Nos seis anos à frente da direcção da Nerlei CCI, teve de enfrentar crises políticas, uma pandemia, alterações geopolíticas. No panorama empresarial, quais foram as principais dificuldades que enfrentou?
Antes de ser presidente, já tinha assumido funções, durante alguns anos, na mesa da Assembleia Geral e como membro de uma direcção. As empresas hoje estão mais capazes. Aprenderam e estão mais preparadas em várias áreas. É o caso do digital, que a pandemia acelerou imenso, e as questões ambiental e social. Acima de tudo, as empresas estão mais exportadoras e estão mais bem organizadas, mais preparadas e têm produtos melhores. Isto também tem, obrigatoriamente, a ver com as pessoas. Segundo estudos da Universidade Nova e da União Europeia, as empresas portuguesas têm um défice de gestão. Se compararmos a nossa gestão, com a norte-americana… toda a Europa tem um défice em relação aos Estados Unidos. Mesmo assim, os quadros intermédios das nossas empresas estão melhores e a gestão está a reforçar-se também. Estou firmemente convencido de que as empresas têm melhores processos e visões do mundo, dos negócios e do futuro e estão mais preparadas do que há seis anos. Fizeram esse trabalho, por razões menos boas, como a pandemia ou por outras crises que estão a obrigar as empresas a reinventar-se. Temos um défice tecnológico na Europa comparativamente com os EUA… Se calhar na área farmacêutica, temos empresas de topo, mas se virmos o digital, das dez maiores empresas americanas oito são tecnológicas. Entre as dez maiores europeias, há apenas duas tecnológicas e estão em 7.º ou 8.º lugares na tabela. Na nossa região, o índice de exportações em alta tecnologia é metade do de Aveiro, Braga ou Coimbra.
Quais foram, para si, os marcos mais importantes nestes dois mandatos?
Muito daquilo que a Nerlei faz, deve-se aos seus colaboradores e direcção e gostaria de agradecer todo o apoio que me deram enquanto estive na presidência. Quanto aos marcos, houve a escolha do novo director-executivo. A direcção da Nerlei é não executiva e não está lá todos os dias. Quem está é a equipa e o Henrique Carvalho agarrou o difícil desafio de substituir a Neuza Magalhães, pessoa de muita experiência. Outro marco foi a criação do Gabinete Económico Social em consequência da pandemia. Foi um trabalho muito positivo de Jorge Santos e muitas das ideias sugeridas eram de médio prazo. Uma delas foi que a CIMRL tivesse uma intervenção maior. Não fomos nós a alterar isso, mas, hoje, temos uma óptima relação com a CIMRL e com o seu director-executivo, que está a fazer um excelente trabalho. Não tivemos influência na sua escolha, mas falámos com os dez presidentes de câmara da CIMRL e todos concordaram com a nossa sugestão. Outra etapa importante, foi a criação do fundo de investimento que está a arrancar e que queremos, com a CIM, transformar num instrumento regional mais vasto, sob a forma de agência de atracção de investimento. Vivemos numa região privilegiada a nível empresarial. As nossas empresas são dinâmicas, resilientes, inovadoras. Temos uma grande ligação com vários parceiros institucionais como o Politécnico, mas também com a Acilis, a APIP, a Cefamol ou a Aricop.
Sendo um homem da tecnologia e da economia digital, e comparando a nossa região com o que está a acontecer em Aveiro ou Braga, acredita ser possível captar investimento do digital, como foi tão falado em anos recentes?
Claramente que pode acontecer, porque a economia digital tem a vantagem de os saltos serem mais rápidos. É preciso tomar medidas mais agressivas no digital e ver o que é que essas cidades fizeram. Este é um problema nacional e europeu. A Europa não tem só de se reindustrializar, como a pandemia provou. Tem de ter uma aposta muito clara no mundo do IT e da Inteligência Artificial (IA). A Europa não conseguiu acompanhar a dinâmica americana, mas não há razão para não o fazemos na IA. Entretanto, por exemplo, vão surgir os computadores quânticos e esta seria uma boa área de aposta para a Europa. É claro que Leiria pode ter grande sucesso no digital. A economia está a terceirizar-se e a digitalizar-se e Leiria é uma região de indústria, mas isso não quer dizer que não possa ser de investimento na tecnologia. Veja-se o que o Fundão está a fazer nesta área. A Câmara do Fundão esteve no Web Summit a captar startups para irem para lá. O pró-reitor da Universidade de Coimbra para a transferência de tecnologia contou-me que tem sete comerciais, gestores seniores de empresas, que andam pelo mundo inteiro a captar empresas e projectos de pesquisa para serem realizados na universidade. É assim que se faz. Não podemos ficar parados, à espera que as coisas aconteçam. Se o Paulo Fernandes, autarca do Fundão, ficasse à espera, não tinha acontecido nada. Teve uma ideia e pôs-se ao caminho. O Fundão é, verdadeiramente, uma cidade do interior, com um projecto de médio prazo fantástico. Nesta questão, vai ganhar mais quem andar para a frente, quem tiver a percepção de que defender a economia digital não é desvalorizar a indústria, mas potenciá-la, pois ela é, hoje, extremamente digital.
Que papel pode a Nerlei ter neste esforço?
Temos um orçamento anual com receitas próprias de pouco mais de 100 mil euros, e não temos capacidade de intervenção directa com o nosso dinheiro. Tentamos influenciar e foi por isso que desenvolvemos com a autarquia a ideia do Leiria Innovation Hub, previsto para o topo norte do estádio, e que surgiu no grupo Tice, da Nerlei. Fomos bem acolhidos pela Câmara de Leiria, desenvolveu-se o projecto e está-se à espera de financiamento, pois custaria cerca de 18 milhões de euros. Com a autarquia e com o Politécnico de Leiria, criámos a Startup Leiria, que é fundamental para esta estratégia de captação de empresas e para mostrar que Leiria existe neste mapa. Esta “nova Startup Leiria” surgiu porque a Nerlei fez muita pressão para uma fusão entre a Incubadora D. Dinis (IDD) e a Startup Leiria. Foi após a fusão, com a criação da nova estrutura, com a entrada da Eduarda e do Vítor e com o papel da vereadora Catarina Louro, que a estrutura cresceu. Até aí, o conceito da IDD era para incubar projectos da região, mas não chegava, quando o digital não tem fronteiras. Na nossa região, temos agricultura, indústria, serviços, saúde, cultura, um politécnico, uma câmara que desenvolve e faz… É nisto que assenta o conceito “Leiria Full Stack Valley”, de que falei há dias no NEXXT Leiria. É preciso uma visão integrada, com competências em várias áreas, que inclui a Nerlei, a autarquia, a CIMRL, o Politécnico de Leiria e muito trabalho em rede.
E quanto à influência junto do Governo?
Na Nerlei, temos duas ou três reuniões, anualmente, com ministérios. Apresentamos um conjunto de reivindicações, discutimos e os governantes levam uma lista de sugestões. Estamos convictos de que os elementos do Governo saem satisfeitos dessas reuniões. Nesses encontros, fiquei com uma ideia completamente diferente dos governantes. São pessoas empenhadas, trabalhadoras, conhecedoras e com vontade de melhorar. Isto faz parte daquilo que podemos fazer e ajuda a aproximar as empresas do Governo. Mas esta articulação tem de incluir uma ideia de região. Estamos articulados no curto prazo, mas tínhamos a obrigação de promover uma articulação a médio prazo. Vamos ver o que sairá do estudo realizado pela Estrutura de Missão do Politécnico de Leiria. Uma associação regional como a nossa tem, necessariamente, de ter uma visão regional, de promoção da região e de um desenvolvimento sustentado que inclui cultura, desporto, habitação ou mobilidade. Temos de trabalhar essas vertentes todas e não só a empresarial. Por exemplo, a Nerlei deu um contributo relevante no trabalho coordenado pelo professor Pedro Lourtie para criar a possibilidade de os politécnicos conferirem o grau de doutor. Intervimos, angariámos assinaturas e continuamos empenhados no novo desafio. Até agora pretendia-se a transformação em Universidade Politécnica, porém, a nova presidência de Carlos Rabadão pensa que deve ser mesmo uma universidade. Temos de apoiar esta ambição e, se este politécnico, ambiciona ser universidade, o nosso papel, tal com o da câmara, da CIMRL e da região é apoiar. Temos de falar a uma só voz e concordar que a Universidade Politécnica faz parte do caminho, mas que nossa ambição é ter mesmo uma universidade. Esta articulação é muito positiva e não acontece noutras regiões.
Referiu um défice de gestão nas empresas…
A Leiria Business School (LBS) foi o instrumento que a Nerlei, a CIMRL e o Politécnico criaram para ajudar as empresas a melhorar a sua gestão. É um projecto que faz coisas com muita qualidade e gostávamos de o ver crescer e ter outro papel na região. Temos de envolver mais empresas. Entre as que participaram nos cursos, encontramos a La Redoute ou o Grupo Nov, que estão satisfeitas com a sua participação. Nestes anos todos, participaram nas iniciativas da LBS, menos de 100. É pouco. Se passássemos para 200, teria um impacto absolutamente brutal no tecido empresarial da região. Era bom que as empresas conhecessem a iniciativa, quer na sua área de formação standard, quer na de formação à medida. Serviria o propósito de melhorar os conhecimentos dos quadros das empresas e funcionaria como um espaço de encontro fora do ambiente de trabalho. Há, nas sessões, administradores, gerentes e quadros. Estamos a iniciar uma ligação mais forte ao Politécnico de Leiria. É um espaço bom para a região, de formação e de pensamento, onde as pessoas se encontram, discutem o território e onde podemos criar alguma “intelligence” à volta da LBS sobre o futuro regional.
O que representou para a Nerlei ser Câmara de Comércio e Indústria?
É importante do ponto de vista internacional. Há muitos países que não sabem o que é uma associação empresarial, mas conhecem as câmaras de comércio e indústria. Pode ser tudo igual, mas se tiver outro nome, há outro reconhecimento. Além disso, há um conjunto de serviços que podemos fazer, como os certificados de origem, que também são receitas para a Nerlei. Estamos a dizer às empresas da região, que os podem fazer aqui.
Em Dezembro, termina o seu mandato. Quem gostaria de ver como sucessor?
Não vou falar nisso, mas penso que há já uma lista fechada capaz de dar continuidade a todos os nossos projectos. As eleições serão em Dezembro e as candidaturas têm de ser apresentadas à Assembleia Geral três semanas antes do sufrágio.
António Poças, 64 anos, natural de Leiria, formou-se em Engenharia Electrotécnica no Instituto Superior Técnico antes de regressar à vista familiar do castelo de Leiria.
Em 1983, o seu primeiro emprego foi na Leiriense Plásticos onde foi incumbido da missão de acabar com o papel no ambiente empresarial – que admite ainda não ter conseguido fazer – e de informatizar a empresa.
O primeiro investimento foi num computador Apple, para fazer a facturação, que estava atrasada três semanas.
As taxas de juros naquela época chegavam aos 20% e atrasar a facturação em três semanas tinha um impacto financeiro brutal.
Com o apoio do computador, Poças e a empresa conseguiram reduzir o prazo para uma semana.
“Deve ter sido o melhor investimento que, alguma vez, fiz em informática!”
Com o tempo, o departamento de informática da Leiriense transformou-se na Leirisic, empresa do grupo, que, há duas décadas, pela mão de António Poças e alguns sócios, autonomizar-se-ia e acabaria por transformar-se no Grupo inCentea, após uma fusão com a Datamex, um dos seus concorrentes.
Com 37 anos de actividade, hoje, a inCentea conta com 16 empresas na holding.