Na sexta-feira, dia 31, celebra-se o Dia Nacional do Doente com AVC, uma data que serve para recordar que o Acidente Vascular Cerebral (AVC) ainda é uma das principais causas de morte e incapacidade em Portugal.
É a doença vascular cerebral mais frequente no mundo, caracterizada pela perda rápida da função neurológica, causada por uma interrupção do fornecimento de sangue ao cérebro.
Por outras palavras, as células do cérebro asfixiam e morrem, provocando lesões que podem paralisar parte ou a totalidade do corpo, impedir a fala e mesmo a morte.
Embora o rápido acesso a cuidados especializados tenham melhorado o prognóstico e a qualidade de vida, desde que, há 20 anos, a efeméride foi criada, os números recolhidos pela Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, mostram que, por hora, três portugueses são vítimas de AVC. Destes, um não sobreviverá.
Os últimos números do INE, referentes a 2016, revelam 25 mil casos diagnosticados.
A estatística revela ainda que, por ano, em cada mil habitantes, dois sofrem um acidente vascular cerebral e que 41% dos sobreviventes ficam dependentes de terceiros no dia-a-dia.
Em Leiria, para apoiar os sobreviventes de AVC, foi criado, por quatro profissionais da saúde, há cerca de um ano, um Grupo de Ajuda Mútua (GAM), que integra uma rede nacional que auxilia as vítimas.
Mário Cruz, 74 anos, vidreiro reformado da Marinha Grande, nunca foi homem para estar parado, porém, em Abril de 2021, deu entrada no hospital com diagnóstico de AVC e, seis meses depois, o cenário repetiu-se.
“Tive dois. As pessoas admiram-se quando conto que os tive e eu também!” Não fumava, não bebia. “Não perdia noites.”
Fazia as caminhadas e gozava de uma forma física invejável, que cultivava desde os tempos em que jogava futebol.
No GAM partilha experiências da doença com outros sobreviventes, faz amigos, participa em sessões de ioga do riso e aprende mais sobre a doença.
No encontro a que o JORNAL DE LEIRIA assistiu, trouxe a mulher, Emília, que relata aquela primeira noite quando se apercebeu que o marido estava com “um mexer diferente”.
Falou-lhe mas não recebeu resposta, chamou o filho que reconheceu os sintomas e ligou ao 112.
Passado ano e meio, após ter feito fisioterapia para se livrar do andarilho, já conduz, mas a “cabeça está mais zonza” e esquecida. Continua a fazer caminhadas diárias, mas teve de abrandar.
“Fiquei um autêntico bebé”
Mara Faustino, de Leiria, tinha 26 anos quando o AVC lhe saiu ao caminho.
É a prova viva de que o AVC não escolhe idades e não é só uma doença de idosos, embora este seja o grupo mais afectado.
Quatro anos depois, sente que a vida regressa aos eixos.
Foi mãe e trabalha à distância em Recursos Humanos, numa empresa de tecnologia, sediada em Lisboa.
Após uma cirurgia bem sucedida a uma vértebra, acordou a meio da noite com problemas na fala, ausência de força e de visão.
A mãe ligou para o hospital da CUF, em Lisboa, que recomendou que a jovem fosse para o hospital.
“Penso que não perceberam que estávamos em Leiria”, conta.
Recorda-se de, numa segunda-feira de manhã com muito trânsito, ter ido de carro com a mãe e com a irmã e, após ter chegado à CUF, com uma enorme dor de cabeça, desmaiou.
Acordou decorridos três dias.
“Não reconhecia as pessoas, estava paralisada de um dos lados e a fala era arrastada… fiquei um autêntico bebé.”
A família e a garra, conta Mara, estão na base da recuperação que se vai fazendo todos os dias.
“Até tenho restrições na carta de condução. Não posso ir mais longe do que 30 quilómetros do local de residência e em carro com mudanças automáticas. E eu não tenho um carro desses!”
No trabalho, tem de reservar algum tempo obrigatório para repouso, caso contrário, a conclusão de tarefas torna-se difícil.
Melhor prevenir do que remediar
“Era 200% dedicada ao trabalho!”
Relatos de superação após acidente vascular cerebral
Anabela Malva é contagiante tal como a sua mensagem: “Temos de ter sempre uma atitude positiva. Temos, depois do AVC, de aprender a cuidar melhor de nós. Temos de valorizar o que ainda temos e não de estarmos agarrados ao que perdemos.”
Natural de Coimbra, vive em Leiria e tinha 44 anos, quando o AVC lhe bateu à porta.
Hoje, cinco anos depois, ninguém diria que esta professora sofreu um encontro imediato com aquilo que ninguém quer. “Estava a tomar o pequeno-almoço, quando sentiu todos os sintomas típicos do AVC: face, força e fala.
“Estragou-me o fim-de-semana, o mês, o ano e não estragou mais porque eu não deixei!”
Teve um AVC isquémico, impulsionado por uma doença autoimune, que lhe fragiliza a saúde.
Docente de Biologia e antiga bombeira voluntária, rapidamente percebeu o que se passava.
No hospital a equipa médica confirmou o que receava. Após 48 dias de baixa, voltou para a sala de aulas.
Nota que continua a sentir limitações e a afasia, dificuldade em fazer coincidir o pensamento com as palavras proferidas, é uma delas, bem como falta de memória e desequilíbrio.
“Agora sou mais activa no exercício físico, mas, antes, também não era sedentária. Não fumo, não bebo e não fazia uma vida de exageros. A ausência de factores de risco ajudou-me a recuperar.”
Carla Rodrigues acabava de lavar a loiça, quando sentiu que caía para o lado.
Descreve o sucedido pausadamente. As palavras, teimosas, fogem-lhe quando as tenta agarrar, mas a escriturária de Leiria, de 54 anos, não desiste de contar a história.
Ano e meio depois, a batalha agora é recuperar a agilidade do braço e da perna direitos e a fala.
Para isso, conta com o apoio da terapeuta da fala do grupo, Marta Domingues. Com as sessões, conseguiu melhorar e já fala o triplo de quando começou e até já voltou a ler.
Paulo Figueiredo nasceu em Tomar, mas vive em Leiria.
O AVC que sofreu há 11 anos, roubou-lhe muita da capacidade de falar. Apesar do trabalho de recuperação, acredita e também é a opinião dos médicos, que terá chegado ao máximo de recuperação.
“Eu não dizia nada, nada, nada!”, diz, recordando os primeiros tempos. A frustração de não conseguir dizer certas palavras é visível e, por vezes, sai-lhe da boca um “ai, caraças!”.
“Era CEO da Bongás Energias Aveiro”, escreve no ecrã do telemóvel, para ajudar na comunicação.
“E trabalhava para o mercado de Moçambique”, adianta. Hoje, com 59 anos, reformado, conduz e dedica-se ao motociclismo, na sua Honda, uma das grandes paixões da sua vida. Passeia, está com os amigos, faz ginástica e abandonou completamente qualquer sinal de sedentarismo.
Não falta a uma reunião do GAM.
Susana Martins é auxiliar de saúde no Hospital de Santo André, fundadora e voluntária no GAM e também sobrevivente de AVC.
Tinha 38 anos e recorda que as 24 horas do dia não lhe chegavam para despachar todo o trabalho que levava para casa. Não conseguia desligar.
“Era 200% dedicada ao trabalho! Tinha uma equipa, tinha de abrir e fechar loja, de lançar ordenados, de organizar horários e trabalhava por turnos.”
Um mês antes, tinha sofrido um Ataque Isquémico Transitório (AIT), contudo, no dia do AVC, o corpo desligou. Desmaiou, e o marido encontrou- a no chão. Atribuiu o sucedido ao cansaço, não ligou aos sinais e foi deitar-se.
Só passado algum tempo percebeu que algo estava muito errado. No hospital, percebeu que não tinha noção do corpo, o que ajudou a equipa médica no diagnóstico.
“O AVC tem tantos sintomas diferentes, que, mascara-se de várias doenças.”
Fez terapia da fala, fisioterapia e eventualmente, despediu-se.
Sentia dificuldade em manter o ritmo e percebia que havia quem não compreendesse as suas dificuldades.
Quando começou a pandemia, foi trabalhar para o hospital de Leiria onde conheceu as restantes três fundadoras, que perceberam a sua vocação para escutar e estar presente e disponível para os outros.
Juntas, criaram o GAM há um ano.