À hora marcada, 20:30 sem tirar nem pôr, estavam todos de olhar pregado aos ecrãs. Era perto de uma centena na esplanada do bar Os Filipes, no Terreiro, mais uns quantos no interior, que aspiravam poder assistir ao que nunca tinham assistido.
Era quase tudo rapaziada nova, teenagers e nos primeiros anos dos vintes, de cerveja na mão, adereços verdes e brancos e uma vontade adicional de extravasar aquele sentimento que só eles percebem.
“Eu já vi o Sporting ser campeão, mas tinha dois anos, não me lembro. Gostava muito, era muito importante para mim passar por esta experiência”, confessa-nos Inês Oliveira, que em dia de casa-cheia ajudava a família, “quase toda lagartagem”.
Curiosamente, dentro daquelas paredes, apenas o avô, o incontornável Manuel dos Filipes, é benfiquista, mas não há espaço para discussões, porque “há coisas realmente muito mais importantes do que o futebol”.
Os filhos, Filipe Miguel e Gilberto Filipe, puxaram a paixão pelo verde à família materna. O pai e a mãe iam trabalhar e eles ficavam em casa dos avós.
“O meu avô Filipe, o original, era uma personagem bastante influente na família e era um sportinguista dos quatro costados. Em casa dele havia um póster enorme da equipa que ganhou a Taça das Taças em 1964. Aliás, quando faleceu, a fotografia até foi bastante disputada por toda a gente. Convencer os meus filhos também foi muito fácil, bastou levá-los a Alvalade uma vez e ficaram logo vacinados.”
Começa a partida. “Sporting allez, Sporting allez”, a esplanada canta a uma só voz depois de Pote atirar ao poste logo a abrir o jogo. A confiança vai crescendo, outra bola ao poste, a esperança aumenta, a impaciência também.
Duas raparigas entram no bar e pedem umas imperiais. “Não posso abrir excepções, amores. Só podemos servir a quem estiver sentado”, responde-lhes Inês. “Queremos ser parte da solução e não do problema”, explica o pai Miguel, aludindo ao momento pandémico “que ainda não passou”.
[LER_MAIS]“Braços no ar, todos de pé, vamos cantar, Sporting allez.” A equipa de Rubem Amorim aperta, o senhor Manuel passa com um tosta mista que “é uma especialidade” e Gilberto admite que é mais fácil estes jogos decorrerem se quando está a trabalhar, pois não há tempo para sofrer tanto. “Depois, quando chego a casa, ponho o jogo para trás e vejo tudo”, assume Miguel Oliveira.
E aos 36 minutos Paulinho marca. “Goooooolo!” Saltos, abraços, pulos, cervejas a voar, gritos e dois foguetes no ar. “Já não foge, caraças!” O primeiro título em 19 anos estava finalmente a caminho. Para uns, os golos de Mário Jardel e João Vieira Pinto são uma recordação vaga. Outros, só ouviram falar. “Mais uma rodada, pago eu.”
Chega o intervalo. “Parece que vai haver porrada entre dois sportinguistas, vá se lá saber porquê.” Os ânimos serenaram e acabaram abraçados. Passa uma ambulância. “O que se passa na rua direita? É algum benfiquista a sentir-se mal?”
O desafio avança e a equipa de Ruben Amorim não faz o segundo, mas controla os tempos do jogo. Perdeu o ímpeto da primeira parte, mas o resultado não parece estar em perigo. “Somos o Sporting, nunca nada é garantido”, ouvimos de um adepto.
“Só eu sei por que não fico em casa.” Canta-se outra vez quando faltam cinco minutos para os 90, mas também se aproxima a hora legal de encerramento do bar, estipulada para as 22:30 horas.
Miguel e Gilberto começam a arrumar. Mal acaba o jogo, a primeira coisa que fazem nem é dar um abraço, é pegar no ecrã que está na rua, levar para dentro e encaixotar.
Cá fora, rebentam foguetes, os adeptos festejam, voltam os gritos, volta a alegria. Quase todos com máscaras, mas alguns esquecem-se delas com a emoção. Partem em direcção à rotunda do sinaleiro. Foi lá a festa de há 19 anos. Esta pôde continuar por longas horas, sem grandes incidentes, mas com muita alegria incontida.
Foi uma “noite boa” para os Filipes, mas Miguel sente que podia ter corrido melhor, apesar de todos os cuidados.
“Queremos ser parte da solução e não do problema. Talvez por serem tão jovens eu consiga perceber alguns excessos que aconteceram. É normal, porque os sportinguistas não estão habituados e alguns nunca tinham vivido algo assim. Perceberam que também gostam de ser campeões.”
Mas aquela noite, naquele lugar, também foi difícil e triste para alguém. No caso, o senhor Manuel. Não por ver o Sporting campeão, “nada disso”, isso já lá vai, mas por já não ter a seu lado a pessoa que mais vibraria com este título.