Queremos entrar e não podemos. As frestas por onde antigamente o pessoal se enfiava estão agora entaipadas com tijolos e os portões estão fechados a sete chaves.
É normal. O espaço está degradado e há coisa de uma década que não temutilização. Basicamente, desde que o pelado foi trocado pelo relvado sintético lá no fundo da aldeia.
Sentimos uma espécie de dor de alma quando espreitamos lá de cima, por detrás da baliza norte, onde o muro é mais baixo.
Um carro capotado ocupa há anos o centro do terreno onde em tempos se jogava a glória e a honra da aldeia que recusou fazer parte da união que quis juntar Leiria. Tudo está cinzento, apodrecido, sem vigor, morto.
Está tão diferente, para pior, daquele dia 8 de Dezembro de 1969. Passaram agora 50 longos anos sobre aquele que terá sido o mais feliz dia da agremiação.
Foi nesse dia que Fernando Monteiro teve a suprema honra de segurar na bandeira do clube na cerimónia de inauguração do Parque de Jogos do Sport Clube Leiria e Marrazes.[LER_MAIS] “Nem era o mais velho em idade, mas era quem estava mais ligado ao clube”, explicou.
Feito de suor e lágrimas, o campo de futebol foi construído “simbolizando o empenho, a dedicação e o amor clubístico de todos aqueles que se envolveram no projecto”.
Os marrazenses foram a mão-de-obra e o patrocinador que permitiu a obra avançar. Por isso, “sentiam que o campo era seu”, explica o antigo avançado, famoso pela sua barba e pelos 496 golos que, dizem, marcou na carreira.
Para a inauguração foi convidada a recém-formada equipa da União de Leiria e, na cerimónia, sete mil pessoas lotaram por completo o recinto.
O orgulho durou durante muito tempo. “Ia toda a gente ao futebol: desde a mulher, ao cão e ao periquito”, recordou João Rocha, outra antiga glória. A elevada afluência devia-se ao facto de, ao domingo, só “haver a missa de manhã e o futebol à tarde”.
Momentos infelizes, houve alguns, como a morte do jogador José Lemos, em pleno jogo com a União de Santarém, a 5 de Novembro de 1972, apenas três anos após a inauguração do campo.
Felizes, muitos mais. Em 1976/77, o Leiria e Marrazes assegurou naquele mesmo campo a única subida ao segundo patamar do futebol português.
O jogo decisivo foi frente ao Sporting Clube Campomaiorense. Com o Parque de Jogos à pinha, a vitória foi contundente. O resultado final foi 3-0, com dois golos de João Rocha.
No ano seguinte, a 12 de Março de 1978, à 19ª jornada da 2.ª Divisão, não cabia mais ninguém no campo, porque todos queriam ver Eusébio jogar com as cores da União de Tomar.
“Nunca tinha visto tanta gente naquele recinto”, recorda o então médio Guilherme Lopes. Apesar de “já não estar numa forma física capaz”, o Pantera Negra assustava. “As bolas paradas eram sempre um perigo.”
Solução
Centenas de jogos e milhares de miúdos depois, como um pequeno rapaz que está de forma inelutável ligado à história do desporto nacional, o campo deixou de servir.
Os relvados sintéticos da Aldeia do Desporto passaram a abarcar toda a actividade do Leiria e Marrazes e o Parque de Jogos, onde Rui Patrício trocou a extrema esquerda pela baliza, ficou em silêncio sepulcral.
O presidente da União das Freguesias de Marrazes e Barosa, proprietária do terreno, está ciente de que herdou um problema “sensível”.
A cedência da Aldeia do Desporto ao clube resolveu o problema da inexistência de sintéticos “com alguns constrangimentos”, mas feriu os adeptos do clube que construiram o Parque de Jogos com esforço e dinheiro próprios.
“Não existe nada projectado para aquele espaço”, assume Paulo Clemente. Não esconde que há várias possibilidades, mas o assunto “não é uma prioridade”.
A ano e meio de terminar o mandato, está mais interessado em resolver os problemas do campo de tiro e do centro educativo.
Alguns adeptos mais velhos gostavam de ver ali um museu ligado ao clube. A hipótese de uma urbanização, em que fosse vincada a história do Parque de Jogos, também já foi ventilada.
Uma solução que, numa altura em que o imobiliário está em alta, até poderia beneficiar a junta e o próprio clube.
O presidente do clube entende que “qualquer que seja a solução, o clube tem de ser envolvido”, já que foi a população, em prol do emblema, que tudo ali fez, “bancadas, balneários e muros”.
Pedro Dinis não tem dúvidas. “Não faz sentido é estar como está. Isso é que desonra a nossa história.”