Quando foi desafiada para liderar a Insignare sentiu a herança pesada de Francisco Vieira?
Uma herança orgulhosa. Tenho o àvontade de abraçar desafios, sejam eles grandes, pequenos ou pesados, com a sensação da folha em branco. Foi com muito orgulho que o fiz na perspectiva de saber que o Francisco tinha deixado um legado poderoso. Obviamente tenho dado o meu cunho pessoal e tento que acompanhemos o ritmo daquilo que estamos a viver. Isso é perfeitamente normal, mas é um comboio muito grande e não o parei, não arranquei a máquina nem os fios.
Como tem sido a experiência, sobretudo quando vem de um ramo totalmente diferente?
Tem sido desafiante, mas há uma coisa que é muito gratificante: saber que o resultado, ainda que indirecto, daquilo que é a gestão da educação muda a vida das pessoas. Tenho a certeza de que muitos dos miúdos que estudam nas nossas escolas têm a vida mudada, porque estão a ter oportunidades de vida e as competências que as nossas escolas lhes dão.
As escolas da Insignare têm contribuído para qualificar a mão-de-obra da região?
Não tenho dúvidas nenhumas disso. Os nossos cursos são procurados de norte a sul do País e ilhas. Temos alunos que fazem estágios nas ilhas e no estrangeiro. Dez por cento dos alunos fazem estágios através do programa Erasmus em boas regiões gastronómicas da Europa.
E conseguem emprego nesses países?
Todos têm propostas para ficar, mas vão no 2.º ano para voltarem no 3.º. É uma estratégia de fixação de talentos cá. Acima de tudo, queremos reter talento no País e na região. Hoje em dia já não há muitas fronteiras, mas temos mesmo de qualificar a mão-de-obra que o mercado precisa. Por isso, restringimos os estágios fora ao 2.º ano do curso, por forma a que no 3.ºano os alunos façam estágio em Portugal e possam ficar nessa empresa.
Qual a empregabilidade dos cursos da Insignare?
Ronda os 70%, mas só não trabalhaquem não quer. Há alunos que optam por outros caminhos. Antes da pandemia, todos tinham emprego onde quisessem. O mercado estava ávido de profissionais nestas áreas. Temos uma altíssima taxa de alunos que optam por prosseguir estudos na área. Não é empregabilidade no imediato,mas garante depois outros níveis de empregabilidade.
Os jovens formados nas escolas da Insignare têm alcançado lugares relevantes no sector. É o reconhecimento da qualidade de ensino?
De facto mostra que há qualidade no ensino, sobretudo, quando somos muito procurados empresarialmente e nos dizem: queremos [LER_MAIS]estagiários da vossa escola. Há uma preparação muito boa. Vamos para além de uma escola de lápis e papel, do aluno sentado numa secretária, seja por via das experiências que lhes proporcionamos em termos de enquadramento profissional seja por via das oficinas ou dos ateliers, onde são treinados para o que vão fazer. Não tenho dúvida nenhuma de que estamos uns furos acima daquilo que seria o ensino tradicional.
As empresas procuram mais o saber fazer?
Saber fazer e muita adaptabilidade. Muitas empresas dizem-nos que o diploma ou a média ‘não interessam nada’, porque aquilo que querem da escola para os seus funcionários são outras competências e valores.
O plano curricular adequa-se a essas competências?
Totalmente. Mesmo a preparação para o mercado profissional, como a simulação de uma entrevista de emprego, ajudá-los a construir um currículo, a ter experiências que percebam se gostam mais daquele ou de outro tipo de empresas. Esse adaptar o perfil da pessoa à escolha que o mercado dá é proporcionado ao longo dos três anos de curso. Implica pegar em cada um deles, único, e fazer o seu fato à medida, com base na competência de cada um. Isto vai para além daquilo que o ensino de massas faz com os alunos do cientifico-humanísticos.
Uma nova Escola de Hotelaria era um sonho de Francisco Vieira. Esse projecto tem condições para avançar?
O sonho é de todos. Há uma grande oportunidade que é este novo quadro comunitário. Os financiamentos são muito escassos para este tipo de organizações, como uma escola profissional. A oportunidade de termos um novo quadro comunitário que possa encaixar o nosso projecto será muito bom. O projecto não se limita a ser um edifício, onde os alunos estão a estudar. Há todo um conceito de desenvolvimento de competências que vai desde a agricultura, ou seja, da pesquisa dos melhores ingredientes que vão depois para o prato, até ao que vai ser servido ao público, daí ter também um restaurante. Tem toda uma economia circular que leva a que não seja apenas e só o projecto de uma escola. Será mais um centro de competências. Sem o quadro comunitário é muito difícil um projecto desta magnitude.
A realização de intercâmbios e Erasmus tem sido uma das apostas da Insignare. Qual a importância para a formação?
O Erasmus é uma fonte de financiamento muito importante para as mobilidades dos nossos jovens. São mobilidades de curta duração mas que têm um fio condutor. Por exemplo, durante dois anos há um tema que é estudado por várias escolas que se associam. Vamos a essas escolas e elas vêm cá. A importância na formação é muita. Vão respirar outro mundo, até a comparabilidade daquilo que é feito lá e cá, vão ver culturas diferentes, esbater fronteiras, ganhar tolerância. É importantíssimo para aquilo que são as bases da cultura europeia.
Assumiu que na área da inovação e do empreendedorismo a função da Insignare é preparar os seus alunos para a revolução tecnológica 4.0. De que forma está a ser concretizado?
Essa revolução não é só tecnológica, porque se formos olhar só para a tecnologia todos os dias temos um modelo diferente de telefone ou de computador. Aquilo que fazemos é a pedagogia 4.0. Tentamos ter modelos e formas diferentes de chegar aos alunos que os prepare para esse mercado tecnológico. Não preparamos apenas os alunos para aquela máquina específica. Esse era o modelo clássico que faliu. Acima de tudo é focá-los e adaptá-los para aquilo que é preciso fazer. É mais um mindset do que propriamente tecnológico.
Foi eleita secretária do comité executivo do EfVET – European Forum of Techinical and Vocational Education and Training, de que forma isso pode beneficiar a Insignare e até Portugal?
Pelo menos ficam com a visão de um país como Portugal: um País pequeno, pobre e sempre financiado nestas matérias. É também um choque de culturas perceber a velocidade a que vão certos países, a forma de organização dos seus sistemas de ensino e em muitas coisas não estamos atrás. É importante que este equilíbrio se faça, quando, por exemplo, estamos a ultimar uma espécie do processo de Bolonha para o ensino profissional. As decisões que são da cúpula europeia são tanto mais abrangentes quanto mais representatividade tiverem.
Como está a correr o projeto INSIGNEPLUSHOTEL?
A INSIGNEPLUSHOTEL é uma área comercial da Insignare. Tem várias actividades, entre as quais o serviço de catering para empresas e particulares. Durante muito tempo estivemos com a confecção de refeições para os hotéis em Fátima, agora um pouco mais condicionados pela pandemia. A pousada tinha um contrato com o grupo Pestana. Terminámos esse contrato e de momento não temos qualquer ligação à pousada. Foi uma fonte importante de aprendizagem para os alunos e para nós, sobre o que é gerir um hotel. Foi um projecto bonito, que teve um princípio, meio e fim.
Como é que Fátima pode resistir a este período negro da economia?
Essa é a pergunta para um milhão de dólares. Como é que se inventa turismo da forma como ele existia para Fátima, neste momento? Não sei.
Precisa de um regime de excepção como têm pedido os empresários?
Claro que sim. Vive disto. Detesto estas comparações, mas olhámos para a Efacec e dissemos: ‘vamos salvar isto porque é uma empresa com futuro’. O Estado fez isto com empresas privadas, faz isto com alguns sectores. Fátima também tem esta excepcionalidade e deve ser olhada como está a ser afectada, de forma esmagadora. Pode ser uma tragédia anunciada se a situação não melhorar entretanto. Tem de ser olhada de forma diferente para aquilo que é uma terra que vive disto só e apenas.
A criação do concelho de Fátima é já um assunto arrumado?
Estava na Assembleia Municipal quando se deram todas essas convulsões, a desilusão foi tão grande com aquilo que se passou com o processo de Fátima a concelho… Lembro-me de estar com um grupo a ajudar a escrever a carta e demitirmos-nos todos. Não deve haver acto mais trágico numa carreira política do que mandar a toalha ao chão. Isto para mostrar o processo de desilusão e doloroso dessas pessoas. Havia uma vontade, havia um sonho e havia condições. Hoje, não duvido que haja vontade e sonho, mas duvido muito que existam as condições políticas para que isso aconteça. Por isso, não vale a pena cavalgar moinhos de vento.
O que faz falta ainda a Fátima para crescer e ser mais do que um destino religioso?
Todos os dias Fátima está a crescer e tem uma atractividade nova. Enquanto pólo gerador de emprego tem tido taxas de crescimento populacionais muito grandes. A taxa de natalidade é francamente positiva face aos indicadores do País e até da região. Onde há muita gente há muita massa crítica para as coisas começarem a acontecer. No imediato, uma aposta grande nas áreas ambientais, nos espaços verdes e nos ajardinados. Aquilo que permita às pessoas de Fátima viver a cidade com outro prazer.
A experiência na Assembleia da República é para repetir?
Toda a gente devia perceber o processo onde as coisas acontecem e da forma como acontecem. Conheci o palco, conheci a ribalta, as palmas e as luzes, mas também conheci os bastidores e a parte de trás do pano. O perceber como as coisas acontecem foi uma experiência de vida.
Desiludida com o que viu na parte de trás do pano?
Só se desilude quem se ilude, mas tinha outra expectativa, de ver as coisas acontecerem de outra maneira.
Perante a pandemia deveria haver maior união entre os partidos?
Não podemos ser ingénuos ao ponto de achar que vamos todos dar as mãos e pintar arco-íris. A política faz-se de conquistas, mas também de compromissos. Há politiquice a mais, basta abrir os telejornais para ver que metade é cascalho. Faz falta um pouco mais de compromisso nas lideranças.
Uma engenheira na educação