De macacão vestido, Adelino Lopes Pereira espreita junto ao portão. Olha para as obras que decorrem na rua Mouzinho de Albuquerque, em Leiria, à espera que surja algum cliente ou que o relógio chegue às 17 horas, para dar por concluído o dia de trabalho e fechar as portas da oficina que, noutros tempos, funcionava “noite dentro”. Aos 91 anos, o mecânico continua no activo e, embora longe da azáfama de épocas passadas, ainda faz algumas reparações, sobretudo, em bicicletas.
“Aparece um ou outro furo para remendar ou uma afinação para fazer”, avança Adelino Pereira, “mais conhecido como Adelino das Bicicletas”, que se iniciou no ofício aos dez anos. Conta que, assim que concluiu a escola primária, foi para “oficina [de bicicletas] da viúva de Agostinho Diogo de Oliveira”, junto à Sé de Leiria, onde começou por remendar furos e lavar bicicletas. Nessa fase, ainda chegou a trabalhar de dia e a estudar à noite na Escola Industrial e Comercial, mas acabou por não concluir o curso, dedicando toda a sua vida às bicicletas e às motorizadas.
Só interrompeu a actividade para cumprir o serviço militar, mas assim que saiu da tropa foi pedir emprego na oficina de José Gordalina, na rua Mouzinho de Albuquerque, onde ficou, até hoje, com excepção de um curto período de tempo quando trabalhou no estabelecimento que o patrão teve na Maceira.
“Esta é a minha vida. Uma vida a arranjar bicicletas e motorizadas”, constata Adelino Pereira, que mais tarde passou de empregado a proprietário ao adquirir o trespasse da oficina.
Arranjar “até de olhos fechados”
Se no início as bicicletas eram as ‘rainhas’ do estabelecimento, mais tarde foram as motorizadas a ganhar espaço na oficina, que funcionou também como agente da marca Casal. “Cheguei a vender umas 20 motorizadas por mês, o que era muito bom”, recorda, com uma ponta de orgulho, reconhecendo, contudo, que a transição das bicicletas para as motorizadas não foi fácil.
“No início, não percebíamos nada daquilo, nem nós, nem os clientes. Não sabíamos se era da parte eléctrica ou do motor. Às vezes, até estragávamos. Fomos aprendendo”, conta. Mais tarde, as principais marcas da época – Casal, Macal e Famel – “começaram a dar cursos” e a formação, juntamente com a prática, produziu frutos. “Comecei a saber falar com o motor. Depois, até de olhos fechados conseguia arranjar.”
Nesses tempos – décadas de 60, 70 e início dos anos 80 –, quando as motorizadas eram o principal meio de transporte, antes da massificação do automóvel e “antes das sckoter”, havia mais de uma dezena de oficinas na cidade de Leiria.
“Chegaram a existir 11 oficinas em Leiria, como a do Zé Gordalina, a da viúva do Agostinho Diogo de Oliveira, a do Cândido Neves Santos, a Bandeira… Agora, o único que cá está sou eu”, constanta o mecânico, reconhecendo que manter as portas abertas é mais uma estratégia para se manter activo do que uma questão de negócio.
“Os clientes e o trabalho são poucos. E, agora com as obras, ainda ficou pior. Mas, assim, tenho uma desculpa para sair de casa e estou entretido”, frisa Adelino Pereira que vai interrompendo a entrevista para cumprimentar antigos clientes ou conhecidos que passam na rua, a mesma onde conheceu a mulher, já falecida, com quem esteve casado 50 anos.