Que significado tem a visita do Papa Francisco a Fátima, sobretudo quando diz que vem como peregrino?
O peregrino sabe donde parte, onde quer chegar, mas não sabe o que vai encontrar no caminho. E a forma como o cristianismo se entende na sua expressão mais genuína tem muito a ver com isso. Por exemplo, pode chegar-se a Fátima por muitos caminhos. Ele dizer que vem como peregrino desde logo tem a ver com essa ideia de que o caminho é um caminho de busca, e de busca com outros. Tenho pena se o Papa vier a Fátima e ficar apenas em Fátima nas celebrações religiosas.
Aparentemente é o que está previsto.
Sim, é o que está previsto, penso que não é o que o Papa desejaria.
Então o que falta no programa?
Acho que falta qualquer coisa que tenha a marca do Papa, que não seja só a celebração litúrgica. Mas tenho a sensação, sem ter dado nenhum para dizer isto, é apenas partindo do que vejo que ele faz noutras viagens e no seu dia-a-dia, que por ele haveria algo mais. A sensação que me dá é que estamos perante uma Igreja, em Portugal, que aplaude imenso o Papa, em público, mas que de facto não está muito entusiasmada com algumas coisas que o Papa anda a propor. Diria que uma parte importante dos católicos portugueses aplaudem imenso o Papa, mas depois não querem perceber algumas das interpelações que o Papa faz. Não se revêem em alguns dos factores de mudança que o Papa tem interpelado, desde logo, por exemplo, nas questões da guerra e da paz e por exemplo nas questões da justiça social, da economia, da política e do clima.
É demasiado à esquerda para alguns?
Não me parece que o Papa se defina como uma pessoa de esquerda, acho que é alguém que está preocupado com o essencial do evangelho, que passa por cada crente ter uma relação profunda com o deus em que acredita e uma preocupação muito intensa com quem está à sua volta: os sem-abrigo, os refugiados…
Já é possível fazer um balanço do impacto deste Papa no mundo católico e não só?
Acho claramente que o Papa lançou um movimento que é imparável de reforma da Igreja e de transformação da Igreja. Um movimento que há 50 anos teve um grande impulso com o segundo concílio do Vaticano, mas que depois teve algumas travagens em alguns âmbitos. Acho que o Papa Francisco recupera esse movimento de renovação. E não é por acaso que há tanta gente fora da Igreja que o admira, quase como se fosse a única voz que hoje tem autoridade moral no mundo para dizer este caminho é errado e aquele é que devia ser o certo. Ele apela a valores que eu acho universais, valores de humanidade, e não faz mais do que recuperar essa grande tradição cristã. E é por isso que ele é tão querido por tanta gente.
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