O que é certo é que, nos últimos anos, Portugal tem aberto os braços (e a mente) ao que, antes, muitos viam apenas como vandalismo, ou na melhor das hipóteses uma arte menor.
Essa abertura fez com que o que era uma tendência de nicho, chegasse rapidamente ao mainstream e fosse como quase que engolida pela avidez das marcas e das instituições.
Todos querem um bocadinho do bolo, todos querem fazer parte do movimento. Nada de novo. Acontece e sempre aconteceu com quase todas as expressões artísticas.
Faz parte do processo. Neste caso, começas a escrever tags numa parede invisível dos subúrbios e podes acabar a construir instalações monumentais nas maiores metrópoles do planeta.
Hoje, o talento, a capacidade de inovação e de tornar visível a tua arte, é o que separa uma carreira de sucesso do simples passatempo de adolescência pseudo-rebelde. E, como em todos os movimentos artísticos, a última palavra é do público. do seu interesse e da forma como a arte impacta o seu dia-a-dia.
No caso das intervenções artísticas públicas ainda mais, claro. Se o objectivo é trabalhar para o público, a necessidade de saltar as fronteiras óbvias das grandes cidades, das massas urbanas, é ainda maior.
Após a polémica estalar com o cancelamento de uma intervenção de Vhils no edifício Santo António, no Foco, Porto, edifício desenhado pelo arquitecto Agostinho Ricca (1915-2010), em co-autoria com João Serôdio e Magalhães Carneiro, depois de uma imagem virtual, que mostrava o rosto de uma mulher esculpido, numa das fachadas do prédio de escritórios, ter sido fortemente contestada, a Fundação EDP lançou um programa de Arte Pública ambicioso e assente numa permissa de descentralização e envolvimento das populações de territórios de baixa densidade populacional.
Uma acha importante para uma fogueira que promete não parar de arder não depressa. O Arte Pública Fundação EDP, abrange 40 localidades, engloba 79 intervenções de mais de 35 artistas e, para já, resulta também em três roteiros – Alto Alentejo, Algarve e Ribatejo -, que serão pelo menos seis num futuro próximo, quando se juntarem Trás-os-Montes, Médio Tejo e Minho. Alexandre Farto também conhecido por Vhils, Manuel João Vieira, Luís Silveirinha, XANA, Mariana, a Miserável e Gonçalo MAR, são alguns dos artistas envolvidos, num programa "orientado para territórios de baixa densidade populacional e que tem como objectivo envolver a população em novas experiências culturais, estimulando o desenvolvimento e a economia local através da realização de obras de arte pública", como explica a Fundação em comunicado enviado à imprensa.
Por todo o País, artistas nacionais foram convidados a desenvolver um processo de colaboração com as populações locais, "motivando-as a participar em assembleias comunitárias para discussão das propostas de intervenção artística a realizar em espaço público (fachadas de edifícios, muros, posto de transformação da EDP Distribuição, etc.)".
O programa está já presente em cinco regiões: Algarve (projecto WATT?), Alto Alentejo (projecto Mayor. Art), Ribatejo (projecto UniArt), Médio Tejo (projecto ARTEJO) e Trás-os-Montes (projecto Voltagem).
Os roteiros surgem do trabalho dos artistas e servem como instrumento não só de promoção, mas como parte integrante das próprias intervenções, ao fazerem uma espécie de percurso inverso e saírem do "país paisagem", para mostrarem ao "país capital" que "o resto" existe, está vivo e não precisa de escolas culturais, nem de sobranceria gratuita.