Ele existe nesta cidade como tantos outros como ele existem em tantas cidades. Bem vestido, geralmente de calças de fato, de sapatos e de camisa branca, anda por entre as multidões vendendo flores, tentando, de certa maneira, acordar corações, juntar amores. E algum dinheirito para si e para a sua família, imagino. Não o conheço, não lhe sei a vida. Mas, quando o vejo, soa-me sempre a despedida.
Tem um olhar triste que parece não querer ser outro – é aquele que ele tem e é aquele que está condenado a ter para o resto da sua existência, como se fosse um mártir daquilo que faz. Parece que as flores que carrega são pesadas como a consciência que traz ou como a saudade que sente sabe-se lá de quem, sabe-se lá de onde, talvez do pai e da mãe, talvez do país.
Por vezes, há quem lhe pergunte. Ele não diz. Guarda as palavras para si, talvez por vergonha do erro ao dizê-las numa língua que não é a sua, talvez, simplesmente, por não as querer dizer – não tem de as dizer. Basta-lhe a rua. Só pergunta à gente se a gente quer flor. Mais nada.
Anda vagabundo com vários ramos, como se fosse um chefe de mesa deambulando, vendendo amor. Meia dose, meia dúzia do que for. Vai a festas, vai a ruas, vai a todo o lado desde que haja gente a conversar, a jantar, a namorar. Vai a todo o lado, é de todo o lado, talvez por não se saber encontrar, talvez por não ser deste lugar. Mas, mesmo não sendo, faz parte dele. Este lugar não existe da mesma maneira se ele não existir também.
Faz parte da cidade, da calçada, do dia e da noite, das brincadeiras e dos engates. Por vezes, até faz parte das palavras preconceituosas, dos espinhos das suas rosas, e dos ataques. Mesmo assim, talvez ele até seja feliz.
Talvez o rosto que aparenta não seja reflexo do que sente. Se calhar ele até tenta ou, para ele, a felicidade é uma coisa diferente. E ele lá anda, sempre discreto, contornando vidas e conversas e bebidas e sem pressas. Devagarinho, fazendo a sua vida ao seu jeito. Pela sua cidade, com as suas rosas ao peito.