Afirmar a Universidade do Porto (UP) na investigação e na internacionalização foram promessas quando se candidatou.
Neste momento, fazemos parte de um consórcio europeu de cinco universidades, contando com a do Porto, e vamos avançar com um projecto para o qual já obtivemos financiamento da Comissão Europeia. A internacionalização também tem tido um reforço muito grande do número de alunos estrangeiros que estudam na UP. Não contabilizando os estudantes Erasmus, temos mais de quatro mil estudantes estrangeiros.
É uma forma de travar a quebra de alunos?
É uma forma de resolvermos alguns problemas que temos no nosso País. Estamos a perder muitos dos nossos melhores alunos para outros países que lhes oferecem condições de trabalho e de vida. Uma forma do País se manter competitivo e ter os cérebros de que necessita é conseguir atrair jovens de outros países. Não é provável que se consigam atrair para Portugal jovens provenientes dos países mais ricos da Europa, mas podemos atrair gente de países mais pobres, onde as condições de vida são mais precárias do que em Portugal. Muitos desses países têm excelentes sistemas de ensino e, portanto, estão a produzir jovens com elevadíssimas qualificações. Temos obrigação de os cativar e esperar que alguns deles permaneçam no País e nos ajudem a compensar a perda dos nossos.
A UP tem a média mais alta do País e das mais altas em muitos cursos. O que faz os melhores alunos escolheram a UP para estudar?
Escolhem porque a UP é boa e há 'um passa a palavra'. A UP tem uma implantação nacional. Temos os melhores alunos de todo o País: alunos que vêm do Algarve que preferem vir para o Porto do que estudarem no Algarve ou até em Lisboa ou Coimbra que é mais perto. Isso resulta desta noção que se espalhou de que é uma universidade diferente das outras.
O que a diferencia?
O ambiente académico. Não nos podemos esquecer que estamos no Porto, que é uma cidade que só por si tem um atractivo cada vez maior. Por outro lado, houve um investimento feito no sentido de transformar a UP numa universidade de investigação, criando-se condições para os estudantes, como melhores laboratórios e salas de aula. O investimento que também tem sido feito na modernização das práticas pedagógicas, tornou a UP numa universidade atractiva e os alunos reconhecem- na como sendo uma universidade de futuro.
O problema do alojamento é transversal ao País. Como é que a UP pode contribuir para ajudar os alunos?
Temos de distinguir o problema que existe daquele que é relatado pela comunicação social, que é uma hipérbole do que existe. Há problemas de alojamento no centro da cidade. Isso é um facto, o que implica que os padrões de comportamento que vinham do passado têm de ser alterados. Os estudantes têm de passar a procurar alojamento nas zonas mais periféricas da cidade como acontece em todo o mundo. Nenhum estudante que vai estudar para Londres ou para Paris vai procurar alojamento no centro. Isso não existe em nenhum lado civilizado do mundo. Existia cá. Era uma vantagem, mas também era fruto do nosso atraso em muitos aspectos. Aquilo que estamos a tentar fazer é ensiná-los a procurar alojamento ao longo das linhas de metro e de comboio, em sítios onde facilmente têm acesso às faculdades e onde conseguem arranjar alojamento por preços muito inferiores aos do centro da cidade.
Defende que se deve colocar o estudante no centro do processo educativo e da investigação. De que forma?
Pode-se fazer isso na definição dos mapas de vaga de acesso à universidade. Em Portugal, há quem defenda o controlo dos mapas de vagas em função daquilo que são as necessidades do País. Isso significa implementar numa democracia ocidental um modelo soviético. Os nossos jovens devem ter acesso a cursos de maneira diversificada e sem problemas. Isso implica desde logo mudar a mentalidade no acesso. Depois temos de desenvolver modelos em que não queremos produzir um profissional padronizado, mas onde cada um seja ele próprio. A universidade deve ajudá-lo a desenvolver-se no sentido de se diferenciar e desenvolver o seu potencial. Deixamos de ter um conjunto de competência padronizadas e passámos a querer que cada um seja aquilo que for.
Poderiam ser as universidades e politécnicos a selecçionar os alunos?
Em Portugal? Não. Somos um país demasiado pequeno em que as pessoas se conhecem todas umas às outras e portanto não confio nisso. Frequentemente existe aquela coisa de seleccionar por vocação. [LER_MAIS] Vou dar o exemplo da área que conheço melhor: seleccionar alunos de Medicina por vocação. Com base em que critério? O critério de comunicação? É importante ter competências de comunicação para um psiquiatra, mas quem está a fazer autópsias não precisa falar muito com o doente. Precisa ter competências de destreza manual? Um cirurgião plástico precisa, mas o internista não. Depois há especialidades muito técnicas. Fazer radiologia de intervenção ou neurorradiologia é estar numa consola de computador, nem tocam no doente. Não há um padrão de competências nem de comportamentos adaptáveis a uma profissão. Na América, a entrevista vocacional é usada para compor a quota rácica. Nas universidades que são financiadas com dinheiros públicos, por lei, a pool de alunos tem de corresponder à pool da sociedade. Utiliza- se a entrevista como subterfúgio para ajudar a compor a pool de alunos que entra na universidade. No nosso País, não quereria estar com a competência de selecção de coisa nenhuma. Se agora já me chateiam, se fosse assim, o meu telefone passaria a tocar todo o dia e toda a noite com pedidos para cunhas.
A quantidade de jovens que acede ao ensino superior é ainda muito baixa comparando com outros países da Europa. Por que é que ainda estamos abaixo da média europeia?
Uma das coisas fundamentais é que os nossos jovens tenham a percepção de que vir para o ensino superior é uma mais-valia. Neste momento, por exemplo, na construção civil, um indivíduo que anda a assentar tijolo e que é analfabeto tem um salário de 2500 euros e um engenheiro ganha 1800. É esta realidade que é preciso alterar, mas isso têm de ser os empresários a mudar a mentalidade. Têm que perceber que é importante ter pessoas com formação superior nas suas empresas e, mais importante que isso, têm de lhes pagar, porque em Portugal paga-se muito mal. Isto faz com que Portugal não segure os melhores e com que haja muitos jovens que se interroguem sobre as reais vantagens de estar uns anos no ensino superior para ter um salário que não compensa o investimento que fez. Os estudos demonstram que há vantagens em ter uma formação superior, mas é uma vantagem que tem de ser incrementada, porque se não corremos o risco das pessoas deixarem de vir para o ensino superior. A Suécia estudou isto muito bem e definiu por lei um tecto mínimo e um tecto máximo nos salários para dar um sinal muito forte que o facto de terem um curso superior contribuía para que tivessem um salário significativamente superior àquele que teriam se não estudassem. Nós metemos os estudos na gaveta.
Nem sempre os alunos com as melhores notas são os melhores profissionais. Concorda?
Cem por cento. Quando as pessoas vão desempenhar uma determinada profissão vão desempenhá-la num âmbito muito limitado relativamente àquele que foi a sua formação. Um médico quando tira o curso tem que fazer de tudo. Quando vai desempenhar uma tarefa selecciona aquela pela qual sabe que tem particular apetência. Ele pode ter sido um aluno mediano e depois naquela coisa específica ser o melhor do mundo. Isso é frequente. O Einstein chumbou várias vezes no exame de acesso à universidade.
Há uma percentagem significativa de abandono escolar no ensino superior. Que medidas podem ser adoptadas para evitar esta saída precoce?
O que mostram os estudos é que o abandono escolar cresce se o aluno entra num curso que não é a sua primeira opção. O que temos de tentar fazer é adaptar a oferta de cursos à procura. O que é triste é que se tem trabalhado ao contrário. No ano passado, foi tomada aquela medida de redução de alunos em Lisboa e Porto, obrigando-os a ir para o interior. Se os estudos do próprio ministério mostram que isso é um contributo que se dá para o abandono escolar por que é que tomaram essas medidas? Nos casos de questões de natureza social, temos programas para identificar e apoiar os alunos com dificuldades, tentando que eles não abandonem os estudos.
É contra a medida de cortar vagas no litoral para reforçar o interior?
Sim, porque não deu nada ao interior. O interior continua sem alunos, porque o aluno do Porto que não consegue entrar no Porto não vai estudar para Bragança. Opta por uma privada. Portanto, esta medida, na prática, veio beneficiar as privadas.
Sendo a universidade o motor de massa crítica de um país, não deveria ter uma voz mais activa na sociedade?
Temos tentado intervir onde se justifica. Mas essa massa crítica vem pouco para a opinião pública. Eu sei, mas há outros que se fazem ouvir por razões que não considero propriamente muito válidas e não tenciono competir com eles. Somos ouvidos naquilo que é importante e temos ainda de conquistar cada vez mais espaço. Muitas vezes somos ouvidos sem ser na praça pública. Não nos interessa entrar na berraria mediática, porque essa é inconsequente.
Na UP vai continuar a comer-se carne de vaca?
Certamente que se vai continuar a comer carne de vaca.
O subfinanciamento e os cortes no ensino superior têm criado dificuldades a universidades e politécnicos. De que forma podem sobreviver estas instituições?
O principal entrave neste momento é a burocracia. O dinheiro que nos dão é aquele. O que pedimos é para nos deixarem gastá-lo de forma eficiente. Os códigos da contratação pública, com todas as limitações burocráticas, impedem-nos de gastar o dinheiro de forma mais eficiente e isso é que é dramático. Conseguimos adaptar a estrutura, pelo menos temporariamente, para viver com esses cortes. Agora, está a ser muito difícil aguentar a burocracia.
Precisam de mais autonomia?
Não. Precisamos de ter aquela que está na lei. O problema é que a autonomia universitária nunca foi respeitada. Além disso, ainda fomos arrastados para o perímetro de consolidação da administração pública, portanto, impuseram-nos todas as regras que existem na administração pública e algumas delas sem sentido absolutamente nenhum. Isso está a criar-nos imensas dificuldades e numa área crítica, que é a da investigação. Esta burocracia, esta desconfiança de base que se instalou no sistema português, está a ser um prejuízo enorme para o País ao nível de captar dinheiro para a investigação.
E o que diz a tutela sobre isto?
Isto não tem a ver com a tutela, tem a ver com o País. Em Portugal instalou-se a mentalidade de que todos somos desonestos até ao dia em que consigamos provar que não o somos. O que podemos fazer até ao dia que os propaladores deste tipo de opinião perceberem que estão a dar um contributo enorme para que o País continue atrasado? A nossa lei diz que todos somos inocentes até prova em contrário, mas ninguém cumpre. Não há inocentes em Portugal. Antes de se fazer julgamentos nos tribunais o próprio Ministério Público se encarrega de promover fugas de informação e o julgamento é feito ainda antes da acusação ser divulgada.
Os Politécnicos têm-se batido por poder dar doutoramentos.
Concorda que os doutoramentos deixem de ser exclusivos da universidade? Se tiverem condições para cumprirem as exigências que são impostas às universidades não vejo mal nenhum nisso. Agora quantos centros de investigação com classificação de excelente existem nos politécnicos?
A falta de médicos no Serviço Nacional de Saúde (SNS) é um problema, sobretudo em algumas localidades fora dos centros…
Sabe onde existem falta de clínicos gerais? No centro do Porto e de Lisboa. As faltas existem onde existe competição. Obviamente que em Lisboa e Porto onde existem hospitais privados que pagam salários principescos, as pessoas abandonam os centros públicos e vão trabalhar para os privados. Hoje há centros de saúde no centro de Lisboa e do Porto sem médicos. Não é bem a ideia da província. Isso é uma coisa que vem de trás e que não tem grande fundamento.
Para evitar as fugas para o privado, há quem defenda que no início da carreira, os médicos deveriam cumprir um determinado tempo no SNS, até porque foi o Estado que investiu na sua formação.
O Estado não pagou nada a ninguém. As pessoas são formadas com o dinheiro que pagaram através dos seus impostos. Neste momento, o Estado tem de decidir se quer ter profissionais competentes ou não. Seja na Medicina ou noutra área qualquer. Na informática, se calhar, a situação é até mais crítica. Não conseguimos segurar técnicos de informática, porque não lhes pagamos. O que interessa ter um tipo bom numa empresa de informática se depois lhe oferecem um salário de jogador de futebol e ele vai embora? A medicina é o único sector de actividade em que a existência estimula a procura. Se estiver numa aldeia com diarreia e não tiver nenhuma clínica em redor, toma uns caldos de cenoura e uns arrozitos e espera que passe. Se tiver uma clínica ao lado vai lá ver se está tudo bem. Por isso, é que qualquer clínica ou hospital em qualquer sítio é um sucesso garantido à cabeça. Depois a privada paga muito bem. Não há volta a dar. Por essa ordem de ideias todos os advogados quando se formassem teriam de trabalhar para o Estado durante não sei quantos anos, todos os engenheiros, arquitectos… Isso não faz sentido nenhum.
Um médico a gerir uma universidade
António Sousa Pereira, 57 anos, foi eleito 20.º reitor da Universidade do Porto para o mandato 2018- -2022, com um voto de diferença. É licenciado, mestre e doutor em Medicina pela Universidade do Porto e desenvolveu toda a carreira académica Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), onde obteve a agregação em Medicina em 2000, sendo quatro anos depois eleito pela primeira vez como director daquela escola, quando já era professor catedrático.
Natural de Ramalde, Porto, 57 anos, é membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida eleito pela Assembleia da República, vice-presidente do Conselho Estratégico do Instituto Português de Oncologia do Porto, membro do Conselho Directivo do Centro Académico Clínico ICBAS/Centro Hospitalar do Porto e do Conselho estratégico do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho.
Enquanto investigador, colaborou, no âmbito da sua tese de doutoramento, com a organização e informatização de um Registo Oncológico de Base Populacional, que constituiu o primeiro registo oncológico de base populacional feito em Portugal.