Respirou fundo e olhou para cima durante uns segundos antes de atirar. Gritou quando o peso caiu e foi ter com o treinador assim que soube a marca: 20,43 metros. Aos 31 anos, Auriol Dongmo, nascida nos Camarões, radicada há cinco anos em Leiria e atleta do Sporting Clube de Portugal, sagrou-se campeã do mundo de lançamento do peso em pista coberta, em Belgrado.
A líder mundial do ano bateu um novo recorde nacional absoluto e voltou a fazer história com as cores de Portugal naquilo que diz ter sido “um sonho tornado realidade”.
Crente e devota de Nossa Senhora de Fátima, escreveu: “A força que lançou o peso a 20,43 metros não é só minha. Sozinha não sou nada. Deus ajuda-me a superar-me, a motivar-me e é Ele quem tem colocado as pessoas certas no meu caminho”.
“No topo do pódio mundial está também o meu treinador, a minha família, todos os meus amigos e um País que me apoia cada vez mais de forma incondicional”, acrescentou.
De olhos postos nos Europeus e Mundiais ao ar livre e, a médio prazo, nos Jogos Olímpicos de Paris, a atleta assume que quer “continuar a vencer durante muito tempo” e dedica esta conquista ao treinador que a acompanha desde 2017 em Leiria.
Orgulho no trabalho feito na cidade do Lis
“É uma sensação de realização pessoal e do orgulho pelo trabalho feito e pelo processo que foi iniciado há vários anos que culminou, para já, nesta vitória”, descreve o treinador Paulo Reis, de 49 anos e natural do Vidigal, Leiria.
“O caminho foi muito difícil”, garante, mas possível graças à dedicação da atleta que “trabalhou muito a técnica e a parte física, tornou-se mais rápida, mais forte, mais explosiva e melhor tecnicamente”.
Numa competição onde “todos os atletas são tecnicamente bons”, acredita que “só os seres diferenciados é que conseguem levar a medalha de ouro para casa”.
“E é aí que a Auriol se consegue situar como uma pessoa e uma atleta com uma dimensão completamente diferente. Há os atletas e depois há os super-heróis como ela que conseguem ultrapassar tudo com uma determinação que às vezes é difícil de explicar”, confidencia.
Mas para chegar aqui, acrescenta, é necessário “uma luta diária para ultrapassar todas as dificuldades”, sejam “lesões, dias menos bons, problemas técnicos, as provas mal conseguidas ou o contexto de treino”.
A treinar naquela que, este ano, é a Cidade Europeia do Desporto, o técnico lamenta que Leiria esteja “a milhas daquilo que realmente é o contexto ideal” para o desporto de alto rendimento.
“Uma coisa é termos um contexto de treino bom para treinar um atleta de nível nacional, outra coisa é termos um contexto óptimo para treinar um atleta que luta para ser o melhor do mundo”, explica, acreditando que “as pessoas e quem tem de decidir não conhecem esta realidade”, mas na certeza de que “este não é um trajecto de queixas mas sim de fazer o melhor possível com o que está à disposição”.
“Sou treinador da melhor do mundo e o título mundial já ninguém nos tira, mas isso não muda nada porque para a semana voltamos ao treino e temos de continuar”, atira, assumindo a vontade de “chegar a um patamar de rendimento mais elevado” porque “a carreira não acaba aqui e há muito por fazer”. “Por isso é que o desporto é tão apaixonante: porque não há vencedores antecipados em nada”.