De prejuízos de quase 1,4 mil milhões de euros no ano passado, o Novo Banco passou para lucros de 61 milhões no primeiro trimeste deste ano. Como é que foi possível?
Este ano já tivemos lucros e prejuízos. Este resultado não deve levar as pessoas a pensar que os assuntos estão resolvidos. O banco está a seguir um processo de reestruturação e ainda estamos concentrados na sustentabilidade e na reestruturação em si. Temos tentado dizer ao mercado que uma reestruturação como esta, e com a dimensão da nossa, custa tempo e dinheiro. O que significa que temos de nos preparar para esse período. Não vamos em nenhum momento deixar de nos focar naquilo que são as nossas prioridades, que passam pela solidez da instituição. Ainda que custe tempo e dinheiro. O que pretendemos é que custe o menos dinheiro possível e que seja o mais rápido possível.
Como é que tem foi possível passar de um prejuízo tão grande para uma melhoria?
Estamos sobretudo preocupados com a solidez da instituição, com a reestruturação e com a resolução do legado que temos. Seja ele o excesso de imobiliário não rentável, seja o volume de crédito vencido muito elevado ou ainda um custo de passivos demasiadamente elevado. Estes três elementos tenderão a ser resolvidos e esperamos que daqui a um ano ou ano e meio tenhamos um banco extraordinariamente mais activo. É verdade que já há sintomas de que a operação normal está a melhorar significativamente, o que nos traz a perspectiva de criação de capital e de valor para a economia portuguesa.
Sendo o foco a solidez, o que está a ser feito nesse âmbito?
Estamos a resolver os problemas estruturais. Nesse contexto, encerrámos uma operação de venda de imobiliário não produtivo, com muitas pequenas parcelas que na prática nos dão muito trabalho mas são créditos de baixo valor. Estamos a falar de nove mil parcelas, entre estacionamentos, áreas comerciais, pequenas herdades, cujo valor médio unitário é de 77 mil euros. Foi a maior operação de venda de imobiliário que se fez até agora em Portugal, foram 700 milhões de valor bruto. O segundo passo é a venda de crédito vencido. Temos em processo bastante adiantado de venda mais de 1,8 mil milhões de crédito malparado, que despoleta imenso interesse. É a maior operação que se fez até hoje em Portugal. São estas as medidas que estamos a levar a cabo, juntamente com a reestruturação, com a redução de custos, com um número de balcões que se mantém estabilizado por volta dos 400 e um nível de trabalhadores que está estabilizado por volta dos cinco mil, no sentido de assegurar que no futuro conseguimos prestar um serviço de grande qualidade aos nossos clientes.
Já admitiu que existe o risco de o Fundo de Resolução ter de voltar a emprestar dinheiro…
O empréstimo previsto no acordo era até ao valor máximo de 3,9 mil milhões de euros. Até hoje foram utilizados apenas 792 milhões. O empréstimo naturalmente vai ser mais elevado do que este valor, mas temos de esperar que seja menor do que o então acordado e que depois possa beneficiar da venda dos 25% que o Fundo de Resolução teve como contrapartida desse empréstimo. Quanto ao custo [do empréstimo] depende do legado, está menos nas nossas mãos; quanto ao valor dos 25%, sim, depende da capacidade que tivermos de criar valor na instituição e é aí que estamos concentrados.
Como é que se gere uma institutição que quase 'foi ao charco' e a que ficou associada uma conotação negativa?
É bem menos difícil do que parece, por uma razão muito simples: é que a instituição sobreviveu porque estava assente numa base de clientes notável e num conjunto de colaboradores empenhados. Foi essa base de clientes que exigiu que a instituição existisse, foram esses colaboradores que conseguiram mantê-la viva. Quando se tem bons clientes e bons colaboradores é muito mais fácil trazer um banco de um ponto negativo para um ponto positivo.
O banco já começou a pagar aos lesados do papel comercial vendido pelo BES?
Todos os meses reunimos com a associação representativa dos lesados, exactamente com o objectivo de encontrar solução. E já a encontrámos para quase todos os casos. Ainda existem dois produtos que não tiveram solução, embora um deles tenha já pago 11% do que devia. Diria que estamos no bom roteiro para encontrarmos uma solução que termine definitivamente com esta situação. Tínhamos limitação de liquidez, mas já desapareceu e toda a gente pôde reaver o dinheiro antecipadamente. A relação destas pessoas com o banco está hoje estabilizada. O mais impressionante é que as poupanças de 83% desses lesados estão hoje connosco.
Mas os lesados não vão receber a totalidade do seu dinheiro…
Isso tem a ver com os acordos feitos. No mínimo receberam 75%, o máximo depende um bocadinho da flutuação dos títulos que detinham.
Sendo tão mediatizado, o caso dos lesados teve impacto na imagem e na credibilidade do banco…
Se não tivesse não teríamos dedicado tanto tempo a tentar resolvê-lo. Já o herdei com um nível de conflitualidade relevante. Mas houve capacidade de diálogo com a associação representativa dos lesados na busca de soluções, que em alguns casos conseguimos já encontrar. Noutros continuamos à procura.
O que distingue o Novo Banco dos seus concorrentes?
É um dos cinco maiores bancos portugueses, que no conjunto representam cerca de 80% do mercado. Mas somos o único onde a maioria do activo está aplicado em empresas. Essa é a nossa grande diferença. Quase todos os bancos têm mais de 50% em crédito à habitação e a particulares, nós estamos antes de mais vocacionados para empresas, que são 66% do nosso activo. É um conceito diferente de banca. Não apenas por esta diferença, mas porque ao contrário da banca de particulares, que é mais de procura e oferta, o que as empresas procuram são parcerias. Os nossos concorrentes são todos muito meritórios, mas são sobretudo bancos de particulares e nós somos sobretudo um banco de empresas, que pretende levar este conceito de parceria também para os profissionais e para os particulares.
O facto de trabalharem maioritariamente com empresas dá-vos mais segurança?
Não quero ser mais necessário do que os meus colegas. Somos um bocadinho diferentes. Hoje [8 de Novembro] estamos aqui em Leiria para dar resposta às empresas. 60% das empresas desta região são nossas clientes, daí a importância de estar com elas, de ouvi-las. Somos diferentes, não quer dizer que sejamos melhores.
O que é que as empresas vos pedem?
Todas as empresas exportadoras têm melhores indicadores do que as que não exportam. A grande preocupação que sentimos da sua parte é que possamos dar resposta adequada, para mais exportação, mais eficiência e mais produtividade. E, naturalmente, para as oportunidades de investimento que surjam.
Leiria tem dado provas em termos de desempenho do tecido empresarial e das exportações. Como acha que tem sido possível?
Leiria tem, de facto, um crescimento de quase 5% acima da média nacional após o ajustamento. O que significa, naturalmente, que estamos perante um tecido empresarial mais agressivo e mais entusiasmante. Isso tem a ver com o desenvolvimento de vários sectores. O que vemos é a capacidade adicional de exportação que a zona tem, uma certa inter-territorialidade entre Leiria e Oeste, que tem trazido valor acrescentado para as empresas. O que sentimos claramente é que este é um tecido empresarial que está agressivo, que acredita na exportação e que em alguns sectores se tem mostrado extraordinariamente eficiente.
É um tecido empresarial que quando precisa do apoio da banca não tem dificuldade em obtê-lo?
Não. Julgo que neste momento boas empresas não têm nenhuma dificuldade em obter crédito. Aliás, os bancos concorrem pelas melhores empresas, como é natural. Estamos bastante entusiasmados com a região de Leiria. A nossa quota de mercado nas empresas ronda os 24%, mas o que ansiamos é que todas as empresas possam conhecer o Novo Banco e também demonstrar que temos capacidade de responder às suas necessidades. Sentimos que há potencial e temos crescido nesta região. Estamos bastante satisfeitos com o desempenho dos nossos dois centros de empresas (Leiria e Oeste).
[LER_MAIS] A Euribor está negativa em praticamente todos os prazos desde 2015. Os portugueses podem continuar a contar com crédito barato ou a tendência é para uma subida dos juros a curto prazo?
A preservação da Euribor negativa é negativa para a economia. Esperemos que não continue negativa durante muito mais tempo. É normal que o crescimento económico e mudanças no modelo de liquidez do Banco Central Europeu venham a estabilizar um bocadinho a Euribor. Mas isso não alterará o princípio das taxas de juro baixas. Vão manter-se assim por muito mais tempo. O que esperamos é que, sendo baixas, não sejam negativas.
Significa isto o regresso do crédito fácil e pouco sustentado, como antes da crise?
Não, de modo algum. O crédito, claramente, ganhou responsabilidade, seja nos bens de consumo seja na habitação. A prioridade que hoje em dia é dada às pequenas e médias empresas e às exportadoras demonstra bem que estamos muito mais focados em sectores cuja capacidade de solidez e de criação de valor é mais relevante. Nós sentimos a responsabilidade, e julgo que todos os bancos devem senti-la também, de não contribuir em nada para haja empresários a ter dificuldades por existências de créditos facilitados.
O Lehmann Brothers colapsou há dez anos. O que mudou desde então?
Houve mudanças ao nível do capital, por exemplo. Hoje as exigências são muito maiores, não só ao nível da quantidade mas também da qualidade. Mudou muito a regulação: as exigências que o regulador coloca, do ponto de vista da gestão das instituições financeiras, são muito mais elevadas. Mas, sobretudo, mudou a consciência por parte dos bancos de que as soluções de curto prazo penalizam as de longo prazo. Isto é, o longo prazo não é apenas a sucessão de curtos, é um posicionamento estratégico, regulado e sustentável da relação dos bancos com os clientes. Aquilo que antigamente era rendibilidade hoje é sobretudo lealdade. É esse o dever que temos com os nossos clientes. Há consciência dos bancos – pelo menos do Novo Banco – de que a lealdade é mais importante do que a rendibilidade.
Presidente desde 2016
Formado em Direito pela Universidade Católica Portuguesa, António Ramalho tem uma vasta experiência no sector financeiro, que começou em 1985. Em 1990 foi trabalhar para o Banco Pinto & Sotto Mayor, tornando-se administrador em 1993. Permaneceu na administração após a aquisição do banco pelo Grupo Champalimaud e passou a membro dos conselhos de administração dos restantes bancos do grupo. Em 2004 ingressou na Rave, e entre 2004 e 2006 foi presidente da CP. Ainda nesse ano voltou ao sector financeiro, como presidente da Unicre.
Em 2010 mudou para o Millennium BCP como CFO e vice-presidente executivo. Dois anos depois assumiu o cargo de presidente das Estradas de Portugal, tendo sido responsável pela fusão desta empresa com a Refer, que deu origem à Infraestruturas de Portugal, que também veio a presidir. Ao longo da sua carreira, António Ramalho, que assumiu a presidência do Novo Banco em 2016, desempenhou ainda várias funções não executivas em diversas instituições.