Há um ano, quando tomou posse, anunciou que iriam ser feitas intervenções de valorização do Campo Militar e do Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota (CIBA). O que é que já foi feito e o que está previsto?
O projecto que temos em desenvolvimento visa três objectivos. O primeiro é integrar melhor o campo de batalha com o centro de interpretação. Pensamos fazê-lo trazendo mais assuntos respeitantes ao campo de batalha para a área museológica, nomeadamente, através de um espaço dedicado a Afonso do Paço – que fez grandes campanhas arqueológicas no local -, onde se procurará enquadrar o trabalho de arqueologia que se tem vindo a fazer. Simultaneamente, vamos reforçar a nossa oferta audiovisual com um filme sobre Nuno Álvares Pereira, que está praticamente terminado. Tencionamos ainda criar uma zona de exposições temporárias, que possa ligar o CIBA à importância da dinastia de Avis.
Isso pressupõe ampliar o espaço?
Ampliar não, mas utilizar melhor as áreas que temos, nomeadamente a zona central e do átrio, o primeiro andar e o espaço educativo. Na zona do campo de batalha, queremos criar mais circuitos pedonais e novos centros de interesse que ajudem à compreensão da batalha, nomeadamente, através da valorização da estrutura de defesa montada, tornando visíveis as covas do lobo e desvendado um pouco a vala central que protegia a Ala dos Namorados e a posição de D. Nuno Alvares Pereira. É um trabalho que tem de ser feito com uma cautela especial, porque se trata de um monumento nacional e porque o queremos fazer de uma forma integrada.
Estão pensadas novas campanhas arqueológicas?
Estamos a receber os relatórios da última campanha, mas pretendemos avançar com mais noutros locais e recuperar as campanhas iniciais de Afonso do Paço.
A Fundação mantém nos seus objectivos a intenção de reconstituir a paisagem existente em 1385. É um objectivo realista tendo em conta o estado de urbanização do local?
Estamos concentrados em trabalhar com a Câmara [de Porto de Mós], no sentido de definir a parte central da batalha. Também consideramos fundamental conseguir dar uma ideia do que eram os declives do terreno que protegiam o campo de batalha, mas não é nossa intenção alargar o espaço do campo militar além disso.
Ao reduzir o projecto à parte central do campo de batalha não está a Fundação a reconhecer que o objectivo inicial não será concretizável?
Temos para a Fundação objectivos muito concretos, que passam por actualizar, ampliar e aprofundar Aljubarrota. E isso implica trazer Aljubarrota ao mundo moderno. A realidade actual de São Jorge, com a EN1, supermercados e casas, é compatível com a valorização do espaço territorial que temos e que deve ser um grande instrumento de orgulho da própria população. Esta postura está a dar bons frutos na relação com as autarquias. Só este trabalho conjunto pode valorizar as particularidades desta batalha, que durou menos de uma hora e que mudou o mundo, porque criou duas potências, Portugal e Castela, que lideraram a expansão marítima. Não podemos, com pequenas questões relacionadas com uma expropriação ou confronto com um vizinho, desviar-nos do essencial.
A Fundação prevê adquirir mais imóveis?
Gostaríamos ainda adquirir mais uma parcela na zona do declive, de forma a demonstrar a amplitude dos instrumentos de defesa. Em paralelo, estamos em conversações no sentido de reduzir a dimensão territorial que temos na primeira posição [já no concelho da Batalha], onde dispomos de uma área considerável que está desperdiçada e que pode ser utilizada para bem da comunidade.
O Plano de Pormenor de São Jorge, que irá definir o que se pode ou não fazer dentro da Zona Especial de Protecção ao Campo Militar, está, há mais de 17 anos, para sair do papel. Penso que há toda a vontade da câmara em concluir o processo. Temos procurado manter a maior colaboração com o município, no sentido de fechar o processo e definir uma estratégia que seja boa para o território. É uma oportunidade para valorizar território e para criar valências que o tornem mais atractivo.
É mais fácil dialogar com o actual executivo?
A relação é excelente, quer com Porto de Mós quer com a Batalha. Estamos todos envolvidos num mesmo objectivo, o da valorização deste espaço como um espaço que é de todos, que pertence ao País, à identidade nacional, não pertence à Fundação.
A relação entre a Fundação e as autarquias e população local nem sempre foi pacífica. Culpa de quem?
Num projecto desta natureza, é normal que existam dificuldades iniciais relacionados com os objectivos centrais, que eram importantes para criar um espaço territorialmente valioso. Agora, é o tempo de valorizarmos o que temos, de nos concentramos na Aljubarrota de hoje e não só em 1385. Tudo o que envolve a preservação do território costuma ter conflitos associados. Consta-me que, antes da Fundação, houve polémica com a construção da estrada (EN1).
Que lições podemos trazer para os dias de hoje da Batalha de Aljubarrota?
Aljubarrota representa muito mais do que uma batalha. O 14 de Agosto de 1385 é o primeiro momento em que se sente a força da identidade nacional. Representa também a força de todas as classes sociais, dando conteúdo a uma eleição de um rei [D. João I], feita três meses antes, que aqui se confrontou com um exército muito maior e que, através de uma estrutura de organização, mas também de algum improviso, conseguiu vencer. É a prova de que, quando os portugueses querem muito uma coisa, conseguem. Aljubarrota é uma lição para o presente e para o futuro.
Falou da importância que teve a organização na vitória portuguesa em Aljubarrota. Passados estes séculos, a organização ainda é apontada como uma das nossas fraquezas.
Por isso digo que temos muito a aprender com Aljubarrota, não só na sua base histórica, mas também naquilo que representou, com um exército menor, mas bem organizado, bem estruturado, muito motivado e que obteve resultados. Os ensinamentos de Aljubarrota são muito actuais, também pela capacidade de fazer consensos entre partes divergen
A Fundação tem de viver com os seus meios. Não queremos ter apoios públicos regulares
No último relatório de contas da Fundação é expressa a intenção de criar um Conselho de Mecenas. Já foi criado? Quais são os objetivos?
Estamos a trabalhar nisso. O objectivo é definir um sistema de mecenato integrado. Temos já um belíssimo mecenato ocasional, de pessoas que contribuem para projectos específicos, como o filme sobre D. Nuno Álvares Pereira e a valorização do campo de batalha. Gostaríamos de ter mecenas regulares, quer institucionais, quer de carácter mais local. A região Centro tem um enorme desafio do ponto de vista do turismo cultural, porque dispõe de um património histórico anormalmente rico, com vários monumentos classificados pela Unesco. Todos eles representam momentos importantes e diferentes da nossa História, unidos por um: Aljubarrota. Há um esforço enorme a fazer na integração de roteiros e património.
Em 2022, o Governo abriu a possibilidade de atribuir vistos de residência a estrangeiros que invistam na reconstituição da paisagem da Batalha de Aljubarrota. Essa prerrogativa já teve resultados?
Certificámos duas iniciativas susceptíveis desse investimento internacional para não residentes: o filme de Nuno Álvares Pereira e valorização do campo de batalha. Já recebemos fundos provenientes desses investidores, que estão depositados e que serão canalizados para a valorização do campo de batalha.
O facto deste mecanismo estar envolto em alguma polémica não pode prejudicar a imagem do projecto?
Não. Somos particularmente selectivos, mas não podemos ignorar que há pessoas que nos EUA ou em Inglaterra, por exemplo, olham para estes projectos com valor. Claro que também retiram uma vantagem do ponto de vista de residência.
Fazem-no pelo projecto ou pelas vantagens que retiram da doação?
Diria que pelas duas vertentes. [A Fundação] Serralves também tem projectos aprovados nesta área. Há várias maneiras de, em Portugal, as pessoas obterem este benefício, como investir numa empresa, no imobiliário ou em cultura. O investimento em cultura [para a obtenção de visto de residência] é o único que não dá retorno. Não é apropriável pelo privado que investe. A pessoa entrega os seus fundos para um bem maior, que é para benefício de todos.
Que apoios públicos recebe a Fundação?
Neste momento nenhuns. A Fundação tem de viver com os seus meios. Não queremos ter apoios públicos regulares, mas apenas para iniciativas e projectos muito concretos.
Gestor-bombeiro que foi escuteiro
Natural de Lisboa, filho de pai banqueiro e de mãe matemática, António Ramalho licenciou-se em Direito. Em 1985, iniciou o seu percurso profissional no mercado de capitais, tendo sido administrador de diversas instituições financeiras e bancárias, com o Banco Pinto e Sotto Mayor, onde conheceu o mentor António Champalimaud, e, mais recentemente, o Novo Banco. Liderou também a CP e a Infraestruturas de Portugal. Está agora “na fase não executiva da vida”, como confessou numa entrevista ao semanário Novo, na qual se descreveu como gestor-bombeiro. Actualmente, é administrador da FIL – Fundação AEP, senior advisor da consultora Alvarez & Marsal e presidente da Fundação Batalha de Aljubarrota. Antigo escuteiro, adora ciclismo.
Tudo o que envolve a preservação do território costuma ter conflitos associados