É uma imagem de marca de Leiria, para escritores, artistas e público. No dia 30 sopra 40 velas.
Desde que, em 2013, a APEL- Associação Portuguesa de Livreiros, criou uma votação online, no âmbito do Programa Ler em Todo o Lado, que procura, com a ajuda dos leitores, eleger a Livraria Preferida dos Portugueses, que a Arquivo, de Leiria, tem sido presença assídua nos lugares cimeiros da tabela.
É um ponto de encontro onde é possível manusear, cheirar e provar as letras, conversar, ler um jornal, comer uma "sandes literária", com nomes como Al Berto, Mário de Sá Carneiro ou Menina do Mar e beber um copo de vinho Rocim ou Vale da Mata.
O que faz os leitores apreciarem esta livraria independente, que é também galeria, cafetaria, local de estudo, de encontros e tertúlias literárias e que celebra no dia 30, sábado, a partir das 16 horas o seu 40.º aniversário?
Talvez por quase todos os maiores nomes da literatura contemporânea portuguesa, passaram por lá, deixando recordações, sorrisos cúmplices, pensamentos partilhados e confissões de coração aberto.
Talvez por a Arquivo ter alma e vida próprias que foram sendo construídas ao longo de décadas e ganhando maior visibilidade desde o ano 2000, com a refundação e mudança de conceito da livraria.
“É um local onde há sempre algo para aprender ou ensinar. Para estimular, partilhar… Por exemplo, convidamos escritores nos quais acreditamos, mesmo quando são pouco conhecidos”, explica a responsável pela livraria Xana Vieira.
Todos os meses, o espaço tanto acolhe apresentações de livros de autores mediáticos como de pessoas cuja obra goza de excelentes críticas e está voltada para um público conhecedor. “Conseguir trazer pessoas muito diferentes, é uma das mais-valias da programação cultural da Arquivo", afirma a chefe de loja, Susana Neves.
É um ambiente que agrada tanto aos autores, como aos leitores a quem é permitida uma grande proximidade aos escritores. Podem colocar perguntas e trocar dois dedos de conversa. Todos os meses há uma programação cultural distinta, boa parte dela dedicada às crianças.
“A agenda da Arquivo é, desde 2000, continua. Todos os meses há eventos fixos e novidades. Queremos fazer com qualidade, sempre. Temos uma agenda para crianças e para adultos, de todas as idades, todos os meses, sem falhas. É com paixão e entusiasmo que fazemos esta agenda”, diz Xana Vieira, confessando que precisaria de mais dias para colocar em prática todas as ideias que tem.
Há um ano, por exemplo, começaram as visitas dançadas às exposições patentes na galeria, orientadas pela bailarina Inesa Markava. Foi pensada para crianças, mas há já adultos a participar. E não falta sequer a música – indie e clássica, ou não estivéssemos em Leiria -, e as sessões de biblioterapia para cidadãos seniores.
"O (Na)morar com livros é uma sessão mensal que acontece com os residentes do lar da Santa Casa da Misericórdia de Leiria. É sempre um acontecimento com conversas muito enriquecedoras, às quais aconselho a participação do público", convida Susana Neves.
“Espaço especial”
Maria da Luz Clemente tinha apenas 18 anos quando começou a trabalhar na Arquivo -, situada a apenas duas ou três portas abaixo das actuais instalações, na Avenida Combatentes da Grande Guerra.
Corria o mês de Março de 1979 e, desde há 39 anos que é testemunha privilegiada da maneira como de simples espaço comercial dedicado ao comércio de material de escritório, a livraria se tornou numa das marcas da cidade.
Programa do Aniversário
Dia 30 de Junho
16 horas – Whales
18 horas – Lisbon Poetry Orchestra (Poetas
Portugueses de Agora)
21:30 horas – Sheriff Papaya, projecto musical de
Nelson Melo e Fabrício Cordeiro
Escultura com Ricardo Romero
Oferta de bolo, espumante e várias surpresas
"Luz” dá indicações e aconselha livros, prendas e brindes. Faz parte de uma equipa de dez pessoas onde imperam simpatia, sensibilidade e saber. Naqueles finais da década de 70, Leiria, à semelhança do resto do País, era uma “cidade de poucas leituras”, como recorda a colaboradora.
Porém, na Arquivo, as coisas estavam prestes a mudar com a chegada de Maria de Lurdes Vieira. "Na época, vivia em Lisboa e dava aulas no Colégio Moderno. Tinha contacto com outras ideias e, quando mudei para Leiria, quis dar ao espaço um pouco dessa minha sensibilidade. Começámos a comercializar livros para adultos e crianças e artigos infantis e didácticos”, conta esta responsável que dirigiu a livraria até ao ano 2000.
A disposição da loja mudou. Libertou-se da imagem tradicional de loja com os artigos guardados atrás do balcão e tornou-se mais ampla, abriu o espaço aos clientes e, em várias mesas, havia livros que podiam ser manuseados, sentidos, folheados e lidos.
Era uma novidade haver uma livraria, em Leiria, que permitia tal coisa aos clientes. Começou a convidar escritores a estarem presentes nas feiras do livro, nas escolas e na Feira do Livro de Leiria. “Forjámos laços com o nosso público, com as conversas partilhadas e com os conselhos que dávamos”, lembra Maria de Lurdes Vieira que admite que a Arquivo continua a fazer parte de si e do seu dia-a-dia.
Sempre que pode, visita aquele seu “espaço especial”, faz sugestões e, quando viaja, percorre livrarias e toma notas de novos autores e novidades. “Sou suspeita por achar isto, mas, no estrangeiro, é muito difícil encontrar um espaço agradável como a ‘nossa’ Arquivo.”
A “refundação”
Em 2000, Xana Vieira, filha de Maria de Lurdes e de José Ribeiro Vieira, tomou o destino da livraria em mãos. Em sintonia e cumplicidade com o pai, estava apostada em criar em Leiria um local cultural único, com mais e melhor oferta.
“A Arquivo tem muito de mim e tem vindo a ter cada vez mais. Quero sempre mais e melhor”, admite. Quando a "refundada" livraria reabriu, surpreendeu a cidade e os autores e artistas que passaram a ser convidados periodicamente, para falar das suas obras e trabalhos.
Quando, fora de Leiria, ouve dizer que a Arquivo é um reconhecido espaço cultural da cidade, Alexandra diz que se sente de “coração cheio e uma alegria enorme”. Valter Hugo Mãe, quando era editor na Quasi Edições e antes de ser um dos mais populares escritores da nova geração, passou por lá e ficou encantado pelo conforto daquelas paredes forradas a livros e cheiro a café fresco no ar. Anos mais tarde, regressaria, para, em nome próprio, apresentar as suas obras a casas cheias de leitores.
A dado momento da sua carreira, António Lobo Antunes começou a recusar quase todos os convites para encontros com o público, à excepção de uma reduzida lista de locais. A Arquivo, onde o público se acotovelava para o ouvir em todos os espaços disponíveis, era um deles.
Maria da Luz recorda-se bem do primeiro autor a quem a nova Arquivo abriu portas. Foi o jornalista Carlos Fino. "As pessoas chegavam à porta e, incrédulas, perguntavam: 'é mesmo ele?' A livraria estava cheínha de gente!"
Hoje, a sala de eventos da livraria continua a atrair leitores. Uns são já verdadeiros amigos da casa, outros, aparecem pela primeira vez, mas, rapidamente, forjam laços.
"Somos uma família. Apresentam-nos os netos e há pessoas a quem vendi os primeiros livros para a escola e, agora, aparecem com os filhos, nas sessões dedicadas aos mais novos", conta “Luz”.
António Lobo Antunes, Pedro Mexia, Manuel Sobrinho Simões, António Coimbra de Matos, Lídia Jorge, João Tordo, Gonçalo M. Tavares, Manuel António Pina, Valter Hugo Mãe, José Luís Peixoto, Rodrigo Guedes de Carvalho, Mário Cláudio, Ondjáki, Luandino Vieira, Richard Zimmler, Adolfo Luxúria Canibal, Inês Pedrosa, Pepetela, Mia Couto, António Barreto, Raquel Varela, Gonçalo Cadilhe, Mário Zambujal, Carlos Pinto Coelho, José Eduardo Agualusa, Maria Teresa Horta, Dulce Maria Cardoso, Hélia Correia, Ana Margarida de Carvalho, Dulce Neto, Medina Carreira, Ana Pessoa, Nuno Camarneiro, Cláudia Clemente, Inês Pedrosa, Amélia Pinto Pais, José Gil, Maria Filomena Mónica, Helena Sacadura Cabral, António Portela e Paulo Moura são apenas alguns dos nomes de autores que, desde 2000, passaram pela Arquivo
“É uma honra, receber os escritores e pensadores que mais gosto de ler”
O que foi que a fez avançar para o novo conceito que resultou na nova livraria Arquivo, em 2000?
Várias coisas: a insistência do meu pai para me entregar à Arquivo e, além disso, o magnífico espaço, a sua luz, o poder fazer o que gostaria que fosse a nova Arquivo, dentro de um certo orçamento, o facto de os arquitectos poderem ser escolhidos por mim e perceberem bem o que eu queria. Não haver nada parecido em Leiria. O enorme prazer com que imaginava ver crescer e viver aquele espaço. O gosto por livros e ter crescido no meio deles.
Sente a presença do seu pai, um homem marcado pela mundividência e amante de cultura, na Arquivo?
Sempre. Muito. Acredito que todos sentimos. Ele transmitiu-nos bem a maneira de estar e fazer. Penso que, se continuasse entre nós, continuaria a fazer da Arquivo a sua segunda casa. De certeza.
Há alguma personalidade da cultura que gostaria de ter acolhido na livraria?
Sinceramente, já vieram quase todos. Falando só dos portugueses, faltam-nos alguns, mas poucos. É um prazer enorme, uma honra, receber os escritores e pensadores que mais gosto de ler, que são tão importantes a nível cultural, e não só, no país e estrangeiro. O mais interessante é que os “melhores” são os mais simpáticos e agradecidos. Faltou a Agustina e algumas surpresas.
A Arquivo também tem apoiado a edição de livros e até organizado festivais de poesia. É uma atitude proactiva em relação à comunidade onde se insere?
Sempre. Sempre. A própria agenda mensal da Arquivo revela essa atitude.
Tem planos para novidades na Arquivo, para os próximos tempos?
Sim, mas ainda estão em “criação”… tudo feito com paixão. Só assim consigo trabalhar e acreditar na Arquivo e na sua importância em Leiria e na região.
As crianças têm uma posição de destaque na livraria, com horas do conto, música e muitos eventos…
É um segmento que nos interessa muito. Temos um gosto especial por estas actividades. Temos cada vez mais fiéis leitores ou amigos pequeninos. As crianças são o futuro. É preciso que vejam, leiam e se passeiem pelo mundo da cultura, da criatividade. Serão pessoas mais completas e felizes.
José Ribeiro Vieira
Homem de cultura e das letras
Muito do que é hoje a Arquivo também se deve a José Ribeiro Vieira. Pai da actual responsável, era um homem de cultura e das letras, marcado por uma grande mundividência e sensibilidade, que adorava ler, conversar e debater ideias na sua mesa favorita, junto ao balcão da cafetaria.
Recebia ali convidados e dava lições de vida, muito marcadas pelo seu filósofo favorito, Agostinho da Silva. Aquela mesa era a sua cúmplice, na tarefa de fixar os seus pensamentos em papel, quando tomava à pressa uma "sandes literária" da Arquivo, entre uma e outra reunião de negócios.