Qual foi a principal consequência de ter vencido a primeira edição do Prémio Jovem Engenheiro do Ano?
Eu diria que foi uma coisa pessoal. Quando recebi a carta do bastonário a dizer que tinha sido seleccionado, aquilo fez-me pensar. Questionei-me sobre o que havia feito para chegar até àquele ponto. Foram 30 anos de uma postura que fui tendo em diferentes vertentes da vida e do trabalho. Foi a forma como os meus pais me criaram, a forma como os meus professores primários me ensinaram. Aquele prémio não foi só meu. Represento as interacções com todas as pessoas que me moldaram. No quotidiano, temos interacções e o Bruno que se deitará logo à noite já não é o mesmo que acordou esta manhã. Os meus valores serão os mesmos, a minha essência e genuinidade também, mas aprendemos todos os dias. A segunda consequência foi a exposição nacional, os contactos e as entrevistas. Também aproveitámos para partilhar a minha história no A Fórmula do Sucesso, podcast que criei com o Ruben Marques, como uma das possíveis fórmulas. Isso mudou alguma coisa na minha vida? Não mudou e até me questionei se estaria a dar o devido valor àquilo que ganhei. Outras pessoas que receberam distinções semelhantes disseram-me: “trabalhaste todos os dias para que isto acontecer, a tua expectativa é que, um dia, poderá aparecer alguma coisa, mas quem está à tua volta vive o prémio de uma forma muito mais intensa do que tu.” É claro que a minha rede de contactos aumentou bastante.
O próximo salto será para “jovem empresário empreendedor”?
Talvez. Talvez numa área que ainda não sei qual será. Tenho 30 anos, casei, tenho casa, e o que quero fazer agora é aquilo que realmente me interessa. Gosto de comunicar, mas, se um dia for empreendedor, não sei se quero ir para a área específica da Inteligência Artificial (IA), na qual trabalho, se quero ir para comunicação ou se quero fazer uma mistura, sendo um comunicador de IA. Ainda não tenho uma estratégia delineada. Mantenho-me a dar aulas no Politécnico de Leiria, trabalho na Muvu Technologies, em Lisboa, faço o podcast, participo em eventos durante a semana… A balança ainda está equilibrada. Se um dia descalibrar para algum lado, tomo uma decisão.
Como gere uma vida tão cheia?
Quando estava a acabar a licenciatura, fui convidado para dar aulas. Depois, já professor, fui fazer investigação e fui aprendendo a gerir. Pensava muitas vezes, “não consigo fazer mais nada, isto é a coisa mais difícil da vida”, e, entretanto, comecei a fazer o mestrado e a trabalhar, além de dar aulas. Consegui-o com muita estratégia de optimização, muitos testes de modelos de organização, e a noção de que aquilo que defino tem de ser cumprido. Se a minha agenda é esta, este espaço livre é para isto e é só para isto. Não posso pensar que posso fazer algo amanhã ou que consigo enfiar ali mais qualquer coisa. Se o fizesse, iria apenas acumular problemas e a vida tornar-se-ia um caos. Gerir tudo isto requer que seja pragmático e prepare as coisas com antecedência. Além disso, o que faço permite-me continuar a aprender e avançar. Nas aulas, treinado comunicação e actualizo-me na tecnologia na Muvu, também me mantenho aa par das novidades nessa área e tenho ligações à academia. No podcast, falo com gestores, com pessoas com sucesso e vou aprendendo ferramentas. As áreas não são assim tão distintas. Sou uma manta de retalhos, mas todos eles focam-se no mesmo ponto. Planeio algo, monto a estratégia e o planeamento e avanço para a execução.
Em que área da IA está mais focado?
Aprendizagem automática, processamento de linguagem natural ou visão computacional? No trabalho e na investigação estou focado na aprendizagem automática e nos processos produtivos, mas não só. Já trabalhei com visão e com robótica. Antes da ciência e dos dados trabalhei três anos como engenheiro de automação e robótica a criar linhas de produção automáticas e, depois, fiz a migração para os dados. Mas o que gosto mais, dentro da área da IA, é a optimização de processos quer sejam industriais, financeiros ou sociais. Gosto de optimizar aquilo que, normalmente, não conseguimos ver a olho nu, a partir de um conjunto de dados, com uma camada de IA. Estamos à beira de uma revolução com a IA, contudo, gosto de olhar para as coisas com os pés na terra e perceber que ela é disruptiva a vários níveis para diferentes entidades e diferentes órgãos governamentais. Há pouco, perguntaram-me como se mete o País a acompanhar esta onda. Em primeiro lugar, com comunidade. Não é com grandes “gurus da IA” que são muito bons a matemática e estão fechados em laboratórios, sem produzir. O investimento e a capacidade vêm das empresas, a rapidez vem das empresas, a necessidade vem das empresas… Porém, as empresas não têm a capacidade científica necessária.[LER_MAIS] Acredito, por isso, num combo que junte a academia com a indústria, para satisfazer a necessidade tecnológica, ao mesmo tempo que a indústria traz a velocidade. Em simultâneo, espero que os órgãos governamentais à volta percebam esta filosofia. A IA é uma tecnologia disruptiva e há um grande trabalho de divulgação que é necessário fazer, para que o público perceba o que ela é. Toda a “generative AI” é IA, mas nem toda a IA é “generative AI”. Por isso é que, para as pessoas comuns, o ChatGPT é IA, contudo, a visão computacional ou inteligência robótica, também fazem parte da IA e não há essa clareza. É difícil ter um grande especialista em IA com uma boa capacidade de comunicação e é difícil ter um grande comunicador com uma grande conhecimento de IA. A ciência e os bons industriais vão ter de aprender a passar a mensagem, para que todas as pessoas à volta consigam perceber essa tecnologia ou perceber que os riscos existem, perceber os benefícios que também existem e conseguir aplicá-la no dia-a-dia e levar o País e a Europa para a frente.
Quanto à ética e impacto social, há alguma razão para estarmos apreensivos?
Neste momento, apenas a UE tem alguma legislação para regular a IA. Haverá dificuldade em colocar os órgãos legisladores a acompanhar o avanço da tecnologia. Se sair uma coisa nova tem de se legislar. Como? Rapidamente. Como é que fazemos isso? Não tenho a solução. Se calhar, vamos ter de criar task forces de pensadores, com economistas, com legisladores, com investigadores da IA, porque o avanço é tão rápido que, quando a regulamentação sair, se calhar, o mal – ou o bem – já está feito. Antigamente, as universidades publicavam a maior parte dos artigos científicos, mas, neste momento, em alguns países já são as empresas que os publicam em maior número. Isto significa necessidade de mecanismos para fazer as coisas rapidamente, orçamentos e necessidade de justificar esse investimento. Imagine-se um algoritmo novo que, eticamente, não cumpre as normas sociais, do trabalho ou das pessoas. Vai legislar-se, vai a tribunal, vai à Comissão Europeia, e, daqui a três anos estamos a discutir um algoritmo que já não serve para nada. Acredito no bem da tecnologia, mas acredito que todo o ecossistema à volta vai mesmo ter de ser mais célebre. Por que razão estão as empresas a publicar artigos científicos? Porque são mais rápidos do que as patentes. O processo de criação de uma patente pode levar até três anos, mas um artigo científico, no máximo, em seis a nove meses, está cá fora, com a revisão por pares, o que permite dizer “este novo desenvolvimento é meu e está publicado mundialmente”. Se as empresas encontraram esta solução, os órgãos governamentais também têm de encontrar uma mais célebre.
Que exemplos práticos temos na indústria, da aplicação da IA?
A IA pode ser usada para verificar a qualidade “preditiva”, para ver como as máquinas estão a funcionar e prever uma falha, ou na parte da visão computacional pode ser usada na produção para verificar erros ou falhas. Com a IA, não temos apenas um sensor a detectar os problemas, porque o sistema aprende por ele próprio. Esta característica pode ser encontrada nos carros autónomos ou mesmo na Netflix, quando acabamos de ver um filme e o sistema pergunta se gostámos. Ao responder, estamos a fazer reinforcement learning ou a ensinar por reforço. Isto traz uma qualidade que é importante reter: o pensamento crítico. Se gosto de filmes de história, que tenham carros e tenham um bocadinho de guerra, vou seleccionar “Adoro” e “Gosto” nesses filmes e a IA vai propor-me cada vez mais esse tipo de histórias e começo a ficar dentro de uma bolha. Somos aquilo que gostamos, mas temos de ter pensamento crítico, temos de ser agnósticos e tentar sair para fora deste cenário. E isto não é só com os filmes, é com a roupa ou com as notícias quando reflectem orientações que nos fazem caminhar por um radicalismo artístico, político, religioso ou seja ele o que for, em vez da multiplicidade de opções que temos à nossa disposição.
Que medidas tomaria para captar empreendimentos de investigação e startups para a região?
Na região de Leiria, temos muita indústria distribuída, desde a Marinha Grande a Pombal. A dica que daria, era fazer rapidamente o trabalho que já referi. Temos um forte Politécnico de Leiria, temos outras universidades, temos a indústria, temos muitos industriais que querem realmente dar um salto em frente. Deveríamos sentá-los todos à mesa e fazer planos reais de implementação. E este trabalho não é para daqui a três ou cinco anos, é para agora! Temos de juntar esforços. Na evangelização da tecnologia está o seu crescimento. É dificil chegar a um operador de máquinas e convencê-lo que uma alteração vai potenciar o seu trabalho em vez de lho tirar. A experiência que tenho da indústria mostra que é preciso envolvê-los no processo de desenvolvimento. Não basta chegar com um sistema de IA e aplicá-lo na máquina e a vida fica melhor. Ele não vai perceber. Mas se perguntarmos como e, baseado na sua experiência, a tecnologia poderia melhorar o seu dia, e recolhermos essa informação, aquilo passa a ser também dele. Rapidamente e sem entrar em grandes níveis de investimento, deveria haver a proactividade de juntar forças e conseguir partilhar desenvolvimentos. Devemos fazer acontecer de forma rápida, com planeamento e testar. Não presta, vai embora, presta, adopta-se. Presta para mim, também presta para os outros e vamos crescer todos. Isso fará crescer o distrito, vai trazer mais investimento e maior capacidade de reinvestir.
E a nível externo, o que podemos fazer para captar mais investimento? Missões empresariais, contactos entre instituições e influencers da tecnologia?
Sim e por que não usar “influencers de tecnologia” para captar projectos de tecnologia? As pessoas querem credibilidade e, provavelmente, porque ganhei o Prémio de Jovem Engenheiro do Ano, poderá haver pessoas que, mais rapidamente me escutarão a mim, se lhes falar de tecnologia. Essa “influência” tecnológica tem de ser feita por pessoas que tenham capacidade de influenciar pela positiva e pela confiança. E vamos ter de chegar lá fora já com um produto. Isto mostrará a capacidade tecnológica que existe em Portugal, não só em Leiria. Mostrará que somos bons em fazer acontecer. E nós somos mesmo bons, além de termos um grande potencial para sermos melhores. Sei que temos dificuldade em reter os talentos. Devido ao teletrabalho, por exemplo, a maior parte dos colegas que estudaram comigo estão nas suas terras-natais, mas trabalham para empresas dos EUA, dos Países Baixos ou da Austrália. Hoje, reter talento não tem a ver com impedir as pessoas de irem para fora, porque muitas até já voltaram para casa para criar os filhos. Temos multimilionários, como o Diogo Mónica, que partilhou isso no nosso podcast. Voltou para Portugal, após lançar um unicórnio, porque quer criar os filhos. A pessoa quer exercer a sua arte, quer ser remunerada o máximo possível por essa arte e se conseguir estar em casa, em vez de no estrangeiro, melhor. Para reter as pessoas será preciso pagar um pouco mais e investir na “influência tecnológica”. Já temos o Web Summit e outros mecanismos que acabam por trazer interessados. Agora, é fazer mais e estar focados.
“Não há uma ‘fórmula de sucesso’ única”
Bruno Lopes Silva, 30 anos, é natural da Marinha Grande.
Estudou na Escola Guilherme Stephens do 5.º ao 9.º anos e completou o ensino secundário na Calazans Duarte. “Sou de 1994, sempre vivi na Marinha Grande, os meus pais são de lá e eu também comprei casa lá, apesar de muita viagem para Lisboa.”
Licenciou-se e fez o mestrado no Instituto Politécnico de Leiria. Neste momento, está prestes a concluir o doutoramento na Universitat Politècnica de Catalunya – Barcelona Tech.
“A tese já está entregue e falta apenas a defesa. Na revisão externa, ficou entre as melhores 10% naquela área. Estou à espera da data de ir a Barcelona defender e fechar este ciclo”, conta. Passatempos, diz, tem poucos, contudo, o seu favorito é o podcast A Fórmula do Sucesso, onde entrevista, em conjunto com Ruben Marques, empreendedores e dá a conhecer os seus caminhos para o sucesso em diferentes áreas. “Não há uma ‘fórmula de sucesso’ única. É um processo individual e dinâmico e muda ao longo da vida.” Até agora, a dupla deu forma a 55 episódios que chegam a cada vez mais ouvintes. Tim Vieira, Emília Vieira, Fred Antunes, Celso Las Casas, Rita Piçarra foram alguns dos convidados.