Construído em 1855, o cemitério antigo de Maçãs de Dona Maria, em Alvaiázere, foi um dos primeiros do País. Desactivado há mais de 60 anos, o espaço já esteve, por diversas vezes, condenado.
Chegou a ser pensada a sua transformação em jardim e até a demolição. Agora, pode ganhar vida com o projecto de recuperação e de musealização que a Junta de Freguesia está a desenvolver para o local, com o apoio da Al-Baiäz – Associação Defesa Património e da CâmaraMunicipal.
Um dos primeiros passos foi dado no último fim-de-semana, com a realização de um colóquio sobre práticas funerárias e atitudes perante a morte, que juntou investigadores de áreas como a arqueologia, história, arte e antropologia.
Entre os objectivos da iniciativa estava a “sensibilização” da comunidade para “a importância da preservação do seu património funerário”.
Eduardo Laranjeira, presidente da Junta, reconhece que este é um tema que “mexe com a sensibilidade das pessoas”. Pelo que, a autarquia entendeu fazer um trabalho de “preparação” antes de avançar com o projecto que quer desenvolver no antigo cemitério.
O autarca frisa que o espaço se encontra junto à principal entrada da localidade, funcionando como “um mau cartão de visita” pela sua “degradação”, que se agravou há uns meses com a derrocada de parte do muro.
“Havia duas saídas: a demolição ou a recuperação. A opção foi a de recuperar e valorizar”, conta Eduardo Laranjeira, adiantando que já estão adjudicadas as obras de reconstrução do muro e do portão em ferro.
A junta pretende depois avançar com a recuperação do interior, nomeadamente dos mausoléus, campas e jazigos, e a musealização do espaço, num projecto que envolverá uma instituição de ensino superior e a Al-Baiäz.
Classificado como imóvel de interesse público
Presidente daquela associação de defesa património, Mário Simões Rodrigues aplaude a intenção da Junta e da Câmara de preservar e musealizar o antigo cemitério, recordando que a Al-Baiäz, fundada em 1997, nasceu precisamente da necessidade de “evitar a então projectada destruição do cemitério”.
[LER_MAIS] Na sequência desse processo foi iniciado a classificação do espaço, hoje considerado imóvel de interesse público. O historiador, autor de vários trabalhos sobre Alvaiázere, frisa que o antigo cemitério, que deixou de receber enterramentos da década 50 do século XX, “não sofreu a destruição patrimonial que se verificou na grande maioria dos cemitérios portugueses, com sucessivas modificações das antigas construções funerárias”.
Apesar da sua “pequena dimensão, e ainda que não disponha de numerosas edificações”, Mário Simões Rodrigues acredita que, depois de “alguns restauros e rearranjos”, o antigo cemitério de Maçãs de Dona Maria “constituirá um excelente exemplar do património cemiterial português, permitindo aos visitantes conhecer como eram os cemitérios rurais dos séculos XIX e dos inícios do século XX”.
“Como cemitério de uma pequena vila rural, não é valioso pela quantidade e pela qualidade das suas construções funerárias. É valioso, para a comunidade local, por ser um lugar de memória da terra e das suas famílias. E é valioso para o País por ser um documento material da realidade dos cemitérios rurais portugueses, tal como eles eram a meio do século XX”, acrescenta o presidente da Al- -Baiäz.
Em termos patrimoniais, Mário Simões Rodrigues destaca o “valor artístico” de alguns jazigos, quer os de tipo capela quer os de tipo catacumba (subterrâneos). Mas, no seu entender, a principal razão da sua riqueza “está em ter escapado à destruição constante” que sofrem os cemitérios portugueses, “com a substituição da antiga arte funerária por 'coisas', dificilmente qualificáveis”.
“Tristemente, mais do que 'locais dos mortos', os cemitérios portugueses tornaram-se 'locais da morte da arte'.”