Gravado para sempre na memória dos habitantes do norte do distrito de Leiria, o incêndio de 17 de Junho de 2017 deixou ainda marcas indeléveis no corpo e na mente de Rui Rosinha.[pub-by-id pubid=’220′ f=’2′] Quando estava a regressar do combate a um fogo em Figueiró dos Vinhos, um carro colidiu de frente com a viatura onde seguia, com tal violência que ambas se incendiaram.
O bombeiro de Castanheira de Pera e mais quatro elementos da corporação fugiram do local, perante a iminência de uma explosão, e encontraram uma família rodeada por chamas, a poucos metros de distância.
Para a protegerem, formaram um círculo, abraçaram-se e usaram o corpo como escudo. O acto heróico mudou para sempre a vida de Rosinha.
Aos 42 anos, foi-lhe atribuído um grau de incapacidade de 85%, mas está a receber, desde Janeiro, uma reforma por invalidez de apenas 395,97 euros por mês.
A valentia e a nobreza dos cinco bombeiros de Castanheira de Pera acabou por causar a morte a um dos voluntários, Gonçalo Conceição, e provocou queimaduras graves em todos.
Já a família, de quatro adultos e uma criança, saiu ilesa. Fiscal na câmara, Rui Rosinha nunca mais pôde voltar a trabalhar.
Desde então, os seus dias são passados a fazer fisioterapia dia sim, dia não, e em Coimbra, onde tem de se deslocar mais de uma vez por semana, para ir a consultas de neurologia, patologia do sono, pneumologia, fisiatria, cirurgia geral e plástica, dermatologia, oftalmologia, psiquiatria, psicologia e psicoterapia.
Com dois filhos menores, Rui Rosinha tinha a expectativa que a Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) completasse a diferença entre a reforma e o vencimento que auferia, mas ficará a ganhar menos 83,83 euros.
A partir deste mês, vai receber, assim, 282,28 euros, pagos pela através do Fundo Social de Proteção dos Bombeiros, 14 vezes por ano.
No total, vai ficar com 678,25 euros, quando recebia 762,08 euros na autarquia.
“É bom haver essa compensação, mas o ideal seria não perder o rendimento que tinha à data do acidente”, observa. “Os bombeiros voluntários estão ao serviço do País e tivemos o acidente quando estávamos em trabalho”, sublinha Rui Rosinha.
O presidente da LBP, Jaime Marta Soares garante, no entanto, que “o montante é superior ao que está estipulado no regulamento, que tem como valor de referência o salário mínimo nacional”.
A diferença de 83,83 euros é justificada com o cálculo ter sido baseado no valor líquido. “Nunca deixaremos que o Rosinha, ou outros Rosinhas, fiquem numa situação difícil.”
Mulher cuidadora
Casado com Marina Rodrigues, de 41 anos, Rui Rosinha contou com o apoio da mulher ao longo dos cerca dos dois anos em que esteve sem trabalhar, para assumir a função de cuidadora a tempo inteiro do marido.
Para não perder o vínculo laboral, a auxiliar de acção educativa foi, contudo, obrigada a regressar ao trabalho, em Outubro, pelo que, na sua ausência, é a mãe dela que assegura os cuidados de que o genro necessita.
Com problemas de locomoção e de mobilidade, Rui Rosinha esteve internado seis meses em Coimbra, onde foi submetido a 14 operações.
“Quando vim para casa não me conseguia pôr de pé. Não tinha força nenhuma. Nem sequer para me virar na cama”, recorda.
Quase três anos depois, graças à fisioterapia, já consegue fazer curtas distâncias a pé, apoiado numa bengala.
“É a minha segunda namorada”, diz, em tom de brincadeira. A cadeira de rodas continua a ser, contudo, determinante, no dia-a-dia, para garantir alguma autonomia nas deslocações.
Em Julho de 2019, o bombeiro voltou a ser internado, por seis dias, que lhe pareceram uma eternidade, devido a uma “quebra acentuada nos níveis de potássio” no sangue.
Mais cirurgias previstas
Nesta fase, está a ser ponderada a possibilidade de ser operado ao estômago, por ter ficado obeso, e à vesícula.
“Revivi tudo”, assegura Rosinha, em alusão aos primeiros seis meses após o incêndio. “Estar sozinho, ter mobilidade reduzida”, [LER_MAIS]conta. “Voltei a olhar para as lâmpadas do tecto.” A sucessão de dias a passar até ter alta foram acompanhados por uma ansiedade constante. “Ficamos sem saber se vamos ficar muito tempo ou pouco tempo. É stressante.”
Hoje, apesar de tomar 13 comprimidos por dia, sobretudo para a ansiedade e para as dores, está sempre a acordar de noite. Sofre de stress pós-traumático.
“Tenho tendência a ter pensamentos ruminantes [obsessivos]”, explica.
“Diariamente, falamos com pessoas que viveram esta tragédia e que passaram por muito. Estamos sempre a reviver aqueles dias”, garante. “As pessoas têm os nervos à flor da pele. O tempo não cura.”