O futuro lar residencial da Cercilei, idealizado para dar resposta a 30 pessoas com deficiência, e cujo apoio no âmbito do Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais (PARES 3.0) já tinha sido protocolado no ano passado, poderá não sair do papel se a Cooperativa de Ensino e Reabilitação de Cidadãos Inadaptadas de Leiria não encontrar mais ajuda para a construção do equipamento. Isto porque o estalar da guerra fez disparar o preço dos materiais e o custo total da obra duplicou.
“Se não houver outros apoios, não sabemos se levamos a obra a concurso público”, informa Cristina Meireles. “O projecto foi aprovado, mas por um valor que nada tem a ver os preços que se praticam com a actual inflacção”, observa a presidente do conselho de administração, notando que o valor do terreno também está a encarecer muito o projecto.
Ricardo Alexandre, director financeiro da Cercilei, contextualiza os factos. “Ainda antes de formalizarmos a candidatura, já tínhamos adiantado trabalho, com projecto de arquitectura e licenciamentos, até porque o grau de maturidade dos projectos é um dos critérios que pesam na apreciação”, recorda. O objectivo seria, após aprovação do apoio, [LER_MAIS]avançar com a construção “chave-na-mão”.
O projecto foi aprovado com um orçamento de 1,7 milhões de euros, com comparticipação de cerca de 1 milhão por parte do PARES 3.0 e 700 mil suportados pela Cercilei. Os contratos foram assinados no ano passado e têm uma duração de dois anos, sendo que as entidades apoiadas têm seis meses para iniciar a construção, informa o director financeiro. “Mas começou a guerra e os preços aumentaram. Para não termos surpresas ao lançar a obra, consultámos informalmente construtores e não ficamos agradados com as respostas. Os preços duplicaram. De 1,7 milhões tivemos respostas de 3,5 milhões de euros”, especifica o responsável. “Exige demasiado suporte financeiro da parte da instituição.”
“Ainda não lançámos concurso, porque precisamos de encontrar soluções para os encargos suportados pela Cercilei.” Embora os seis meses previstos para o arranque da obra já tenham decorrido, a IPSS enviou mais documentação e novo caderno de encargos para se certificar de que não haverá erros no concurso. A cooperativa está a aguardar resposta por parte da Segurança Social.
Entretanto, a instituição foi informada que as entidades que avancem com adjudicação da obra até ao final de Março de 2023 receberão aumento de 10% de apoio na componente pública. “Mas é muito pouco, já que será sobre o valor do projecto aprovado e não sobre os valores actuais”, observa Ricardo Alexandre.
No sentido de mobilizar a comunidade, no Natal a Cercilei já enviou cartas a vários empresários da região, adianta Cristina Meireles.
Na semana passada, à margem da cerimónia de assinatura de protocolo com três instituições do distrito, que obtiveram apoio do Plano de Recuperação e Resiliência para executar projectos de habitação colaborativa, João Paulo Pedrosa, director da Segurança Social do Centro Distrital de Leiria, disse ao nosso jornal que o encarecimento das obras está a afectar os projectos de várias IPSS.
“Algumas instituições já estão muito adiantadas, com obra feita, outras a iniciar, outras ainda a aprovar os projectos de execução”, sendo que “os preços aumentaram bastante, e as instituições, também com as autarquias, estão a tentar agilizar e a resolver os problemas”.
Confirmou que, no âmbito do financiamento do PARES 3.0 “está prevista uma majoração de 10% para quem começar obras até Março” e notou que, “apesar de não ser fácil”, os processos estão a decorrer dentro dos prazos.
Custos elevados e excesso de burocracia
O grande aumento do custo das matérias-primas, a escassez de recursos humanos para executar as obras, mas também o excesso de burocracia associado ao financiamento do PARES são queixas recorrentes entre os responsáveis pelas IPSS. Em Maio de 2022, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, realçava, em Leiria, que “o investimento social é um instrumento e motor determinante do desenvolvimento” e congratulava-se pelas 24 IPSS do distrito que vão receber do Governo um investimento de 15,3 milhões de euros, no âmbito da PARES 3.0.
A Santa Casa da Misericórdia de Pedrogão Grande está entre estas 24 instituições e tem apoio aprovado para construção de Estrutura Residencial Para Idosos (ERPI), Serviço de Apoio Domiciliário (SAD) e Centro de Dia, para 152 lugares. Mas, explica o provedor, António David, o projecto está parado. Tinha valor total de 1,8 milhões, com investimento público de cerca de 1,4 milhões de euros.
Contudo, devido ao aumento dos custos das matérias-primas, “de 1,8 milhões passou para 2,5 milhões” e a IPSS teve de enviar novo caderno de encargos à Segurança Social. Em princípio, assim que chegue a resposta, o objectivo é avançar. No entanto, “não temos capitais próprios, vamos ter de contrair empréstimo à banca de 950 mil euros”, salienta o provedor.
Américo Anastácio, técnico que tem acompanhado o projecto de criação do Centro de Actividades Ocupacionais da Santa Casa Misericórdia Alvorge (Ansião), investimento que estava previsto em 990 mil euros (com apoio do PARES de 530 mil), que dará resposta a 32 pessoas com deficiência, também refere que a obra ainda não foi lançada a concurso, nem a IPSS tem ideia de quanto quanto poderão ter encarecidos os trabalhos nos últimos meses.
Mas, com mais ou menos custo, a instituição tenciona avançar com projecto, pela relevância que tem na região.
Obras quase prontas e equipamentos abertos
Quando a Santa Casa da Misericórdia de Porto de Mós teve sinal verde de apoio no âmbito do PARES 3.0, para a ERPI, SAD e Centro de Dia, para 141 lugares, já o projecto de 1,5 milhões de euros seguia a grande ritmo. Portanto, a IPSS só pôde candidatar 990 mil euros, dos quais foram aprovados apoios de 703 mil, recorda o provedor.
Entretanto, a obra está quase pronta e a instituição ainda não recebeu nada, conta Paulo Carreira. A IPSS está “há três semanas a trocar emails com Leiria e Lisboa”, no sentido de conseguir adiantamento de 100 mil euros, com alguns documentos enviados “duas e três vezes”, relata o provedor, para quem o maior problema nestes projectos “é administrativo”.
Do seu ponto de vista, ajudaria existir uma única plataforma, à qual todas as entidades que têm de dar parecer tivessem acesso, para que rapidamente vissem o que está conforme e o que carece de ser rectificado.
Nas Caldas da Rainha, o Centro de Apoio Social de Nadadouro tem em curso a construção de uma ERPI para 30 idosos, projecto iniciado em 2018, obra adjudicada por 855 mil euros, mas que já ultrapassou um milhão de euros. Da candidatura a apoio de cerca de meio milhão, o PARES aprovou o financiamento de cerca de 255 mil euros, explica a presidente de direcção. Alice Gesteiro, presidente da IPSS, acredita que a obra estará pronta até ao final de Março e que a majoração da comparticipação pública seja uma possibilidade.
Ainda assim, “tivemos de aumentar o valor pedido à banca”, o que é “um esforço”. “E quanto mais prolongarmos os períodos de carência, mais anos pagamos os juros”, realça.
Com construção iniciada em 2017, o Centro Social Paroquial de Regueira de Pontes (Leiria) já funciona desde Março de 2020. O apoio do PARES 3.0 (501 mil euros) será bem-vindo, nota Vítor Matos, vice- presidente desta IPSS, que aguarda a transferência da verba para abater a dívida na banca, de cerca de 2,8 milhões de euros. Além do empréstimo, foi preciso avançar também com capitais próprios e obter ajuda junto da comunidade, recorda.
Carlos Agostinho, provedor da Santa Casa da Misericórdia da Batalha, informa que a ERPI já funciona desde Maio de 2021. A IPSS candidatou ao PARES investimento de 1,4 milhões de euros, e obteve luz verde para apoio de 400 mil euros. A instituição ainda aguarda pela comparticipação, que será essencial para ampliar o espaço, que poderá passar de 28 para 45 beneficiários.
Adiantamento garantido
Também José Godinho, presidente de direcção do Centro de Educação Especial, Reabilitação e Integração de Alcobaça (CEERIA) aponta para a complexidade destes processos, para os quais muitas entidades não estão preparadas, nem do ponto de vista financeiro, nem do ponto de vista de conhecimento técnico.
Quando se candidatou ao PARES 3.0 já o projecto do lar residencial e Centro de Actividades Ocupacionais (CAO) do CEERIA estava em curso. Previa-se, então, um investimento total de 1,5 milhões de euros. A IPSS candidatou-se a um apoio do PARES 3.0 de 580 mil euros, conseguindo uma comparticipação de 464 mil euros. No entanto, realça José Godinho, o valor total das obras veio a subir para 2,5 milhões, “devido à pandemia, à guerra na Ucrânia e à construção dos arranjos exteriores” do espaço.
Felizmente, o processo correu pelo melhor (a conclusão da empreitada está prevista para o final do primeiro trimestre de 2023 e a IPPS já recebeu um adiantamento da Segurança Social de cerca de 70 mil euros). Mas apenas porque a IPSS optou por trabalhar em várias frentes.
Por um lado, concorreu também a financiamento do FEDER. Por outro, recorreu à banca e ao município de modo a poder concluir o projecto. Mas o sucesso deve-se sobretudo, defende José Godinho, “à estratégia utilizada pelo diretor-geral do CEERIA, que colocou durante dois anos a directora-geral técnica e o contabilista certificado da instituição, praticamente afectos a um trabalho de complementaridade” com o Município de Alcobaça, o Centro Distrital de Segurança Social, o gabinete de arquitectura e engenharia e o empreiteiro.