Ele é do rock. Desce e sobe ruas como se subisse e descesse escalas no braço da sua guitarra. A rua, por agora, é sua e é o palco. Sem guitarra e sem escalas. Tudo na sua cabeça. E na minha. De cor e salteado, por aí, por todo o lado, cabelo grisalho e comprido ao vento, sentindo o tempo, marcando o tempo.
Batida acelerada, como o passo, andar seguro, mas não severo, com aquela ginga do rock and roll, dos músicos dos outros tempos que agora existem a lembrar e a conversar e a ouvir o que lhes foi a existência. Olho para ele e vejo épicos solos numa Fender ou numa Gibson. Uma maravi-lha. Também o poderia ver numa Tama ou numa Pearl, sete tambores, quatro tarolas, três bombos, vinte pratos. Outra maravilha. Mas, por qualquer razão da minha visão, lá está ele com uma guitarra amarrada ao pescoço.
Parece que procura alguém que o acompanhe no riff que criou para a sua vida. Como se procurasse alguém para o acompanhar na sua despedida. Já não é novo, já tem as suas entradas e as suas conversas de tempos que só ele e outros como ele viveram. Mas ainda está aí para as curvas e contra-curvas que a vida certamente lhe vai apresentando. Como a idade.
Filipes, Farmácia, Arquivo, Centro de Saúde. Lá vai ele, mais amiúde. Como os Xutos. Mas sozinho e sem pontapés. Cabelo sempre solto, calças sempre justas, conversas sempre prontas. Quando alguém o pára, ele fala e continua a falar – e parece que se ouve, outra vez, a guitarra a tocar. Antigamente é que era.
Os putos não sabem. Era ele e outros tantos, ali, a viver a vida louca das canções. Mas os putos sabem, claro que sabem, e sabe ele também, mesmo sabendo que antigamente também era – tal como é ainda hoje. É o que eu penso que ele pensa – a vida é que já lhe foge. Mas ele é do rock.
O que lhe interessa isso da vida, mesmo que, tendo em conta o que ela é, ela já lhe ande fugida? Claro que nada. Ele continua a tocar, guitarra ou bateria, e continua a passear, a ser e a rockar por Leiria.