Domínio automóvel | Uma série de caixas ou de ilhas à volta de centro urbano antigo. Leiria será assim? Umas são para dormir, outras para fazer compras, outras para a ginástica, outras têm escolas. Sem soluções de mobilidade leve – a pé ou de bicicleta – só de carro se consegue alcançar certas zonas porque não é possível caminhar até lá. Os cidadãos pedem alternativas.
Recentemente, numa das Conferências da Arquivo, organizada pelo Colectivo a9)))), na livraria Arquivo, com o intuito de discutir a cidade, em geral, e Leiria em particular, o arquitecto paisagista João Marques da Cruz, um dos oradores convidados, chamou a atenção para a "revolução na cidade" verificada com a chegada do automóvel e das estradas.
"Leiria vive dentro de uma série de caixas à volta do centro. Umas são para dormir, outras para fazer compras, outras para a ginástica, outras têm escolas. São muitas de caixas onde só se acede de carro porque não é possível caminhar até lá."
O arquitecto fez mesmo as contas sobre o tempo necessário para efectuar um trajecto diário, habitando na aldeia das Cortes, e trabalhando em Leiria, calculando que desde que se sai de casa, deixando os filhos nas escolas e se chega ao emprego, se percorrem 34 quilómetros de carro. "É preciso mais de uma hora para percorrer essa distância, diariamente." Para contrariar a tendência DE domínio do automóvel, Marques da Cruz disse ser necessário reproduzir o Polis nas freguesias e noutras zonas da cidade, como a Avenida Marquês de Pombal, com árvores, menos vias de rodagem e ciclovias. "E uma ciclovia não é uma faixa de alcatrão vermelho, ao lado da estrada e sem sombras!".
Na semana passada, a autarquia anunciou intervenções rodoviárias nas avenidas General Humberto Delgado e Nossa Senhora de Fátima, orçadas em mais de 3,5 milhões de euros, prevendo-se a criação de ciclovias, vias automóveis com apenas um sentido e mais espaço para os peões.
Mas serão estas medidas suficientes para uma cidade com apenas 63 mil habitantes e que sente, cada vez mais, constrangimentos diários no tráfego automóvel? Não há respostas simples para a questão.
Uma cidade onde a mobilidade sustentável se combine harmoniosamente com as necessidades da população é um trabalho em constante desenvolvimento, uma utopia.
Uma cidade de ilhéus
Leiria é uma cidade constituída por um grupo de ilhas urbanas. Uma ilha central constituída pelo núcleo antigo, castelo e estádio domina um arquipélago onde existem ainda a urbanização de Santa Clara, o Morro do Lena, a zona da Cruz da Areia, a Estação e a Gândara dos Olivais, a Nova Leiria e os Marrazes.
Para a maioria destes ilhéus ou caixas, não há uma ligação fácil, sem ser através de deslocação automobilizada. “Um plano de mobilidade deve ser feito sem interferência de gostos pessoais ou de achismos, mas cimentado em dados, estudos e simulações técnicas e estatísticas.”
É isto que defende o Movimento Mobilidade Sustentável, um projecto da Associação Asteriscos, de Leiria, que esta semana lançou uma petição para alertar para a necessidade de um planeamento que inclua a mobilidade sustentada e discussões concretas sobre as periferias e regeneração urbana.
Novas regras de acesso ao centro histórico de Leiria
Com a anunciada requalificação das avenidas Nossa Senhora de Fátima e General Humberto Delgado, a cidade vai contar com mais trechos de ciclovia e zonas pedonais. O desafio, em termos de mobilidade suave, explica Raul Castro, será a ligação entre as ciclovias existentes que já se estendem por algumas das novas artérias de Leiria, mas que ainda não existem no centro da cidade e não permitem, a quem opta pela utilização de bicicletas e veículos semelhantes, deslocarem-se em segurança aos principais pontos da localidade.
O presidente da autarquia elogia o projecto U-Bike, apresentado na segunda-feira e onde participam os corpos docentes, discentes e funcionários do Instituto Politécnico de Leiria, e o exemplo que ele poderá dar aos restantes cidadãos.
"A partir do momento que estiver visível a utilidade das bicicletas eléctricas, numa cidade de relevo acidentado como Leiria, a autarquia poderá também entrar no projecto e tentar criar estações de bicicletas, para servir a população", afirma.
O vereador Ricardo Santos, por seu turno, confirma que o Município de Leiria está a desenvolver um plano que passa pela criação de novas ciclovias, estabelecendo a ligação entre as já existentes. “No âmbito da requalificação do sistema viário da cidade, a câmara tem dado especial atenção à criação de ciclovias e um dos exemplos é a requalificação da Avenida Nossa Senhora de Fátima, que contempla uma ciclovia com ligação ao Percurso Polis”, explica.
Ali está também programada a reabilitação da ciclovia. Em termos de mobilidade e soluções para peões e veículos no centro histórico de Leiria, explica a mesma fonte, está em desenvolvimento a criação de modelos de condicionamento de acesso de viaturas, que contemplarão medidas de excepção para moradores e para cargas e descargas, em horários [LER_MAIS] pré-definidos.
O objectivo é deixar a zona mais livre para a circulação pedonal, eventual criação de locais de lazer e permitir soluções de mobilidade suave, menos agressivas para quem visita ou vive no casco antigo da cidade.
Um dos grandes problemas de quem vive na “caixa” que é a urbanização de Santa Clara (AKI), é a ausência de um acesso fácil que ligue a zona às escolas Superior de Tecnologia e Gestão e Superior de Saúde, à zona comercial ou até à cidade de Leiria.
Por cima do viaduto da A19, embora muitos desafiem a sorte diariamente, é proibido circular a pé, e, por baixo dele, a solução sofre de vários erros de execução. A autarquia diz que haverá, entretanto, uma solução, mas está condicionada pela execução do parque verde da urbanização Quinta da Malta.
“Está programada a criação de um atravessamento sob a A19, de modo a permitir o acesso pedonal à urbanização de Santa Clara”, afiança Ricardo Santos. O vereador assegura também que o serviço do Mobilis, a rede de autocarros urbanos de Leiria, tem registado melhorias.
“O número de reclamações tem vindo a diminuir ao longo do tempo. Quando as recebemos, bem como as sugestões dos utentes, estas são analisadas em conjunto com a Rodoviária do Lis, no sentido de ser avaliada a possibilidade de serem feitos ajustamentos ou adaptações nos horários ou circuitos.”
Recordar o Biclis para evitar erros
O presidente da Câmara de Leiria, Raul Castro, não esquece a malograda iniciativa Biclis, que permitia aos cidadãos de Leiria utilizarem velocípedes, cedidos pela Câmara, para as suas deslocações dentro da cidade.
Ao fim de pouco tempo, era já possível ver as Biclis à venda na Feira da Ladra, em Lisboa, e não tardou até que a maior parte delas desaparecessem ou estivessem avariadas. "Será preciso algumas cautelas, mas as bicicletas eléctricas, como as que estão a ser utilizadas no projecto U-Bike, já têm GPS e será possível saber onde estão", afirmou, salientando que a propulsão eléctrica dos velocípedes pode resolver a questão da morfologia do terreno da cidade.