Ele e ela, ali os dois, no mesmo lugar. Um lugar pequenino, sobre rodas, a trabalhar. De noite, lá estão eles. Não todas as noites, só algumas, até às tantas, no estacionamento do mercado. Vendem bifanas, cachorros, hambúrgueres, kebabs. Cervejas, águas e sumos. Oferecem conversas e companhias a quem vem da noite ou a quem só a terá como destino depois daquela bifana especial com todos os molhos. Para beber? Pode ser uma média.
Ela, vestida de branco, com a farda quase militar de quem pergunta, organiza, cozinha. Ele, vestido de uma cor qualquer, com uma farda que é uma t-shirt que tem vestida e que tem nódoas de conversa com quem se alimenta ali encostado ao balcão. É ela que orienta, é ela quem manda ali. Ele nem tenta, apenas sorri.
À sua maneira, fazem o que têm de fazer. Muito mais do que cozinhar ou de pôr maionese numa bifana à casa. Eles conversam, ouvem lamentos e desejos, vêem abraços e beijos de quem chega ali esfomeado de falar. E de comer, que a noite também dá fome. Como se aquele lugar, àquelas horas, fosse um confessionário da comida, uma espécie de santuário para quem acaba e para quem começa a vida escura.
Fala-se da vida e das coisas que a vida tem. A bifana é um pretexto. Há fila como se fosse romaria, existência como se fosse dia. Mas é a noite que existe. E lá está ela, a fazer o cenário para aqueles dois e para todos aqueles que por ali passam. Aos pares, em grupo, sozinhos. E a noite é deles todos. De quem lá vai contente e quase no fim, de quem lá vai triste, de quem lá vai só porque sim, porque faz parte da rotina que leva quando sai.
E eles os dois, ali, quase como mãe e pai. Recebem toda a gente, falam com toda a gente, decoram os pedidos de cada um. Por atender? Nenhum. Toda a gente lá acaba por comer. E dar uma palavrinha ou outra. Seja jovem, seja velho, qualquer um é recebido e ouvido por ele e por ela. Há simpatia, simplicidade, alegria, e a cidade ali estendida entre dois dedos de conversa e outros tantos de comida.