Duas douradas, uma escalada, outra não. Choco e lula. Corvina e sardinha de mão em mão. Meu amiguinho, obrigada. E lá vai ela agradecendo, enquanto amanha mais uma pescada. Terças, quintas e sábados, lá está ela na sua banca a vender o peixe que lá tem. Sempre bem apregoada, entre gente que vai e gente que vem. E a gente faz fila e espera pela sua vez.
Quantos carapaus? Hoje, levo três, vai lá o meu filho almoçar. E lá vão os três carapaus, acabadinhos de pescar. Ela de um lado para o outro, a ouvir, a falar, a sorrir, a escamar. Tem contas apontadas nos azulejos azuis da sua banca por cima de um Santo António, uma Nossa Senhora e um telemóvel. Cento e vinte e quatro mais cento e quarenta e um dá duzentos e sessenta e cinco. Cento e dezasseis mais duzentos e catorze dá trezentos e trinta. Contas certas, rezas feitas, telefonemas atendidos. Diga, diga. Está guardado, não se preocupe.
E, por entre toda aquela algazarra que lá vai dentro, lá vai ela fazendo contas, vendendo, rezando. E o tempo lá vai passando. Este é para levar ao forno, aquele é para grelhar, o outro ainda não sei. São todos para levar. Peixe fresquinho, acabadinho de chegar. Tem companhia, a mulher. Outra que a ajuda a atender, a preparar, a receber. Em silêncio, ali na sombra, sem se notar. Cabelo esbranquiçado e apanhado, para não estorvar.
Voltemos a ela. Cabelo loiro, um pouco apanhado também, e lá vai ela atendendo a tal gente que vai, a tal gente que vem. Sorri assim quase por vergonha. É tímida – pelo menos, parece. Tem sempre palavras serenas para quem chega. Não faz alaridos, não berra. Destoa, até, um pouco das colegas que lá tem a vender o mesmo peixe, que não é o mesmo peixe, que ela. Ou a fruta. Ou os legumes. Ou as plantas. Ou as ervas. Ou o que for. Melões, cenouras, batatas, tomates, feijão, alecrim.
Tudo em torno dela. Ela em torno de mim. Duas douradas, uma escalada, outra não. Choco e lula. Corvina e sardinha de mão em mão.