Embora partilhem língua e costumes, preferem integrar-se na comunidade local do que formar uma espécie de “Little England”.
A maioria dos estrangeiros que procuram as terras da antiga comarca de Figueiró dos Vinhos são britânicos, mas também há alemães, holandeses e norte-americanos. Os autarcas de Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrogão Grande aplaudem a chegada dos estrangeiros, mas alertam que estes novos moradores não são suficientes para resolver o problema da desertificação humana.
Na área dos três concelhos, há encontros ocasionais, festas e convívios entre a comunidade de “expatriados” e as portas estão abertas a todos, portugueses e estrangeiros. São 11 horas de segunda-feira. O calor que se faz sentir ajuda à modorra que embala a vila de Figueiró dos Vinhos.
Nas janelas, o verde-rubro das bandeiras oscila com a brisa e recorda a conquista portuguesa do Campeonato Europeu de Futebol 2016. No largo junto à igreja matriz de São João Baptista, onde um retábulo guarda a tela O baptismo de Cristo, pintada em 1904 por José Malhoa, a estátua de Neutel de Abreu, herói de Moçambique, olha a serra. Na mão, empunha o que resta de uma espada em bronze, tanta vezes partida e alvo de vandalismo que a autarquia parece ter-se cansando de a mandar reparar.
Ao virar da esquina, na biblioteca, encostada ao antigo convento de Nossa Senhora do Carmo, datado do século XVII, encontramos Paul Meredith na aula de Português para estrangeiros. Foi no Pinhal Interior Norte que o galês encontrou o refúgio. Agora os pinheiros contam-se pelos dedos da mão, perdidos no imenso mar de ‘petróleo verde’ do eucaliptal, mas a vista continua a ser arrebatadora.
Paul e a mulher Carol vivem há poucos anos em Covais, Pedrogão Grande, mas o galês de ar simpático e a mulher sentem-se ali em casa. Ela está reformada, ele ainda não, mas, diz, é como se estivesse.
Neto de mineiros de minas de carvão, nascido em Pontypool, é um dos voluntários na associação de protecção animal Pegadas e Bigodes, sediada em Figueiró dos Vinhos. Percebe relativamente bem Português e os conhecimentos vão melhorando a cada dia que passa, com a ajuda da amiga e professora Teresinha Ascensão. O pior mesmo é falar, já que a compreensão está cada vez mais apurada.
“Falta-me o vocabulário”, lamenta. Há pouco tempo, teve de ir a Coimbra a uma consulta e levou um amigo português para facilitar a tradução. “Queria que ele transmitisse tudo e que não houvesse mal entendidos.” Mas a médica, espanhola, disse-lhe: “se eu tive de aprender Português para estar aqui, tu tens de me explicar em Português o que sentes”. E assim foi.
“‘Paniquei’ um bocadinho, mas consegui explicar quase tudo o que se passava comigo.” No início, quando chegaram, como não falavam Português, o convívio com outro imigrantes, ou expats – à letra: expatriados -, como se auto-denominam em inglês, era mais comum.
O bar local, na aldeia da Graça, era o ponto de encontro dos imigrantes à sexta-feira, à noite. Os responsáveis pelas autarquias dizem que há “bastantes famílias” de ingleses, holandeses e alemães a viver na zona, mas, como actualmente, as regras da União Europeia não obrigam aos registo dos cidadãos comunitários, não há um número oficial. Paul Meredith diz que conhece entre 30 a 40.
Há alguns que se integraram na comunidade, outros, preferem o isolamento e outros ainda juntam-se aos conterrâneos. Antes de chegar a terras lusas, trabalhava no ramo do Turismo no sudeste da Inglaterra e não tinha casa própria. Por isso, quando Carol se reformou, resolveram procurar um sítio onde pudessem construir um lar.
Como o pouco dinheiro que tinham amealhado ao longo dos anos não chegava para comprar uma casa no Reino Unido, pensaram em comprar no estrangeiro. Durante umas férias em Portugal, há cerca de dez anos, fizeram uma volta ao norte de Portugal em autocarro e comboio.
“Adorámos o País e isso fez-nos colocá-lo na lista de sítios onde poderíamos instalar- nos. Depois, viemos mais duas vezes numa auto-caravana”, recorda. Da segunda vez que visitaram a área dos três concelhos da antiga Comarca, tinham já na ideia a vontade de verem casas.
Encontraram o contacto de um agente imobiliário na internet, marcaram um encontro em Figueiró dos Vinhos e, num dia apenas, escolheram um terreno, na aldeia de Covais, a menos de cinco minutos de Figueiró dos Vinhos, já no concelho de Pedrógão Grande, com uma pequena casa de pedra em ruínas e um barracão degradado em tijolo.
À volta, a vista enche-se de velhos e respeitáveis carvalhos e azinheiras, distribuídos por terraços de pedra, num horizonte de verde a perder de vista. Dois idosos eram os únicos vizinhos. Com o tempo as coisas mudaram um pouco.
Os vizinhos portugueses morreram ou foram embora e, em seu lugar, vários ingleses estão a reparar velhas casas que ali adquiriram. “Conhecemos alguns, mas, com o tempo, começámos a ter mais amigos portugueses do que britânicos”, conta o galês.
Não somos ricos, mas temos qualidade de vida
Comparativamente com o Reino Unido, o custo de vida em Portugal é barato. A pensão de Carol e uns pequenos extras chegam para o dia-a-dia. Os vegetais produzidos no quintal, as oliveiras e uma pequena vinha, também ajudam na economia caseira.
“Não somos ricos, nem temos muito dinheiro, mas preferimos ter a qualidade de vida que temos cá. Sinto-me muito mais saudável.”
Na pequena casa de Covais, Paul e Carol cuidam de três cães. Um deles, o Piloto, salvaram-no de uma vida de correntes e grilhões no fundo de um cubículo escuro. “Ele é ligeiramente maluco”, brinca o galês. O cão de pêlo amarelado e branco e focinho simpático olha-o nos olhos e encosta-se ao seu “salvador”.
Sal da terra
Iris, 58 anos, e Martin Dingle, 63, assentaram arraiais em Ervideira, Pedrógão Grande, depois de dois anos a procurar um local para se instalarem. “Há sítios maravilhosos em Portugal. Aqui, nesta zona, conseguimos achar uma comunidade interessante de artistas e criativos, estrangeiros e portugueses”, conta Iris, que também é artesã e pintora.
No dia em que falámos com o casal, este preparava-se para subir a serra até Santo António das Neves, o ponto mais alto do distrito de Leiria, já em plena Serra da Lousã e onde ocasionalmente neva. A missão de ambos?
Buscar o mais novo elemento da família, o recém- -adoptado burro castrado apelidado carinhosamente como Mr. Xister. “Inspirámo-nos nas aldeias de xisto para o nome”, conta Martin, longas barbas a enquadrar uma gargalhada saudável. O novo burro vai juntar-se à Carriça, uma burra que foi a primeira aquisição do casal.
“Ela não estava nada bem quando a encontrámos. Muito magra, se não ficássemos com ela, o anterior dono iria mandá-la para o matadouro. Agora, ajuda-nos a fertilizar a terra e o estrume deles é bom para impedir que as ervas daninhas cresçam”, apontam. Além dos adorados burros, a “agricultura orgânica” é uma das principais actividades de Iris e Martin. A paixão pela terra partilham-na com os vizinhos.
Destaque
"Uma das piadas recorrentes nas aulas de Português é sobre uma antiga aluna que foi ao talho em Pedrógão Grande e pediu 'peido de frango' ao talhante"
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