase sempre presente em substituição de outro elemento”, explica o comunista, que acabou por regressar à AM nos quatro anos seguintes. E é para este órgão que volta a concorrer nas [LER_MAIS]presentes autárquicas, ocupando o 11.º lugar na lista da CDU.
“O meu pai era operário vidreiro, tinha convicções de liberdade e grande consciência de classe”, explica Saul Fragata, que absorveu essa postura. Após o 25 de Abril, esteve como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos e foi construindo a sua “consciência e formação política”.
“Ganhámos liberdade de expressão, de associação, de constituição de partidos políticos, mas ainda falta criar regiões administrativas”, analisa Saul Fragata, reconhecendo que a política tem-lhe permitido aprender todos os dias, sendo que, comunicar directamente com as massas, mobilizá-las, tornou-se uma paixão.
Inicialmente, também verificava “mais disponibilidade das pessoas, nos bairros, nas empresas, para participar na vida política e de militância. Hoje, fazer militância tendo um vínculo de trabalho precário pode criar dificuldades”, compara.
Perigo do extremismo
Vereador independente na Câmara da Nazaré, eleito pelo PSD, António Trindade despede-se no final deste mandato das lides de autarca, aos 71 anos, depois de um longo percurso que iniciou aos 25. Em tempos de fascismo, a vida política pouco lhe dizia, até porque de forma nenhuma podia expor as suas ideias. Adquiriu algum gosto pela causa pública durante a campanha de Humberto Delgado, recorda.
E, na fase que sucedeu imediatamente ao 25 de Abril, integrou barricadas de oposição ao contra- golpe.
Mas foi em 1975/76, regressado da guerra no Ultramar, que começou o trajecto de autarca propriamente dito, como tesoureiro na Junta da Nazaré. Desde então, nunca mais parou, à excepção de uma travagem forçada de alguns meses, quando, juntamente com mais seis elementos do PS, foi expulso do partido, no momento em que ainda estava a ser construída a lista para a câmara.
Deixou de ser militante no início dos anos 90 e, desde então, tem concorrido sempre independente. Congratula-se com o facto de os independentes terem conseguido trazer “ar puro” à cena política da Nazaré.
Contudo, revela-se pessimista quanto ao futuro da democracia. “Estamos cada vez mais confrontados com maiorias, que rapidamente se podem tornar em ditaduras. Em Portugal, há pessoas desiludidas, que estão a refugiar-se no extremismo, o que é altamente negativo para a democracia.”
Pecados do poder local
Corria o ano de 1979, quando António Pires, então com 20 anos, integrou, pela primeira vez, uma lista à Junta de Freguesia de São Pedro, em Porto de Mós, convidado pelo tio Joaquim Vala. Seguiram-se 42 anos ininterruptos de vida autárquica, como membro e presidente daquele órgão e como elemento das assembleias de freguesia e municipal.
“Entrei quando me convidaram e saí quando quis”, diz António Pires, bancário de 62 anos, que se irá retirar agora da vida política, “por vontade própria” e com a sensação do “dever cumprido”.
Do baú de memórias, o social-democrata recorda um périplo pelas freguesias realizado, na década de 90, por Gomes Afonso, então presidente da câmara, onde constatou, no terreno, “a enorme diferença entre viver na sede de concelho e nos lugares à volta e na zona da serra”, ao nível da qualidade de vida e de infra-estruturas básicas.
“Já passaram 30 anos e vários executivos e só agora algumas aldeias do concelho vão ter acesso à rede pública de água”, frisa António Pires, enaltecendo o papel que o poder local desempenhou na melhoria das condições de vida das populações. Há, no entanto, uma mágoa que guarda e que se prende com a “falta de estratégia e de planeamento” por parte das autarquias.
“Muitas vezes, os projectos fizeram-se ao sabor da disponibilidade dos fundos comunitários. Foi o que correu pior”, defende o ainda deputado municipal, que aponta a unificação das freguesias de São Pedro e de São João Baptista, concretizada em 2013, como um dos momentos mais marcante da sua vida de autarca.
“Fez-se justiça ao fim de 25 anos”, diz, referindo-se à tentativa falhada que já tinha existido para juntar as duas freguesias da sede de concelho, que meteu um referendo “ilegal” e uma acalorada sessão da Assembleia Municipal.
Naquela altura, “funcionaram os caciques. Agora, deu-se primazia ao interesse público e o processo foi pacífico”, compara o deputado, que se prepara para deixar a política activa, com a promessa de continuar atento ao que se passa no seu concelho, “com sentido de cidadania”.
Palco de reivindicação
Formado em Ciências Farmacêuticas, com especialização em análises clínicas, Paulo Pedro nunca tinha tido qualquer actividade política no currículo quando, em 1989, Cândido Ferreira o convidou para ser o candidato do PS à Junta do Coimbrão.
“Não tinha grande expectativa, porque a freguesia votava tradicionalmente no PSD. Mas trabalhei muito com o objectivo de conhecer afincadamente a freguesia e os seus problemas”, recorda.
A estratégia resultou e, com apenas 27 anos, foi eleito presidente da junta, renovando o mandato por mais três vezes, ocupando também, por inerência, lugar na AM de Leiria, que, nesses tempos, “era um palco de revindicação” para os autarcas de freguesia.
“Ainda havia muito por fazer em termos de infra-estruturas. Os presidentes aproveitavam para pedir obras para as suas populações. Hoje, isto está mais esbatido e temas como o ambiente e a floresta entraram também nos discursos”, constata Paulo Pedro, que, nestas eleições, volta a integrar a lista do PS à AM de Leiria.
O candidato socialista recusa, contudo, o rótulo de dinossauro da política, assegurando que trabalhou “sempre em prol dos outros, tentado melhorar as condições de vida” dos seus conterrâneos. A título de exemplo, recorda os avanços na educação durante os seus mandatos como presidente de junta, com a requalificação de escolas e a implementação do prolongamento dos horários.