A Associação Jazz de Leiria pronunciou-se há momentos pela primeira vez e informa que a maioria da direcção optou pela não destituição do presidente, que colocou o lugar “à disposição” e prestou “todos os esclarecimentos solicitados” em reuniões internas. O comunicado salienta, ainda, que no contexto da Escola de Jazz de Leiria (que depende da Associação Jazz de Leiria) nunca existiram queixas por parte de docentes ou alunas ou relatos de comportamentos menos próprios atribuídos a qualquer elemento da instituição.
Em causa, as queixas de assédio agora conhecidas mas que remontam ao período anterior ao Verão de 2022 na escola do Hot Clube de Portugal, em Lisboa, em que um dos visados é o presidente da Associação Jazz de Leiria, que também é director pedagógico da Escola de Jazz de Leiria e director artístico e maestro da Orquestra Jazz de Leiria.
O caso começou com a denúncia da DJ Liliana Cunha contra o pianista João Pedro Coelho, que inclui alegações de violação e stealthing (a não utilização de preservativo sem consentimento). O Hot Clube de Portugal reagiu através de um comunicado publicado a 6 de Novembro em que, por um lado, garante que o descrito não está relacionado com a instituição, onde João Pedro Coelho deu aulas, e, por outro, informa que no ano lectivo de 2021/2022, na escola do Hot Clube de Portugal, em Lisboa, foram identificadas duas situações de assédio que levaram ao afastamento dos professores. São ambos do distrito de Leiria e, um deles, é o presidente da Associação Jazz de Leiria. Em causa, mensagens e conversas com alunas maiores de idade.
O comunicado do Hot Clube de Portugal não identificava os professores convidados a sair em 2022, mas na terça-feira, 12 de Novembro, e conforme o JORNAL DE LEIRIA noticiou entretanto, ficou evidente a fractura na comunidade de jazz de Leiria: um dos vogais da direcção, em desacordo com o silêncio da Orquestra Jazz de Leiria, anunciou que cessava funções e abandonava a Orquestra Jazz de Leiria e a actividade de professor na Escola de Jazz de Leiria. “Não me revendo na posição que a AJL – Associação Jazz de Leiria adoptou, sinto-me obrigado a cessar todas as minhas funções para com esta entidade”, escreveu Paulo Santo nas redes sociais, decisão que confirmou ao JORNAL DE LEIRIA. Paulo Santo, que estava no Hot Clube de Portugal – onde actualmente continua a dar aulas – quando os dois professores foram afastados em 2022, e que desde essa altura conhecia o teor das queixas apresentadas pelas duas alunas, que levaram à criação pelo Hot Clube de um código de conduta, de um gabinete de apoio ao aluno e de um canal de denúncia, diz agora, citado pelo Expresso, que tem hoje “uma noção diferente a respeito da dimensão da situação” e que “em consciência, não podia continuar” na Associação Jazz de Leiria nem na Orquestra Jazz de Leiria e na Escola Jazz de Leiria, entidades que ao longo dos anos têm celebrado contratos e protocolos com o município e com o Teatro José Lúcio da Silva.
O silêncio prevaleceu – tanto por parte da Associação Jazz de Leiria como do respectivo presidente, sobre quem recaem as suspeitas – mesmo após o artigo do JORNAL DE LEIRIA na quinta-feira e de outro, no Público, que dava conta de um total de cinco denúncias manifestadas através de veículos informais (designadamente, para o email que Liliana Cunha e Maia Balduz estão a gerir) contra o músico e professor, que também lecciona na Universidade de Évora – mais do que aquelas inicialmente identificadas pelo Hot Clube de Portugal. Nenhuma, até à data, foi participada às autoridades (polícias ou Ministério Público) e as descrições de assédio (que referem mensagens, comentários, conversas e convites) não envolvem violência sexual e ficam aquém da gravidade de alguns actos imputados, por exemplo, a João Pedro Coelho.
Esta tarde, a Associação Jazz de Leiria veio, então, a público e no comunicado refere que “tem reunido amiúde, com o objectivo de criar todas as condições internas para que a sua actividade decorra com a normalidade e qualidade que têm sido constantes até hoje”. O texto sublinha, por outro lado, que a direcção da AJL “defende que as situações relatadas nas redes sociais sobre os abusos cometidos na comunidade do jazz em Portugal devem ser levadas à Justiça com a maior celeridade possível, apurando-se, no local próprio, as devidas responsabilidades” e que “condena, veementemente, os alegados comportamentos denunciados na comunicação social”. A direcção da Associação Jazz de Leiria reitera “que é nos tribunais que tais actos devem ser julgados pelo que encaminhará, de imediato, para a Justiça, todos os casos de assédio ou outros de que tome conhecimento”, notando “que, até ao momento, nenhum caso foi relatado a esta direcção”.
Liliana Cunha (nome artístico Tágide) não está ligada ao jazz nem foi aluna de João Pedro Coelho – sobre as alegações, o pianista declarou “total inocência” – mas originou um movimento relacionado em especial com o mundo do jazz que causou, entretanto, a abertura do endereço de email testemunhasdamusica@proton.me para queixas de assédio (e outras, mais graves) organizado pela própria Liliana Cunha e por Maia Balduz (antiga aluna do Hot Clube, música e professora). Várias associações do meio artístico e de acção contra a violência sobre as mulheres se pronunciaram, nos últimos dias, nomeadamente, para destacar a importância de existirem canais de denúncia.
De acordo com o Público, numa notícia de sexta-feira, há 85 denúncias de assédio e crimes sexuais, visando 27 pessoas, na sequência da acusação de violação da DJ Liliana Cunha contra o pianista João Pedro Coelho. Mais de metade incidem, precisamente, sobre João Pedro Coelho.
Segundo Maia Balduz, se existirem “provas suficientes”, está em cima da mesa a possibilidade de uma “queixa colectiva”. No imediato, o “apelo às instituições” tem como objectivo “construir um meio mais seguro”.
“Há muita gente que está a ganhar coragem de finalmente falar”, diz ao JORNAL DE LEIRIA. “É uma investigação que vai demorar. Todos os dias nos chegam casos”.
Maia Balduz considera necessário “afastar do ensino” as pessoas com comportamentos considerados inapropriados na relação entre docente e estudante.
Sexta-feira, o Hot Clube (que já tinha avançado ao Expresso a abertura de um inquérito interno) emitiu um novo comunicado, em que anuncia a constituição de uma comissão para apurar quaisquer situações que possam ter ocorrido.
Ao JORNAL DE LEIRIA, sobre 2022, o actual presidente do Hot Clube de Portugal, Pedro Moreira, explica que “as situações não foram reportadas às autoridades porque as denunciantes [duas alunas] assim não o entenderam”.