Vem aí a maior edição de sempre do festival A Porta, não no início do mês, como já aconteceu, mas entre 16 e 24 de Junho. Mais quatro dias de fruição e novos perímetros a explorar, entre eles o Jardim da Vala Real e o edifício amarelo no canto da Rua de Tomar com a Ponte Hintze Ribeiro.
A conversa com Ana João, Gui Garrido e Lara Portela acontece no terraço do Atlas, na Rua Direita, edifício onde pela primeira vez, em 2014, bombeou o coração do festival. Três anos volvidos, o imóvel antes fechado ao exterior transformou-se num hostel e pólo cultural, já o espírito da Porta mantém-se sintonizado com uma ideia poderosa: fomentar a mudança no centro histórico de Leiria através da intersecção entre as artes, a memória, o território e as pessoas.
Um dos momentos altos está prometido para a Villa Portela, cenário mágico onde, na noite de 20 e num palco ao ar livre, os First Breath After Coma vão apresentar um concerto de formato especial, com a participação do Coro Juvenil de Alitém, da Escola de Dança Clara Leão e de um quinteto de sopros.
As novidades made in Leiria no programa de música não ficam por aqui: dois projectos têm estreia marcada nos jantares temáticos da Porta (Coringas, de Luís Jerónimo e Tiago Gomes, e 001, com Hugo Domingues, dos Nice Weather For Ducks, a solo), já o novíssimo trio Koyaanisqatsi actua no Jardim da Vala Real.
Entre os nomes nacionais, destaque para Dead Combo, The Parkinsons, Conan Osiris (a quem já chamaram extraterreste e rapaz da música do futuro), Filho da Mãe (na Igreja da Misericórdia) e o inconfundível Bonga, que promete deixar os mais sensíveis com a lágrima no canto do olho.
Este ano, a Porta abre-se pela primeira vez na Casa Plástica, instalada, também pela primeira vez, nas antigas instalações da EDP na Rua de Tomar. Uma outra energia no lugar antes animado pela electricidade, com trabalhos, performances e workshops à volta do tema “Esta casa já deu luz”, título da exposição colectiva alimentada por 19 artistas, entre convidados e seleccionados na open call, patente desde 16 de Junho. Ou seja, mais tempo para ver tudo o que tem de ser visto, sem correrias nem angústias. “Permite ter outros públicos e outras dinâmicas que nos interessam, como o serviço educativo. É uma das grandes apostas: abrir as artes plásticas à comunidade leiriense”, explica Lara Portela. Até à data, há 400 crianças inscritas, de várias escolas do concelho.
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Os mais novos são também os destinatários favoritos de outro capítulo que está a ganhar protagonismo no enredo do festival, porque na organização, que continua entregue ao colectivo Meia Dúzia e Meia de Gatos Pingados, todos são “apologistas da educação pela arte, de permear tantos as famílias como as crianças a novas manifestações artísticas e a experimentar uma série de actividades culturais”, aponta Gui Garrido. Ao todo, a Portinha soma já 28 actividades, na lógica formador e formandos, sujeitas a inscrição prévia ou no registo passar e fazer, da ilustração ao fabrico de pão colorido, dos sons à tecelagem vegetal.
À quarta edição, a Porta confirma-se como entidade com vida própria, consciência e autonomia, capaz de manifestações que fogem ao controlo dos próprios criadores do festival. “Para nós esse salto no escuro é muito bonito”, assegura Gui Garrido. Um exemplo, o Passeio das Artes, viagem de duas horas entre a Praça Rodrigues Lobo e a Casa Plástica, com teatro, dança e poesia, iniciativa de uma voluntária. “Vai transformar-se em algo que não sabemos o que é. Há um salto no desconhecido que também acaba por ser interessante para dar oportunidade às pessoas que se querem desafiar e criar de repente projectos de pessoas que não se conhecem”. Parcerias e voluntariado, duas características indissociáveis da Porta, tal como a inclusão e a responsabilidade social. Das aulas de skate para invisuais às visitas em cadeiras de rodas, dos jogos de tabuleiro modernos para os utentes mais velhos do Hospital D. Manuel de Aguiar ao fotovoice entre avós e netos. “Cada um tem os seus sonhos e depois a gente mete-os todos juntos e tenta fazer”.
O que se prepara para tomar Leiria entre 16 e 24 de Junho é um gigante disfarçado num fato pequenino de nove dias. Em vez de um fim-de-semana a bombar, são dois. O festival acontece na Rua Direita e transversais, mas também no Parque do Avião, no Jardim da Vala Real, na Casa Plástica, na Villa Portela, no Teatro José Lúcio da Silva, no Jardim Luís de Camões, no Stereogun e em lojas ou imóveis vazios, com mais de 30 concertos, actividades infanto-juvenis e para a família, exposições, pintura em fachada, ilustração, instalações, feiras, performances, jantares temáticos em casas particulares, entre inúmeras outras propostas, de natureza tão heterogénea como um baile folk, um piquenique macrobiótico, um passeio de stand up paddle no rio Lis ou um momento de pole dance à luz do dia. E ainda o percurso As portas da cidade, que parte do Largo de São Pedro pela Leiria antiga, para falar da história das portas que existem e existiram.
“Obviamente que o festival parece aquele fogo de artifício ao longo de uma semana, mas não é esse o objectivo, até agora não temos é tido capacidade para mais”, afirma Gui Garrido. Com um orçamento ilimitado, num mundo perfeito, a Porta estaria aberta o ano inteiro, com residências artísticas e desafios permanentes. “Gostávamos muito que caminhasse no sentido do desenvolvimento comunitário”, resume Ana João.
Para já, fica o impacto de três edições com milhares de participantes – “O facto de as pessoas se reunirem cria uma dinâmica que pode não actuar logo, mas que a longo prazo se vai instituindo”, lembra Lara Portela – e a expectativa pelo futuro que se adivinha, com novos protagonistas, por exemplo, a produtora audiovisual Casota, responsável pela comunicação em vídeo da Porta, ou o hostel e pólo cultural Atlas, dois partos pós-Porta que são marcas de uma Leiria em mudança. “O festival sonha”. Mais do que a cidade? Mais do que o País?
Casa Plástica. Inaugura a 16 de Junho no edifício amarelo da Rua de Tomar com workshops, performances e uma exposição colectiva de artes plásticas e visuais que junta 19 artistas, entre eles Nelson Melo, Francisca Veiga, Jorge Maciel, Fátima Ribeiro, Sílvia Barbeiro, Tiago Gandra, Diana Pinto e Luísa Passos.
Portinha. Para crianças, adolescentes e adultos, 28 actividades em que sobressai o ateliê de ilustração com Mariana A Miserável, distribuídas por dois fins-de-semana, no Jardim da Vala Real, Parque do Avião, Rua Direita e transversais.
1001 Portas. Pintura em fachada, instalação, fotografia, pole dance, skate e muito mais, também nos dois fins-de-semana e também no Jardim da Vala Real, Parque do Avião, Rua Direita e transversais. Inclui o Passeio das Artes (teatro, dança e poesia) e um percurso comentado pelas portas da Leiria antiga.